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Blecaute na Venezuela: dossiê reconstrói ataque ao sistema elétrico

Os ataques terroristas começam a traçar um padrão de sabotagem relacionado à indústria petrolífera da Venezuela
Ricardo Pessetti
Misión Verdad
Caracas

Tradução:

Após 18 dias do primeiro ataque à hidrelétrica de Guri, no estado de Bolívar, um segundo ataque ocorreu no dia 25 de março, com início às 13h25 e afetando, pelo menos, 19 estados venezuelanos. Ao contrário do primeiro ataque, a restauração do sistema foi rápida e em menos de três horas o país já havia iniciado o restabelecimento do sistema elétrico. 

Os ataques terroristas ao sistema elétrico começam a traçar um padrão de sabotagem relacionado à indústria petrolífera da Venezuela. As ofensivas econômicas não atingem o país vizinho somente por decreto, mas com ações efetivas sobre o sistema de sustentação econômica e da vida cotidiana dos venezuelanos, que incluem uma trama maior que somente uma guerra cibernética e o uso de armas com tecnologia de ponta, mas também a utilização de explosivos para destruir as redes de distribuição de energia.

Os ataques terroristas começam a traçar um padrão de sabotagem relacionado à indústria petrolífera da Venezuela

Foto: Gaby Oráa / RMTF
Explosão dos transformadores da subestação elétrica de Terrazas del Club Hípico em Baruta | Foto: Gaby Oráa / RMTF

Nessa fase da guerra irregular, onde os planos de sabotagem se tornam mais frequentes e influenciam econômica e politicamente a Venezuela, os Estados Unidos buscam acelerar um possível cenário de guerra militar aberta. O novo ataque ao sistema ocorreu poucos dias após uma delegação militar russa pousar em solo venezuelano para instalar os antimísseis S-300, comprados por Nicolás Maduro. 

[Às 21h50 de segunda-feira, os criminosos realizaram o ataque que anunciaram, eles e seus gringos, e o presidente @NicolasMaduro já havia denunciado em várias ocasiões: vão atacar de novo o sistema elétrico para agredir a todo um povo.] 

[Aqui tem um povo, um presidente do povo, uma dignidade múltipla. Em tempo recorde o serviço elétrico está sendo recuperado, já está chegando luz a capital, em toda a noite os bombeiros combateram o fogo.] 

[Ao alcançar o pátio e as redes de transmissão, os terroristas conseguiram queimar as máquinas de geração, fazendo que a transmissão caísse e gerasse o apagão. A direita não tem limites em sua ambição e desejo de matar.] 

O preâmbulo: ameaças da intervenção e falha do “plano guaidó”

A escalada da desestabilização da Venezuela tem buscado empurrar o país vizinho para uma guerra militar aberta. Em meio a ameaças de intervenção militar, os Estados Unidos e seus aliados reconheceram Juan Guaidó como “Presidente da República”, passando por cima da Constituição Venezuelana e dos mais de 6 milhões de venezuelanos que, nas eleições nacionais de 20 de maio de 2018, elegeram Nicolás Maduro como presidente.

Nos últimos dois meses, todos os mecanismos de asfixia contra o país foram aprofundados pelo governo de Donald Trump. Assim foi com o bloqueio de 1,2 bilhões de doláres – em ouro – pertencentes à Venezuela que estavam depositados no Banco da Inglaterra e o confisco da CITGO Petroleum Corporation, uma refinaria, distribuidora e revendedora de petróleo, subsidiária da PDVSA – empresa estatal de petróleo da Venezuela – com instalações nos Estados Unidos. 

[Os atores da guerra econômica contra nossa país são ilegais, violan os direitos humanos do nosso povo, ao usá-los como refém de uma política de crueldade calculada e de ocultar os principais responsáveis do governo dos EUA e do Reino Unido. É uma violação a Carta da ONU!] 

Calcula-se que pelo menos 30 bilhões de doláres dos venezuelanos tenham sido sequestrados pelos EUA sob o pretexto de “proteger” os recursos para serem entregues ao “governo” de Juan Gauidó. 

Há também um aceleramento do cerco diplomático e comunicacional com o objetivo de isolar o país em espaços internacionais. Como aconteceu na Líbia e na Síria, que sofreram com a intervenção estadunidense, o uso da diplomacia e da propaganda como “armas de guerra” podem implicar numa mistura perigosa para a paz na região. 

