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Bel Santos Mayer, educadora social, faz do Facebook um caderno para postagens de qualidade. Ora publica fragmentos de memórias de infância, de familiares e amigos de raiz. Ora, e principalmente, usa o Face para fazer o que mais gosta: educar seu público.
Por Fernanda Pompeu*
Os assuntos predominantes são direitos humanos e literatura para todos. A parte dos direitos humanos vem do seu trabalho longevo no Ibeac — Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário. Já a literatura para todos vem da sua militância no LiteraSampa. Bel reúne duas esferas complementares: a ação e o discurso.
Confira a entrevista com Bel Santos Mayer:
Fernanda Pompeu: Conte um pouco de você?
Bel Santos Mayer: Antes de nascer eu já era Isabel Aparecida dos Santos. Meu nome foi se desenhando como pagamento de algumas promessas da mãe, receosa de que algo andava mal na gravidez. Deu tudo certo e ela agradeceu antecipadamente às santas Isabel e Aparecida. O Santos é de família. Enquanto eu crescia, o nome diminuía. Com quase 1,80 metro, virei Bel, Belzinha. A “morena simpática” tornou-se uma mulher negra. Aos 39, acrescentei “Mayer” ao nome e à vida. Desde 2006 me apresento como Bel Santos Mayer, educadora social.
Academicamente passei (fiquei e aprendi) pelas faculdades de Matemática, Pedagogia Social e Turismo e, também no Magistério, que me fez acreditar na escola pública. Em 2018, iniciei o mestrado em Turismo na EACH/USP com o projeto “O seu destino é o livro: o Turismo Literário como primeira experiência de viagem de jovens moradores de periferias”. A promoção do Direito Humano à literatura tem ocupado a maior parte dos meus sonhos.
Quando você começou a postar textos autorais no Facebook?
Comecei a postar no Facebook há cerca de três anos, após observar o comportamento dos jovens das bibliotecas comunitárias que postavam o que estava acontecendo no momento. Comecei a imitá-los: colocava uma foto e uma frase. Às vezes era apenas o nome do evento, uma indicação literária. Depois comecei a acrescentar alguma fala dos participantes.
Faz pouco mais de um ano que passei a publicar o que penso sobre determinados assuntos, estimulada por pessoas que ao final de minhas palestras perguntavam: Você tem face? Posso te seguir? Me aceita? Então me dei conta de que as pessoas buscavam algo mais sobre “a Bel”, mas não tinham muito o que ver/ler, além dos lugares por onde eu passava.
Bel Santos Meyer no TC x São Paulo:
Assim, decidi fazer postagens mais recorrentes sobre questões políticas, raciais e de gênero; sobre meu trabalho, minha infância e cotidiano. Também acerca da literatura, livros e eventos literários. E, é claro, sobre pessoas importantes para mim.
Qual é o objetivo das suas postagens?
Escrever sobre minha infância, família, amigas e amigos é uma forma de agradecer às pessoas que tornam meus dias mais felizes. É um jeito, de modestamente, dizer às pessoas que me leem que a vida é muito mais do que as manchetes dos jornais e as análises sócio-político-econômicas. Quando escrevo sobre o miúdo da vida, digo que a pessoa importa. Registro a minha existência e a das pessoas que passam por ela.
Quando faço postagens sobre fatos políticos, meu objetivo é traduzi-los em linguagem acessível às pessoas mais simples, com pouca escolarização e que estão iniciando neste universo virtual. Escrevo para minha mãe e para as Sementeiras de Direitos de Parelheiros, grupo de mulheres de diferentes faixas etárias que se reúne para falar sobre violência, violação de direitos e empoderamento feminino.
Você posta com regularidade? Qual?
Ainda não estabeleci um ritmo de escrita, porém tenho conseguido postar ao menos duas vezes por semana, mesmo que seja simplesmente uma foto e uma frase. Isto tende a melhorar. Percebi que alguns textos me perseguem. Chego a me distrair das atividades cotidianas, construindo-o mentalmente. Tinha começado a gravar em áudio e depois a anotar no celular, mas às vezes participando de debates era impossível. Para evitar a deselegância da digitação em público, passei a anotar a ideia em um caderninho de rascunho. No primeiro intervalo, vou dando corpo ao texto e antes de dormir, posto. Pela manhã visito o texto e reedito se algo me escapou. Quando gosto muito da postagem, quando me vejo na minha escrita e nos comentários dos leitores, releio e releio muitas vezes.
O que lhe dá mais prazer em postar?
O retorno, especialmente quando vem da pessoa objeto/sujeito da escrita. É prazeroso, mas também um desafio escrever sobre memórias. Pode sempre despertar um ‘não foi bem assim’. A história da minha família não foi povoada por leituras, escritas e registros fotográficos. Tenho tentado registrar um pouco disso. Faço isso no Facebook onde estão tios, tias, primos, sobrinhas, sobrinhos, amigos e amigas de infância. Minha mãe ainda não. Costumo ler para ela quando nos encontramos.
