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Bakunin contra Marx: conheça o russo que se opôs à ditadura do proletariado e à ideia de Revolução

Bakunin participou da fundação da Primeira Internacional Social-Democrata; apesar das divergências, ele próprio o primeiro tradutor do “O Capital” para o idioma russo
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

“Se você pegar o mais ardente revolucionário, e investi-lo de poder absoluto, dentro de um ano ele seria pior que o próprio Czar” (Bakunin x Marx). 

“Liberdade sem socialismo é privilégio, injustiça; socialismo sem liberdade é brutalidade e escravidão” (Bakunin versus Marx).

Mikhail Bakunin nasceu no dia 18 de maio de 1814, em uma família rica e de linhagem nobre. Do pai, que se identificava com o liberalismo europeu e com a Revolução Francesa, herdou uma educação baseada nestes ideais. Depois do levante Decembrista e da repressão que se abateu sobre os liberais, o pai com medo do futuro para o filho enviou-o para a carreira militar.

A displicência do jovem, entretanto, influenciado pelas ideias libertárias da infância, faria com fosse desligado rapidamente do Exército. Aos vinte e um anos, mudou-se para Moscou com o objetivo de estudar filosofia. 

Engajou-se no estudo sistemático da filosofia idealista. Primeiro Kant, depois Schelling, Fichte, e, finalmente, Hegel. Realizou a primeira tradução de parte da obra do grande filósofo idealista alemão para o idioma russo. Conheceu na universidade dois outros intelectuais, os socialistas Herzen e Ogarev e com eles travou uma amizade de toda a vida.

O jovem Bakunin tinha ânsia pelo saber. De Moscou foi a Berlim em 1840. Tomou parte em um coletivo de estudantes denominados de “a esquerda hegeliana” e terminou por unir-se ao movimento socialista. Em seu ensaio “A reação na Alemanha”, publicado em 1842, ele argumentava a favor da ação revolucionária da negação, resumida na frase “a paixão pela destruição é uma paixão criativa”; para ele se tornava impossível criar o novo sem primeiro destruir-se o velho, um conceito que prenunciava o surgimento de todo um vanguardismo modernista ocidental.

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Nessa época trava relações com outro intelectual e aristocrata russo, o escritor Ivan Turgueniev. Dessa relação, Tuguenief extrairá o perfil do personagem central do romance “Rudin”, uma obra de arte a retratar a intelectualidade aristocrática em revolta. 

Bakunin era muito conceituado no meio universitário, mas terminará por recusar-se a seguir na carreira acadêmica para devotar-se à promoção da revolução. Em 1844, vai a Paris, considerada a Meca das ideias socialistas, onde estabelece um primeiro contato tanto com o também jovem Karl Marx, quanto com o já anarquista Proudhon. 

Bakunin não havia exercido qualquer ação política em seu próprio país. Entretanto, em dezembro de 1844, o imperador Nicolau I, por decreto, retirou-lhe todos os privilégios, destituindo-o de seu título de nobreza e de todos os direitos civis, confiscando suas posses e condenando-o à prisão na Sibéria para o resto da vida, caso as autoridades russas conseguissem pegá-lo. Do dia para noite um “barin” rico fora transformado em um pobre imigrado e com ordem prisão e degredo. Esta era a marca dos Romanovs!

Bakunin respondeu ao decreto com uma longa carta pública denunciando o imperador como déspota e fazendo um chamado à democratização da Rússia. Em consequência da mesma foi expulso da França e fugiu para Bruxelas. Lá em 1848, realizou um discurso profético sobre o grande futuro reservado aos eslavos, cujo destino seria rejuvenescer a Europa Ocidental.

Desde então, não havia local em uma Europa Ocidental em chamas onde Bakunin não procurasse estar. 

De certa forma, podemos dizer que ele e Karl Marx disputavam a liderança de um movimento político que abrangia a maior parte dos países europeus, com reflexos inclusive na América do Norte. 

Nesta disputa, Marx chegou a alegar publicamente que Bakunin seria um agente infiltrado do imperialismo russo, graças a uma denúncia feita por George Sand. Marx, entretanto, se retrataria publicamente depois que George Sand se confessou equivocada a respeito (aliás, não foram poucas as vezes em que esta senhora se equivocou sobre pessoas com as quais não concordava politicamente).

Incansável, Bakunin teve um papel de destaque no levante de maio de Dresden, em 1849, ajudando a organizar barricadas contra as tropas prussianas, lado a lado com o músico e compositor Richard Wagner e com o poeta Wilhelm Heine.

Bakunin terminou preso pelos saxões em Chemnitz e foi entregue às autoridades russas. 