No entanto, os planos para desestabilizar a Venezuela, assim como aconteceu na Líbia e Síria, foram até agora fracassados. O primeiro fracasso foi em 23 de fevereiro, dia em que, ao usar a farsa da “ajuda humanitária”, os EUA e seus aliados, incluindo o Brasil, criou um operativo para fragmentar as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) e, a partir daí, derrubar Nicolás Maduro. 

A ideia de “ajuda humanitária” foi desmascarada em poucas horas. Com o início das agressões à FANB e a queima proposital dos caminhões da suposta “ajuda” na fronteira entre Colômbia-Venezuela pelo próprios “ajudantes”, ficou evidente que a real intensão da operação era fazer com que grupos paramilitares adentrassem a Venezuela para se iniciar um cerco territorial e armado contra o governo venezuelano. 

A guerra irregular, mercenária, adquiriu, assim,
uma tonalidade visível e inegável. Apesar disso,
o governo Maduro manteve a calma e a institucionalidade
militar permaneceu coesa, desgastando e derrotando
o plano de desestabilização, a instalação do caos
e a propagação de um conflito interno.  

A partir daí, tornou-se mais perceptível o esgotamento da agenda que tentava dar um golpe de estado na Venezuela. A Bloomberg, agência de notícias do mercado financeiro, com sede em Nova York (EUA), relatou que Juan Guaidó, em estadia na Colômbia, planejava visitar as capitais europeias em busca de apoio, mas teria recebido a atribuição de autoridades do governo dos Estados Unidos para retornar à Venezuela” e aproveitar “a brecha que ainda lhe restava” para “ser preso” e criar novas reações da população e de outros países para, assim, dar legitimidade à uma intervenção militar estadunidense. 

[Segundo a Bloomberg, um grupo de paramilitares venezuelanos tentaram invadir a Venezuela no dia da “ajuda humanitária”. Os EUA proibiu a Guaidó de ir à Europa para que não perca o momento e Duque – presidente da Colômbia – cobrou Guaidó pela falta de voluntários na fronteira.] 

Ao mesmo tempo, a imprensa estadunidense noticiou que o “esgotamento do golpe era visível”, visto que a presença política de Guaidó era cara vez menor na Venezuela e no resto do mundo. A Venezuela não sucumbiu à violência. Visto que integridade política e a institucionalidade venezuelana se mantiveram alinhadas à Maduro e a possibilidade do chamado “cesse a usurpação” tinha ficado mais distante.

Enquanto isso, no Conselho de Segurança da ONU, a Venezuela ganhava folego contra as investidas dos EUA com o duplo veto de Rússia e China, votando contra o projeto de interferência estadunidense no país.

O roteiro descreve a corrida contra o tempo em que os Estados Unidos vêem empreendendo contra a Venezuela e demonstram a sua incapacidade em executar um golpe de estado por meio da pressão e da desestabilização. Com essas ações de guerra irregular, tentam não só derrubar Maduro, mas também dividir a sociedade venezuelana e, assim, abrir caminho para uma intervenção militar aberta. 

É por isso que, na Venezuela, cada vez mais é
possível perceber a tentativa de mudança de
paradigma do conflito, transformando uma
guerra irregular – de novo tipo, com tentativas
de desestabilização do governo – para uma
guerra militar aberta entre as nações.

A evolução dessa tentativa de transformação de guerra, foi o recente ataque ao sistema elétrico venezuelano. A transição de um tipo de guerra para outro, traz consigo uma outra variável para o conflito: a sabotagem em grande escala, com o objetivo maiores fraturas na segurança nacional e, consequentemente, aumentar a degradação das condições de vida da população. Esse é um ponto chave para entender a “crise humanitária” que serve como pretexto para a intervenção militar. 

Uma semana depois do ataque elétrico de 7 de março, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, afirmou que o governo estadunidense insistiria na entrada na Venezuela por meio da “ajuda humanitária”, incorporando ao discurso o elemento de “caos”, para justificar essa “ajuda”. 

O primeiro ataque ao sistema elétrico nacional: dados concretos

Em torno das cinco horas da tarde de 7 de março, caiu o sistema de fornecimento de energia em 80% do território nacional venezuelano. O apagão foi repentino e geral.

