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João Goulart em São Bernardo do Campo em 20 de agosto de 1963 (Foto: Autor desconhecido / Wikimedia Commons)

Beatriz Bissio | João Goulart e as reformas de base: lições de um Brasil interrompido

O marco de 48 anos da morte de João Goulart suscita uma reflexão sobre o seu legado, em um momento em que o povo brasileiro necessita voltar a debater um projeto de nação
Beatriz Bissio
Diálogos do Sul Global
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Conheci João Goulart superficialmente, em Montevidéu, através de Neiva Moreira, e o vi outra vez, em Buenos Aires, já no ano posterior ao golpe de Estado no Uruguai. 

Mas o meu conhecimento do Presidente João Goulart deve-se principalmente aos depoimentos que ouvi do próprio Neiva, de Darcy Ribeiro, de Brizola e de outros protagonistas daquele período. Aliás, do Brizola, uma das lembranças que ficou na minha memória foi a importância que teve para ele a reaproximação com João Goulart ainda em vida, um fato marcante não só pelo significado político, mas porque, além de ex-presidente, João Goulart era o seu cunhado e o afastamento de ambos tinha tido um peso muito forte na vida de sua companheira, Dona Neusa.

Foi através desses testemunhos que eu compreendi a fratura profunda que o golpe contra o governo de João Goulart provocou no Brasil. 

Costuma-se falar do que o golpe de 1964 significou em matéria de violações aos direitos humanos, repressão, tortura, morte, prisões, exílios. E é muito importante falar desses aspectos terríveis da ditadura. Mas é necessário, também, sobretudo para as novas gerações, falar do preço que a ditadura fez pagar ao Brasil em outra dimensão: o corte radical que ela impôs ao país no seu projeto de futuro! 

Esse projeto de futuro estava sendo implementado pelo governo de João Goulart. Era um projeto que transformaria o Brasil num país muito mais justo socialmente, mais próspero economicamente, com maior projeção internacional e, por tudo isso, com muito mais possibilidades de exercer verdadeiramente a sua soberania.

Esse projeto era herdeiro dos ideais de Getúlio Vargas, da Revolução de 30 e do trabalhismo, que visavam a superação de um modelo elitista de país através da promoção de uma maior intervenção estatal na economia e das chamadas reformas de base — reforma agrária, urbana, fiscal, eleitoral e educacional. O governo de João Goulart já tinha aprovado leis como a do décimo terceiro salário, as que fortaleciam a atuação sindical, as que impunham a limitação da remessa de lucros para o exterior, entre outras, criando uma atmosfera de otimismo que se refletia na criação artística e cultural.  

Faltou tempo para que o projeto desse os frutos que transformariam o Brasil num outro país: a brutalidade da intervenção militar — que hoje sabemos, foi instigada pelo ódio das classes dominantes a qualquer possibilidade de aceitar uma redução de seu poder, somada à ingerência norte-americana que não aceitava um Brasil dono de seu destino — impôs ao país esse brutal retrocesso.

Por isso, hoje é mais importante do que nunca render tributo a João Goulart e ao seu legado. Porque o Brasil necessita voltar a acreditar que tem capacidade de moldar um futuro diferente para as grandes maiorias. E essa  confiança deve ser construída através de um resgate da história, no qual o trabalhismo e a figura de João Goulart têm um papel de destaque.

Cannabrava | Trabalhismo, doutrina e práxis: refundar Era Vargas é dar ao país uma alternativa de futuro


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Beatriz Bissio

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