Na Rússia terminou trancafiado na terrível Fortaleza de Pedro e Paulo, símbolo da repressão política de Petersburgo. Um emissário do Imperador visitou-o na cadeia e comunicou-lhe que o Czar Nicolau I queria uma confissão sua por escrito. Ele escreveu-lhe: “O senhor quer a minha confissão; mas precisa saber que um criminoso penitente não é obrigado a implicar ou revelar as ações de outrem. Guardo apenas a honra e a consciência de que jamais traí quem quer que tenha confiado em mim, e é por esse motivo que não lhe entregarei nada e nem ninguém. ”

Depois de três anos na Fortaleza, ele passou mais quatro anos acorrentado pelas pernas e pelos braços nas masmorras subterrâneas do castelo de Shlisselburg. Acometido de escorbuto, teve a perda de todos os dentes. No desespero, pediu ao irmão que lhe trouxesse cianureto para suicidar-se. Não foi atendido.

Quando os russos foram derrotados na guerra pela Criméia e tendo falecido Nicolau I, seu sucessor, graças à desastrosa situação econômica que o país atravessava, foi impelido a determinadas aberturas políticas. Alexandre II exigiu, entretanto, que o nome de Bakunin ficasse fora da lista de anistiados políticos. No entanto, dois anos após, o Czar atendeu ao apelo da mãe e decretou o exílio de Bakunin na Sibéria Ocidental. 

No degredo, Bakunin casou-se. Em agosto de 1858, recebeu uma importante visita que iria propiciar-lhe mais uma conspiração e, finalmente, a fuga para a liberdade: era a de seu primo em segundo grau, o conde Nikolay Muravyov, que fora nomeado governador-geral da Sibéria Ocidental.

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Muravyov era liberal e Bakunin, enquanto parente, tornou-se seu primo favorito e protegido. Logo este logo organizou um círculo de discussões políticas no quartel da colônia de Muravyov. Deste grupo emergiu a proposta para a criação dos “Estados Unidos da Sibéria”, independente da Rússia, seguindo o exemplo dos Estados Unidos nas Américas.

Quando em Petersburgo tomou-se conhecimento daquilo que sucedia na Sibéria, o primo Muravyov foi forçado a se aposentar do cargo de governador-geral tanto por sua conduta liberal, quanto pelo temor de que ele pudesse levar a Sibéria a um movimento de independência, sob a influência do indomável Bakunin.

Bakunin estava para ser enviado novamente para a prisão quando conseguiu convencer o capitão de uma nau americana a dar-lhe fuga. À bordo escapou disfarçado da vigilância e chegou ao Japão onde, por um acaso, encontrou o poeta Wilhelm Heine, um de seus camaradas de armas de Dresden. Com o mesmo partiu para São Francisco e aportou a Nova York, tudo isso em menos de um mês.

Se por um lado, Bakunin admirava a democracia norte-americana, por outro tinha volúpia de reintegrar-se ao movimento revolucionário europeu. Partiu, então, para Londres onde reviu um antigo colega, o socialista russo Alexandr Herzen e tornou a mergulhar no movimento.

Deixou Londres em fins de 1863 chegando à Itália onde, pela primeira vez, se declarou anarquista e expôs suas ideias enquanto tal. Foi lá que concebeu o plano de forjar uma organização secreta de revolucionários e preparar o proletariado para a ação direta. Recrutou italianos, franceses, escandinavos, e eslavos para uma Irmandade Internacional, a também chamada Aliança dos Socialistas Revolucionários. Nos dois anos seguintes, sua sociedade secreta iria se expandir, possuindo membros na Suécia, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Inglaterra, França, Espanha, Itália, Rússia e Polônia.

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A organização gerou a Liga de Paz e Liberdade que enfatizava que a liberdade deveria ocorrer conjuntamente com o socialismo já que: “Liberdade sem socialismo é privilégio, injustiça; socialismo sem liberdade é brutalidade e escravidão. ” Da conferência de Genebra da Liga participaram em torno de 6.000 pessoas. 

Quando Bakunin se ergueu para falar, escutou: “Bakunin!” Era Giuseppe Garibaldi, que se levantara da plateia e o abraçou. O encontro solene de dois velhos e experientes guerreiros pela liberdade produziu uma impressão estonteante… Todos os presentes se levantaram e houve um prolongado e entusiasmado bater de palmas.

Entre os anos de 1869 e 1870, Bakunin esteve envolvido com Sergey Nechayev, personagem que inspiraria Dostoievski em “Os Demônios”. Em conjunto os dois teriam escrito o “Catecismo de um revolucionário”, obra exemplar de maquiavelismo político, atitude da qual Bakunin iria publicamente se arrepender. Pouco mais tarde, após Nechayev coordenar à morte um estudante russo que não reconhecia nele a autoridade revolucionária, Bakunin rompeu com o mesmo, “devido aos seus métodos sem honra”. Desde então, renegou para sempre a ideia “que todos os meios são justificáveis para atingir os fins revolucionários”. Antecipando Sartre em quase um século afirmou: “são os meios que justificam os fins. ”

Bakunin participou da fundação da Primeira Internacional Social- Democrata até ser expulso por Karl Marx e seus seguidores no Congresso de Haia, em 1872. 