O ministro da Energia Elétrica, Luis Motta Domínguez, 
informou que o apagão se tratava de um ato sabotagem 
à principal hidrelétrica da Venezuela, Guri, no estado de 
Bolívar. O presidente Maduro, em sua primeira aparição
pública, explicou que o ataque ao sistema elétrico teria
ocorrido por meio de três modalidades.

A primeira modalidade seria o hackeamento do “computador cérebro” do sistema de controle. Esses sistemas teriam sido invadidos remotamente “deixando as telas dos computadores totalmente pretas”, explicou o presidente. No dia 11 de março, Maduro transmitiu um novo comunicado, apontando que as investigações indicavam que os ataques teriam sido realizados em Houston e Chicago, nos Estados Unidos, e que o próprio governo estadunidense estaria por trás do ciberataque. 

A segunda modalidade seria a utilização de pulsos eletromagnéticos. Os pulsos eletromagnéticos são dispositivos de guerra altamente sofisticados. Esses aparelhos, quando apontados para os sistemas de transmissão e para a plataforma de controle da hidrelétrica, geram uma sobrecarga do sistema causando a sua queda imediata. 

A terceira modalidade seria um ataque físico e direto às plataformas intermediárias de distribuição de energia. Houveram cinco ataques a quatro subestações, com intervalos curtos entre cada um dos deles, justamente nos dias em que o governo tentava estabilizar o sistema. 

Durante o ataque, a revista Forbes publicou
uma nota de Kalev Leetaru, afirmando que era
“muito realista” afirmar que o governo dos
EUA seria o responsável pelo ataque cibernético
contra o sistema elétrico venezuelano.

[Kalev Leetaru, na revista Forbes, indicou que é muito realista que os EUA estejam por trás do apagão na Venezuela. “É provável que Washington já tenha uma presença ainda mais profunda na rede nacional de infraestrutura deste país, fazendo com que seja relativamente fácil interferir em duas operações”.] 

Leetaru avançou no tema comentando que “dada a preocupação do governo estadunidense com a Venezuela, é possível que Washington já tenha uma presença ainda mais profunda na rede nacional de infraestrutura venezuelana, fazendo com que seja relativamente fácil interferir em suas operações”. 

O posicionamento do colunista na revista Forbes é muito condizente com o que ocorreu na Venezuela. A sabotagem em grande escala é um componente essencial para desgastar as autoridades venezuelanas e toda a população. 

A confirmação de que o apagão do início de março não se tratou simplesmente de um blackout provocado pela falta de manutenção do sistema, mas por conta de um ataque também chegou pela porta-voz do Ministério dos Exteriores da Rússia, María Zajárova, que afirmou que o blackout foi provocado “fora do território venezuelano por pessoas com conhecimento sobre o sistema elétrico daquele país”.

Porta-voz do Ministério do Exterior da Federação Russa, María Zajárova |
Foto: Arquivo 
 

Zajárova citou alguns dos atores com conhecimento do sistema, indicando que a operação “blackout” foi realizada em uma “ação à distância” contra o sistema de controle das principais centrais elétricas que contam, também, com equipamentos fabricados no Canadá. “O organizador direto da ação conhecia muito bem todos os algoritmos da operação e pontos vulneráveis dos equipamentos do sistema”. 

A porta-voz também disse que a responsabilidade pelas consequências do apagão, incluindo as mortes de pessoas nos hospitais deve recair sobre quem ordenou o ataque. 

Profecias, celebração nos Estados Unidos E fake news

Durante os dias de ataque, as reações de alegria e comemoração não esperaram o anúncio das principais autoridades estadunidenses que atuam na desestabilização da Venezuelana: Mike Pompeo, Secretário de Estado; John Bolton, assessor de segurança da Casa Branca e Marco Rubio, senador do partido Republicano do Estado da Flórida. 

Rubio, aliás, fez várias “profecias” do ataque, afirmando no dia 6 de março que nas próximas horas a população venezuelana sofreria “uma severa escassez de alimentos e gasolina”. Esse comentário foi feito 48 horas antes do ataque. 

