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Barão e Visconde de Mauá, um pioneiro de múltipla dimensão

Precisamos festejar a vida e obra de Mauá, neste ano que marca o 210º aniversário de seu nascimento em Arroio Grande/Rio Grande do Sul
Ceci Juruá
Diálogos do Sul Global
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

No Brasil, Mauá foi um pioneiro em tripla dimensão. Na construção naval – o Estaleiro de Ponta da Areia, em Niterói –, no transporte marítimo e fluvial – Baía de Guanabara e rio Amazonas – , no transporte ferroviário – a pequenina estrada de ferro entre o porto de Mauá (RJ) e a raiz da Serra de Petrópolis –, mas também em metalúrgica e siderúrgica – a fundição de Ponta da Areia, de onde saíram produtos de ferro para suas realizações como empreiteiro de obras públicas em Niterói e no Rio de Janeiro.

Outras realizações de natureza industrial, porém de menor dimensão simbólica, foram realizadas entre Pernambuco e Rio Grande do Sul. 

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No que concerne ao setor de viação foi também pioneiro em matéria de promoção da primeira operação integrada de transportes utilizando vias marítima e ferroviária entre o porto de Niterói e o porto de Mauá, com integração à EF de Mauá até a raiz da Serra de Petrópolis

Anteriormente ao Visconde de Mauá, o pioneirismo em matéria de construção naval coube ao Estado português. Retiro da Wikipédia, a matéria que segue, relativamente ao Arsenal do Rio de Janeiro.

A instituição remonta à instalação do Arsenal do Rio de Janeiro, no sopé do morro de São Bento. Criado em 29 de dezembro de 1763 pelo Vice-rei Antônio Álvares da Cunha, 1° conde da Cunha, tinha o fim de reparar os navios da Marinha de Portugal. À época, acontecia a transferência da capital da Colônia, de Salvador para o Rio de Janeiro, entre outras razões, para a melhor proteção do ouro que provinha das Minas Gerais pela Estrada Real.

Com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil em 1808, o Arsenal passou a ser designado como Arsenal Real da Marinha ou simplesmente como Arsenal da Corte. A partir de 1820, as suas dependências começaram a se expandir para a ilha das Cobras.

Após a Independência do Brasil, diante da necessidade de organizar e operar uma marinha nacional, as atividades do Arsenal tornaram-se prioritárias. Nesta fase, passou a se denominar Arsenal Imperial da Marinha, melhor conhecido como Arsenal de Marinha da Corte.[1]

Pelas informações do renomado site, o pioneirismo no Brasil em matéria de industrialização coube de fato ao Estado português, durante a fase do despotismo esclarecido, sob o reinado de D. José I. Tratou-se da instalação, em 1763, do Arsenal do Rio de Janeiro, empreendimento que permitiu registrar a presença de navios estrangeiros nas costas do Brasil.

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Livro de Arno Wehling, na coleção História Administrativa do Brasil realizada sob a coordenação de Vicente Tapajós (FUNCEP, Fundação Centro de Formação do Servidor Público, realizado entre 1955 e 1986) nos informa:

A presença de navios estrangeiros em portos da colônia era outra grande preocupação do governo português. (…) No início do século XVIII houve um recrudescimento destas proibições, devido ao surto minerador … . Southey, baseado em documentos de Walpole, criticou duramente o marquês do Lavradio por colocar em prática uma lei “inospitaleira contra os navios estrangeiros, ou seja, a exigência de que os recursos necessários para os reparos das naus fossem levantados não por letras de câmbio, mas pelo depósito de parte da carga equivalente à dívida na praça do Rio de Janeiro. O depósito em produtos seria enviado a Lisboa, negociado, pagando impostos, frete e comissões e o lucro obtido remetido para o Brasil, para o pagamento da dívida. Considerando-se a morosidade dos transportes e as dificuldades financeiras e técnicas para o reparo de navios no Rio de Janeiro, esta prática acarretava vultosos prejuízos a armadores e negociantes estrangeiros. (Arno Wehling/ FUNCEP, 1986, p.79-80, capítulo V).

Na ocasião em que foi construído no Rio de Janeiro o Arsenal da Marinha, o Marquês de Pombal era Secretário de Estado em Portugal (sob o reinado de D. José I, entre 1756 e 1777). Anteriormente a este cargo, Sebastião José de Carvalho e Melo, titulado Marquês de Pombal, fora embaixador de Portugal na Inglaterra em 1738. 

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Sendo assim, observamos que o pioneirismo industrial de Mauá restringiu-se à Estrada de Ferro de Mauá à Raiz da Serra de Petrópolis, província do Rio de Janeiro, inaugurada em 1854, e à navegação a vapor no Rio Amazonas em 1852 (por Decreto N. 137, de 10 de agosto de 1852, um mês após a elevação da comarca do Alto Amazonas, província do Grão Pará, à categoria de Província, desmembrada portanto do Pará). 