Fui escriba da minha avó materna por longos anos, nas correspondências entre ela e uma filha que morava na Bahia. Adoraria encontrar aquelas cartas. Elas falavam de nossas vivências, dos jeitos que encontrávamos para driblar as dificuldades e celebrar a vida. Falavam de nascimentos e de mortes. Hoje vou colhendo aqui e ali alguma fotografia, alguma lembrança dos mais velhos e escrevo. Gosto muito quando a família lê e comenta.
Com relação às demais postagens é uma alegria, também, encontrar comentários que discutem, complementam a ideia.
Bel Santos Mayer fala da literatura para não morrer:
Tem algo difícil em postar?
Tomo sempre muito cuidado antes de posicionar-me sobre temas polêmicos, especialmente questões relacionadas à política partidária. Há situações em que estou com muita raiva diante do cinismo de alguns políticos que justificam a destruição de direitos conquistados em nome do melhor para o povo. Muitas imagens passam pela minha cabeça nessas situações. Chego a ter vontade de ser bem agressiva, xingar. E não faço.
Lembro do meu lugar como formadora, especialmente de educadores e jovens. Minha escolha é pela crítica com esperanças. Quando ela (a esperança) me abandona, recolho-me. Respiro fundo. Escrevo, reescrevo… por vezes curto e compartilho as postagens de amigas e deixo a minha no caderninho. Só volto quando consigo formular perguntas que me ajudem a pensar, a esperançar. Quando está difícil postar, substituto afirmações por indagações.
Você interage com seus leitores? Responde aos comentários?
Sempre. Respondo até com coraçõezinhos. Respeito muito quem dedica seu tempo para ler-me e comentar. Eu que não sou uma postadora regular. Acho de grande consideração comentar sobre o escrito. É um jeito de começar a escrever, de ampliar os sentidos da postagem. Eu faço isto com minhas autoras preferidas. Leio, comento e compartilho.
Que dicas Bel Santos Mayer educadora social dá para postadores autorais?
São autodicas ao estilo ‘faça o que eu digo, mas não o que eu faço’. Indicam o que eu gostaria de fazer:
- Manter a regularidade das postagens. Quem nos lê está sempre à espera do nosso próximo texto.
- Evitar bombardear o Facebook com inúmeras postagens só porque está em férias. O tempo do postador nem sempre é o mesmo do leitor. Quando chegam muitos textos, estes ficam acumulados e se perdem.
- Se um texto que você considera ótimo não fez sucesso, pode valer a pena postar novamente. Há dias e horários melhores para postagens. Mesmo não sendo ligado em futebol ou novela, não é o caso de postar aquele texto bacanérrimo na hora dos pênaltis ou do último capítulo. Alguém me disse que domingo à noite é uma maravilha para as postagens!
- Uma vez que decidiu manter a regularidade de postagens, crie um blog. O facebook não ajuda na localização dos textos. Até criar o meu, passei a guardar as postagens que mais gosto em uma pastinha no meu computador.
- Marque as pessoas relacionadas a sua postagem ou que você acredita que gostarão de lê-la. Quando for alguém que acessa pouco, vale encaminhar por WhatsApp, Messenger ou e-mail, mas não é preciso mandar uma segunda mensagem cobrando se a pessoa viu, leu ou se vai comentar. Circulam tantas postagens… é difícil acompanhar tudo. E é chato ser cobrado.
Já pensou em ter um blog pessoal?
Ao final desta entrevista, começo a pensar na hipótese…
Diga algo que eu não perguntei:
Acredito que os processos de escrita caminham junto com os processos de leitura. Quanto mais leio, mais tenho vontade de escrever. Estou envolvida em projetos de leitura que visam estimular e oferecer mais ferramentas para que jovens sejam capazes de comunicarem-se com qualidade.
A garotada tem escrito. E escrito muito, contrariando as previsões mais pessimistas sobre as tecnologias e as redes sociais. Se souber mais sobre a escrita, ninguém segurará esta turma.
Eu tenho sentido esta necessidade ou vontade de encontrar o meu estilo de escrita. Durante a maior parte de minha vida escrevi relatórios institucionais, trabalhos acadêmicos. Fiz alguns diários, produzi alguns artigos.
Não pretendo ser escritora, no sentido mais formal, porém, gostaria de ter uma escrita mais próxima da minha fala; tirar os ranços de relatório das minhas postagens. Quero escrever bem. E por isto sou seguidora do Acelera Texto.
Uma postagem da Bel Santos Mayer educadora social no Face:
*Fernanda Pompeu é colaboradora de Diálogos do Sul