O senador Marco Rubio visitou Cúcuta, cidade colombiana que faz fronteira com a Venezuela, para capitalizar politicamente a chegada da “ajuda humanitária” | Foto: Referencia  

Ao meio dia de 7 de março, durante uma audiência pública sobre a Venezuela no Subcomitê de Relações Exteriores do Senado estadunidense, o senador Marco Rubio alertou que o país iria “entrar em um período de sufocamento jamais vista na história moderna”. Esse comentário foi feito cinco horas antes da sabotagem que deixou a Venezuela sem o serviço, demonstrando que o senador já sabia do que viria a acontecer mais tarde. 

Inclusive, antes do Ministro da Comunicação da Venezuela, Jorge Rodríguez, informar à imprensa o alcance do ataque, Rubio já afirmava em seu Twitter que “os geradores já haviam falhado”. A informação privilegiada de Rubio no instante do ataque, cinco horas antes e na “profecia”, sugerem a sua vinculação ao ataque elétrico. 

Nos dia 8 e 9 de março, o senador dedicou seus
comentários para comemorar o apagão e tentar criar
a narrativa de que a queda do sistema elétrico teria

ocorrido pela “inoperância” do governo venezuelano.

Ao mesmo tempo, Juan Guaidó, que também pode ser considerado um funcionário do governo dos EUA em território venezuelano, afirmou em sua conta no Twitter que “a luz voltaria à Venezuela quando fosse cessada a usurpação”, num ato claro de extorsão contra a população da Venezuela que sofria as consequências do ataque. 

Marco Rubio e Juan Guaidó, claramente articulado com essa narrativa, compartilharam notícias falsas sobre a suposta morte de recém nascidos no Hospital Universitário de Maracaibo, no Estado de Zulia, e em outros hospitais do sistema público de saúde. Ao mesmo tempo, várias ONGs, como a Codevida, compartilhavam notícias com a confirmação de mortes, caos e perda da ordem pública no território venezuelano, criando uma imagem desproporcional e manipulada dos eventos e sustentando a narrativa da “crise humanitária”. 

[#Apagão / 296 pessoas morreram desde o dia 7 só no Hospital Universitário de #Maracaibo. Desses, 80 são recém nascidos. Enquanto isso, no Infantil JM de Los Ríos em #Caracas, há custódia militar no necrotério! Tanto crime é imperdoável! #VenezuelaSOS”.] 

ONGs como Codevida e outras, responderam as orientações de Marco Rubio, afirmando que 80 recém nascidos teriam morrido junto com outras 200 pessoas. Essa informação foi desmentida pela presidente do Colégio de Médicos do Estado de Zulia, Dianela Parra. 

[Conversei há alguns minutos com outras fonte médica que considero muito, politicamente longe do madurismo, que adverte que o número de 80 pacientes recém nascidos mortos desde o início do apagão no Hospital Universitario de Maracaibo está “longe da realidade”.] 

Entretanto, Mike Pompeo anunciava em suas redes sociais que a Venezuela estava “sem comida. Sem medicamentos. Agora, sem eletricidade. E logo, sem Maduro”, aproveitando a sabotagem elétrica para aumentar a pressão sobre Maduro, assim como fez Eliott Abrams, que disse em entrevista em uma rádio que o apagão era uma grande oportunidade para continuar a política de “mudança de regime”.

[O secretário de Estado dos EUA, @SecPompeo, tuitou que as políticas de @NicolasMaduro “só trazem escuridão”. “Sem comida, sem medicamentos. Agora, sem eletricidade. E logo, sem Maduro”, escreveu.] 

Enquanto isso, durante o apagão, John Bolton declarou que os militares venezuelanos deveriam “aceitar a anistia de Guaidó” e dar um golpe de Estado contra o presidente Maduro, em mais uma tentativa de quebrar a integridade da FANB e promover movimentos de ruptura interna no exército. 

Os dias de crise: recaídas e recomposição do sistema elétrico

O apagão coincidiu com um dia normal de trabalho para a maioria da população. O tráfego de veículos foi afetado com a falha nos semáforos de trânsito. Nas cidades que possuem transporte metroviário como Caracas – capital da Venezuela -, Los Teques, Valencia e Maracaibo, o transporte terrestre ficou sobrecarregado pela falta dos metrôs. Da mesma forma, a inoperância do sistema ferroviário que liga Valles del Tuy a Caracas, também criou uma sobrecarga no transporte rodoviário. 