Outras investidas empresariais de Mauá, de porte gigantesco para a época, foram registradas nos setores de comércio e finanças e serão comentadas em diversas seções deste livro. 

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Para introduzir o tema de Mauá como vítima do subdesenvolvimento da economia brasileira, cujas raízes também estão naquela segunda metade do século 19, começamos pela apresentação de um texto do prof. Celso Furtado, nosso eterno mestre em matéria de História Econômica do Brasil.

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Iconografia da história
Mauá pode ter sido a primeira grande vítima do imperialismo anglo-saxão

A tendência ao desequilíbrio externo

Celso Furtado – Formação Econômica do Brasil
Cap. XXVII (Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 32ª. edição, p.161)

“O funcionamento do novo sistema econômico, baseado no trabalho assalariado, apresentava uma série de problemas que, na antiga economia exportadora-escravista, apenas se haviam esboçado. Um desses problemas … consistiria na impossibilidade de adaptar-se às regras do padrão-ouro, base de toda a economia internacional no período que aqui nos ocupa.

O princípio fundamental do sistema do padrão-ouro radicava em que cada país deveria dispor de uma reserva metálica – ou de divisas conversíveis, na variante mais corrente – suficientemente grande para cobrir os déficits ocasionais de sua balança de pagamentos. É fácil compreender que uma reserva metálica – estivesse ela amoedada ou não – constituía uma inversão improdutiva, que era na verdade a contribuição de cada país para o financiamento a curto prazo das trocas internacionais. 

A dificuldade estava em que cada país deveria contribuir para esse financiamento em função de sua participação no comércio internacional e da amplitude das flutuações de sua balança de pagamentos. Ora, um país exportador de produtos primários tinha, como regra, uma elevada participação relativa no comércio internacional, isto é, seu intercâmbio per capita era relativamente muito maior que sua renda monetária per capita. Por outro lado, sua economia – pelo fato mesmo de que dependia muito mais das exportações – estava sujeita a oscilações muito mais agudas.

O problema que se apresentava à economia brasileira era, em essência, o seguinte: a que preço as regras do padrão-ouro poderiam aplicar-se a um sistema especializado na exportação de produtos primários e com um elevado coeficiente de importação ?” 

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Comentário de César Benjamim, professor e escritor brasileiro, sobre CF:

“Em grande parte da nossa história, primeiro como colônia, depois já como nação, o pensamento brasileiro não fez muito mais do que copiar saberes da Europa, que irremediavelmente nos condenavam. Durante séculos convivemos com uma imagem negativa e pessimista de nós mesmos. Nossa inteligência era um ornamento, um beletrismo ávido por importar as últimas modas, incapaz de produzir conhecimento e impulsionar qualquer mudança real. Na década de 1930, depois de mais de cem anos de vida independente, finalmente amadureceram novas e fecundas interpretações do Brasil. Começa a se formar outra agenda brasileira, que se projeta pela maior parte do século XX em torno de dois desafios fundamentais: identidade e desenvolvimento. Celso Furtado (1920-2004) foi o pensador que melhor sintetizou essas duas questões. O líder intelectual do desenvolvimentismo, o visionário da industrialização, o criador da Sudene, o ministro do Planejamento, o economista de prestígio internacional todos conhecem. O humanista e homem de cultura, profundamente brasileiro e cidadão do mundo, se desvela plenamente neste quinto volume dos Arquivos, “Ensaios sobre cultura”. “Desde cedo”, diz Rosa Freire d'Aguiar Furtado na Apresentação, “Celso percebeu que o instrumento da economia era insuficiente para entender os problemas do Brasil e do mundo; e que o uso generalizado, e até abusivo, da matemática, e dos grandes modelos econométricos, deixara de lado outras variáveis importantes. […] Estudar o desenvolvimento a partir de sua dimensão cultural, como ele o fez, era um enfoque inovador, e hoje é visto por pesquisadores no Brasil e no exterior como um de seus aportes teóricos mais originais. Ele costumava dizer que o homem se justifica pelos valores que tem. O desenvolvimento seria menos o resultado da acumulação material do que um processo de invenção de valores, comportamentos, estilos de vida, em suma, de criatividade.” Neste volume vemos o Celso das “Sete teses sobre a cultura brasileira”, o pensador das relações entre economia e cultura, o formulador de políticas culturais, o leitor atento dos nossos clássicos: Jorge Amado, Roberto Simonsen, Vianna Moog, Rui Barbosa, Machado de Assis, Tobias Barreto, Euclides da Cunha e, é claro, seu grande amigo Darcy Ribeiro. Um lado menos conhecido, mas essencial, de sua grande obra. César Benjamin

(retirado do google em 26-07-2023, 08:31)

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Para que meus leitores possam entender porque trabalho com a hipótese que Mauá tenha sido a primeira grande vítima do imperialismo anglo-saxão transcrevo, ainda, o pensamento que Celso Furtado legou em uma de suas últimas publicações, em 2003, um ano antes de nos deixar.

