“O Movimento” (The Movement) é o nome do projeto de Steve Bannon para influenciar as eleições no Parlamento Europeu de 2019. O objetivo imediato: formar uma coalizão de forças ultraconservadoras na Europa, difundindo propostas eleitorais, planos de políticas públicas e suporte estratégico aos partidos de extrema-direita.
Aumentar a presença de deputados radicais no Parlamento Europeu pode ser considerado o segundo propósito. Bannon não tem ilusão de eleger uma maioria conservadora, mas espera, ao menos, preencher um terço das cadeiras. Uma vez eleitos, os políticos anti-integracionistas tratariam de “comandar pela negação”, como Bannon se refere ao esperado bloqueio legislativo à aprovação de leis e ao aumento da institucionalização no bloco regional.
A iniciativa vem sendo desenhada por Bannon e Michael Modrikamen, fundador do Parti Populaire, partido belga considerado ultraliberal na esfera econômica e retrógrado nos valores morais. Mais do que infiltrar o radicalismo de direita entre parlamentares europeus, ambos almejam colocar em curso um mecanismo para destruir a própria União Europeia.
Na pauta do grupo constam mais importância da soberania nacional, fronteiras fechadas, anti-islamismo, limites à imigração, nacionalismo econômico e depredação dos direitos humanos. Temas que ajudam a atrair descontentes tanto com a direita liberal quanto com a social-democracia europeia.
OPEU
A iniciativa vem sendo desenhada por Bannon e Michael Modrikamen, fundador do Parti Populaire
A esquerda é um alvo natural, mas os liberais tampouco escapam. O magnata George Soros, com suas Open Society Foundations que promovem liberalismo em mais de 100 países, é considerado por Bannon como um demônio genial que deve ser combatido.
Financiada por Bannon e doadores anônimos nos Estados Unidos e na Europa, uma conferência deverá lançar “O Movimento”, em janeiro de 2019, na cidade de Bruxelas. Os organizadores esperam ter a presença de inúmeros grupos e líderes radicais de direita. Entre eles, o Tea Party americano, o vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salviani, e a francesa Marie Le Pen, presidente do partido Rassemblement National, além de conservadores austríacos, poloneses, húngaros e suecos, entre outras nacionalidades europeias.
Como uma espécie de startup nacionalista-populista, “O Movimento” pretende ser um fórum de “soberanistas”. Nas palavras do próprio Bannon, o mês de maio do próximo ano verá a primeira grande confrontação entre o populismo e o “Partido de Davos”.
O mote do que já foi apelidado de “clube dos populistas” é acabar com o chamado globalismo. Bannon e seus seguidores consideram o globalismo como um ataque das elites econômicas e dos burocratas políticos aos direitos dos trabalhadores e ao Estado-nação. Direitos humanos, mudança climática, migração, gênero, entre outros, seriam temas propagados internacionalmente pelos globalistas para ditar as regras do jogo no mundo.
Antigo estrategista-chefe da Casa Branca de Trump e assessor do republicano no período pré-eleição de 2016, Bannon também atuou na consultoria Cambridge Analytica. Recentemente, a empresa foi acusada de comprar informações pessoais de usuários de redes sociais para difundir falsas notícias sobre o Brexit e a campanha de Trump.
Bannon diz que tenta ser apenas a infraestrutura para o movimento populista global. De fato, sua atuação não se limita ao espaço transatlântico. Em recente entrevista para a mídia australiana, o americano disse que a Austrália será foco de populismo e palco de uma revolta dos trabalhadores. A ascensão recente de um primeiro-ministro neopentecostal, após um mini golpe dentro do próprio Partido Liberal, em Canberra, indica que Bannon talvez não esteja delirando tanto quanto a isso.
Sua influência nas eleições presidenciais no Brasil também foi levantada pela imprensa brasileira e internacional, chegando a ser confirmada pelo clã Bolsonaro. Segundo um dos filhos do presidente eleito, Bannon foi um consultor informal na campanha bolsonarista. Várias técnicas usadas pelos apoiadores de Bolsonaro reproduziram as táticas de Bannon para eleger Trump: disparo de inverdades nas redes sociais, difamação de adversários, demonização da política e dos partidos, vilanização da burocracia estatal, polarização social, entre outras.
O elo prosseguiu, pois Bolsonaro já teria sido convidado a participar da conferência do “O Movimento”. Em vias de sofrer nova cirurgia na mesma época, o brasileiro não deverá comparecer, mas poderá enviar um procurador.
A estratégia de Bannon na Europa, no entanto, enfrentará algumas dificuldades. Leis eleitorais em muitos países europeus impedem que indivíduos ou organizações de fora interfiram em eleições nacionais por meio de serviços de pesquisa ou outro tipo de apoio. Mesmo na Bélgica, de Modrikamen, pessoas físicas e jurídicas têm limites baixos para doação financeira a campanhas. O país com a legislação mais frouxa nesse sentido é a Itália, onde Bannon tem passado a maior parte do tempo.
Para o AfD, partido de extrema-direita alemão e, hoje, a principal força de oposição na Alemanha, não há muitos ganhos em associar-se com Bannon. Alexander Gauland, um dos líderes do AfD, alega que os interesses entre os partidos conservadores na Europa não são, necessariamente, convergentes. Por incrível que possa parecer, agora que adquiriu peso parlamentar, a AfD teme perder o apoio fortuito de eleitores moderados, caso abrace o radicalismo de Bannon. Além disso, Trump é extremamente impopular na Alemanha, mesmo entre radicais de direita.
Até a ultradireita francesa reconhece os riscos de ligação com um supremacista branco da estirpe do americano. Depois da derrota para Emmanuel Macron, Marie Le Pen precisou submeter o velho Front National a um processo de “rebranding”, para usar um jargão de marketing. Agora conhecido como Rassemblement National, o partido de extrema-direita na França tenta se dissociar do radicalismo espinhoso normalmente defendido por Bannon.
Para a grande imprensa ocidental, Bannon tem poucas chances de realizar o sonho de se infiltrar na política europeia em profundidade. Pode ser. Mas uma coisa é certa. Sabe-se que existe algo de muito errado no mundo quando porta-vozes do Rassemblement National e do AfD soam quase moderados em comparação ao radicalismo made in USA.