O sistema telefônico também foi afetado e apenas quem estava próximo às antenas receptoras e que possuíam um sistema alternativo carregamento de baterias, conseguia se comunicar pelos celulares.  

Ainda que o governo tenha colocado em prática planos de contingência e segurança desde a primeira noite de apagão, as informações oficiais sobre a sabotagem da usina hidrelétrica coincidiu com uma intensa campanha de comunicação sobre a “instalação do caos”, principalmente nos arredores dos centros de saúde. 

Para muitas pessoas, a primeira noite foi de expectativa e de espera em casa. Na sexta-feira, 8 de março, o dia começou com a confirmação de que a sabotagem tinha sido de grande alcance, fazendo com que as aulas e os expedientes de trabalho fossem suspensos. Durante o dia, circularam notícias de que havia uma recuperação gradual e progressiva do sistema, começando pelos estados do leste da Venezuela. Ainda assim, boa parte da população passou uma segunda noite na escuridão. 

No sábado pela manhã, já com uma recuperação significativa do serviço, houve um novo apagão geral. Mais tarde se saberia que se tratava de um novo ataque. Com a falta de energia, começaram a aparecer outros problemas como a falta de gasolina, a perda de alimentos e a dificuldade na distribuição de água potável. 

O fornecimento de gasolina foi afetado na medida em que as bombas nos postos começavam a perder operacionalidade, ao mesmo tempo que o sistema bancário apresentava falhas no funcionamento, afetando as atividades comerciais. 

Os operadores políticos da oposição venezuelana,
à mando do deputado Juan Guaidó, ao invés de
assumir uma atitude colaborativa de apoio a população
para superar a crise, aproveitaram o momento para inflar
a população à “incendiar as ruas”, incentivando ações de
violência e saques de produtos nas lojas. 

O ataque cibernético contra a usina foi seguido por ataques caracterizados pelo presidente Nicolás Maduro como “operações eletromagnéticas” e, concomitantemente, por sabotagens a outras infraestruturas de apoio ao sistema, como a explosão de bombas nas subestações elétricas de Baruta e El Hatillo, causando incêndios de grandes proporções e deixando boa parte de Caracas novamente sem eletricidade. 

Explosão dos transformadores da subestação elétrica de Terrazas del Club Hípico em Baruta | Foto: Gaby Oráa / RMTF 

O ministro das Comunicações, Jorge Rodríguez, acrescentou que houveram ataques aos sistemas das centrais termoelétricas de Tacoa, localizada em Vargas. Foram cortados os cabos de gás que abastecem a estação, provocando outra grande explosão e impedindo o funcionamento da distribuição de energia que aliviaria as consequências do apagão em Caracas. 

A distribuição de energia na Venezuela funciona por um sistema misto de geração: as hidrelétricas que sustentam a maioria do fornecimento do país e as termoelétricas que completam essa distribuição. Caracas, por ter uma maior concentração populacional, alimenta-se dos dois sistemas. Rodriguez explicou que “caso não ocorresse o ataque à termoelétrica, facilmente a Grande Caracas poderia ter tido sua energia alimentada por Tacoa”. Outras explosões de transformadores foram registradas no interior do país, afetando toda a região oeste. 

As consequências do apagão e o chamado à violência de Guaidó

 As conseqüências imediatas da queda dos sistemas elétricos e subsistemas se espalharam de maneira diferente pelo país. Meios de comunicação como o El Universal e El Correo del Orinoco divulgaram um grande colapso no tráfego da capital, uma vez que a queda de energia ocorreu no horário de pico. As operações do Metrô de Caracas foram interrompidas e a população teve que se deslocar a pé ou por outros meios para chegar em casa.  

A queda da energia afetou também o sistema de pagamento eletrônico, impedindo o funcionamento das máquinas de cartão de crédito e débito, gerando sérias complicações para os consumidores em todo o país. 

Também foram afetadas a refrigeração das carnes e das hortaliças. A Federação Nacional da Pecuária informou a perda de duas toneladas de carne nos matadouros e frigoríficos. Em suas casas, muitas famílias preferiram fazer churrasco para consumir esses alimentos o mais rápido possível. 