As discordâncias entre Bakunin e Marx ilustram a crescente divergência entre aqueles que advogavam a ação e organização dos trabalhadores de forma a abolir o Estado e o capitalismo, e os que, sob a batuta de Marx, defendiam a conquista do poder político pela classe operária e a implantação da ditadura do proletariado.

Bakunin criticava de forma efusiva o que chamava de “socialismo autoritário” e o conceito mesmo de “ditadura do proletariado”. “Se você pegar o mais ardente revolucionário, e investi-lo de poder absoluto, dentro de um ano ele seria pior que o próprio Czar”.

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As palavras de Bakunin soam absolutamente proféticas em relação à Revolução Socialista de 1917: “Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários.

Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, deixarão de ser operários e se colocarão a observar o mundo proletário a partir do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana. ”

Bakunin ainda previu que, se os marxistas tivessem êxito em ocupar o poder, eles iriam criar uma ditadura de partido “em tudo mais perigosa porque ela se apresentaria como uma falsa expressão da vontade do povo.” 

Ele insistia em que qualquer “elite iluminada” só deveria exercer influência discreta, jamais se impondo na forma de uma ditadura a outrem e nunca se aproveitando de quaisquer direitos oficiais, em termos de benefício ou significância.

Em 1870, Bakunin atuou como articulador de um levante na cidade francesa de Lyon, que precedeu a Comuna de Paris, com a qual compartilhou princípios e modelos. Bakunin elogiou os homens e mulheres da Comuna de Paris de 1871, que posteriormente ficaram conhecidos como “communards”, por rejeitarem não só o Estado, mas também uma “ditadura revolucionária”, mesmo a custas dos próprios pescoços.

Liberdade para ele consistia no “desenvolvimento pleno de todas as faculdades e poderes de cada ser humano pela educação, pelo treinamento científico, e pela prosperidade material.” Tal concepção de liberdade é “eminentemente social, porque só pode ser concretizada em sociedade, não em isolamento”. 

A forma de socialismo que Bakunin concebia era um “anarquismo coletivista”, condição na qual os trabalhadores poderiam administrar diretamente os meios de produção através de suas próprias associações produtivas. Assim haveria “modos igualitários de subsistência, fomento, educação e oportunidade para cada criança, menino ou menina até a maturidade, e recursos e infraestrutura análoga na idade adulta para dar forma ao seu bem estar através do próprio trabalho.”

Defendia que o Estado deveria ser imediatamente abolido após a revolução porque todas as formas de governo, eventualmente, levariam à opressão. “Nenhuma ditadura pode ter qualquer outro objetivo além de sua autoperpetuação; ela pode apenas levar à escravidão o povo que tolerá-la; a liberdade só pode ser criada através da liberdade, isto é, por uma rebelião universal de parte das pessoas e a organização livre das multidões de trabalhadores de baixo para cima. ”

Apesar da oposição veemente à proposta marxista de revolução, ele considerava as análises econômicas apresentadas por Marx extremamente importantes, tanto que foi ele próprio o primeiro tradutor do “O Capital” para o idioma russo.

Doente, Bakunin retirou-se para a cidade suíça de Lugano em 1873. Com todas as dificuldades funda uma editora na qual parte de seus livros são publicados sob o título de “Estadismo e Anarquia”. Em 1876, com a saúde muito deteriorada, Bakunin é levado por um amigo para um hospital em Berna. Lá encontrou seu fim.

Seu corpo foi enterrado no cemitério de Bremgarten. Seu túmulo foi mantido por muitos anos graças às doações de um suíço anônimo, sendo visitado por anarquistas vindos de todo o mundo. Segundo o diretor, não era incomum que em algumas noites grupos de jovens entrassem no cemitério e se reunissem para beber junto ao seu túmulo.

A vida e a obra de Bakunin formataram a base do anarco-sindicalismo, de enorme importância nas conquistas dos trabalhadores nos séculos XIX e XX. 

Ainda influenciam diversos movimentos como os grupos ambientalistas e aqueles que utilizam a tática de ação direta das “massas”. Movimentos cooperativistas, de ocupação e de reforma urbana, grupos e locais de trabalho de autogestão, também carregam em si o germe da ideologia anarquista e o pensamento de Bakunin.

E para além de seu legado político e filosófico, Bakunin tornou-se um símbolo do anti-autoritarismo no mundo das ideias e segue sendo uma referência presente entre os anarquistas nossos contemporâneos, dentre eles Noam Chomsky.

Carlos Russo Junior, colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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