O Desenvolvimento

Celso Furtado – Raízes do subdesenvolvimento
Cap. III (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.87 a p.104)

“No esboço de análise que se segue tentaremos captar o fenômeno do subdesenvolvimento no quadro da história contemporânea: como consequência da rápida propagação de novas formas de produção, partindo de um número limitado de centros irradiadores de inovações tecnológicas , em um processo que tendeu à criação de um sistema econômico de âmbito planetário. Dessa forma consideraremos o subdesenvolvimento como uma criação do desenvolvimento, isto é, como consequência do impacto, em grande número de sociedades, de processos técnicos e de formas de divisão do trabalho irradiados de pequeno número de sociedades que se haviam inserido na revolução industrial em sua fase inicial, ou seja, até fins do século XIX.

As relações que se estabelecem entre esses dois tipos de sociedades envolvem formas de dependência que tendem a auto-perpetuar-se. Essa dependência apoiou-se, inicialmente, num sistema de divisão internacional do trabalho que reservava para os centros dominantes as atividades produtivas em que se concentrava o progresso tecnológico. Em fase subsequente, a dependência resultou do controle exercido por grupos de economias dominantes sobre as atividades que, nas economias dependentes , mais assimilavam novas técnicas”. 

“Sendo assim, infere-se que o subdesenvolvimento não pode ser estudado como uma “fase” do processo de desenvolvimento, fase que tenderia a ser superada sempre que atuassem conjuntamente certos fatores. Pelo fato mesmo que são coetâneas das economias desenvolvidas, das quais, de uma ou de outra forma, dependem, as economias subdesenvolvidas não podem reproduzir a experiência daquelas. Em síntese : desenvolvimento e subdesenvolvimento devem ser considerados como dois aspectos de um mesmo processo histórico, ligado à criação e à forma de difusão da tecnologia moderna. (…)

O desenvolvimento, além de ser o fenômeno de aumento da produtividade do trabalho, é um processo de adaptação das estruturas sociais a um horizonte em expansão de possibilidades abertas ao homem. As duas dimensões do desenvolvimento – a econômica e a cultural – não podem ser captadas senão em conjunto. Por uma questão de facilidade metodológica, o economista concentra a sua atenção nos aspectos mensuráveis do desenvolvimento, isto é, privilegia as variáveis que são passíveis de expressão quantitativa. Fica implícito que os demais elementos do processo permanecem imutáveis, ou não afetam de forma significativa o conjunto do processo, durante a fase em que se realiza a observação. (…).

O ponto de partida do estudo do desenvolvimento deveria ser não a taxa de investimento, ou a relação produto-capital, ou a dimensão do mercado, mas o horizonte de aspirações da coletividade em questão, considerada não abstratamente mas como um conjunto de grupos ou estratos com perfil definido. O desenvolvimento é a transformação do conjunto das estruturas de uma sociedade em função de objetivos que se propõe alcançar essa sociedade. O primeiro problema é definir o campo de opções que se abre à coletividade. Em seguida apresenta-se o problema de identificar, entre essas opções, as que se apresentam como ‘possibilidade política’, isto é, aquelas que, correspondendo a aspirações da coletividade, podem ser levadas à prática por forças políticas capazes de exercer um papel hegemônico no sistema de poder.”

Esta deveria ser nossa tarefa atual, o planejamento do futuro como um grande sonho coletivo de realização de nossas aspirações históricas, onde se destacariam o bem viver dos povos originários, liberdade com direito à criatividade, vida decente com dignidade e justiça social em Pátria Soberana.

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Precisamos festejar a vida e obra de Mauá, neste ano que marca o 210º aniversário de seu nascimento em Arroio Grande/Rio Grande do Sul.

Ceci Juruá | Economista e pesquisadora em História Econômica e Social do Brasil, mestre em Desenvolvimento e Planejamento Econômico, doutora em Políticas Públicas com tese sobre Construção Ferroviária no Brasil, no século XIX. Foi servidora do Estado na Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro, assessora chefe de Orçamento e Programação Econômica, presidente do Depto de Transporte Rodoviário do Rio de Janeiro, Diretora do Ministério dos Transportes. Atualmente integra o Conselho Consultivo da CNTU e o Conselho Deliberativo do Centro Internacional Celso Furtado. 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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