Nas cidades que atingem altas temperaturas os problemas foram maiores. Em Maracaibo, onde o uso de ar-condicionado é habitual, os incômodos foram superiores que em outras localidades. O serviço de água foi afetado e povoados que dependem de bombas hidráulicas para o seu consumo ficaram desabastecidas. 

O serviço de internet também parou de funcionar em todo o país. Os servidores CANTV, ABA, Movilnet, Digitel e Movistar, que dependem de antenas transmissoras com carregamento de baterias, viram cair progressivamente o seu sinal. Os serviços de internet à cabo também foram afetados, gerando falhas nas plataformas via satélite como a da DirecTV. Famílias e comércios com geradores próprios puderam continuaram a acessar os serviços de comunicação da TV nacional e de outros países via satélite. 

Em muitas cidades o sinal de rádio e da televisão aberta também tiveram queda. Muitas emissoras não possuem geradores próprios e as que possuem esgotaram o combustível que faz os geradores funcionarem. O apagão não foi somente elétrico, mas também de informação e de comunicação, tendo em vista que muitas da emissoras que não saíram do ar colocaram músicas aleatórias e não se sentiram obrigadas a informar a população do que estava acontecendo. 

A queda dos sistemas de comunicação e rádio serviram de pretexto para que em várias regiões do país, especialmente a região andina, fosse criado um clima de incerteza e desinformação, um elemento adicional às variáveis de uma guerra de novo tipo, irregular: a guerra psicológica. Os rumores, as notícias falsas e as distorções sobre o que realmente estava em jogo durante o apagão, levaram parte da população à reações extremas, de nervosismo e, às vezes, de violência. 

No estado de Zulia, há relatos de saques em depósitos da empresa Polar. Cerveja, refrigerantes, sucos e outras bebidas foram roubados. Juan Guaidó, em sua conta no Twitter, justificou os saques dizendo que “a fome” guiava essas ações. 

As filas para comprar gasolina foram vistas em lugares incomuns e a mobilidade da população foi seriamente prejudicada. Um dos motivos é que grande parte do combustível que estavam nos postos foram utilizado para alimentar usinas elétricas, faltando gasolina nas bombas. A profecia de Marco Rubio sobre o colapso da gasolina e dos alimentos começava a entrar em vigor. No entanto, intensificou-se o fornecimento de combustível pelas unidades de distribuição da PDVSA, diminuindo os impactos e normalizando o deslocamento das pessoas e dos alimentos até os comércios. 

Em outras cidades, houveram relatos de barricadas e fechamento de rodovias. Os pronunciamentos de Juan Guaidó para que a população realizasse saques e atos violentos para tentar alastrar o caos foi largamente rejeitado pela maioria das pessoas, que preferiram ficar em suas casas. 

No domingo, as informações oficias e o
restabelecimento parcial do fornecimento
de energia em várias cidades contribuíram
para a volta de uma “quase normalidade”.
Já circulavam na televisão e no WhatsApp
a recuperação instantânea do sistema.

Na segunda-feira, o presidente Nicolás Maduro informou quais foram as ações da FANB para inibir o apagão. O presidente instruiu os militares a levar combustível para as unidades de saúde nas áreas mais afetadas e comunicou o retorno progressivo das plataformas de comunicação e outros serviços que dependem do sistema elétrico, como os metrôs e ferrovias. Maduro comentou que era o governo bolivariano e não “outro governo”, que tinha o uso efetivo do poder e da administração para assumir as tarefas de normalizar a vida cotidiana da população. O objetivo do ataque que previa uma fragmentação da sociedade e um “enorme” sofrimento à população não foi cumprido. O retorno a normalidade em quase todo o território nacional veio na terça-feira. 

7 de março, no metrô Bellas Artes, algumas pessoas tentam, sem sucesso, criar um protesto contra o presidente Nicolás Maduro | Foto: Rosana Silva 

A derrota do ataque elétrico, disse Maduro, significou um dos eventos mais importantes da história do governo bolivariano e lembrou que a população foi vítima de um atentado terrorista que tinha como intensão sufocar a governabilidade, a estabilidade política e a coesão social. 

A reação da população: o trabalho conjunto entre povo e governo

A magnitude do ataque elétrico provocou um colapso total no país, materializando o “estado falido” que a oposição nacional e internacional acusa ser o governo Maduro responsável para, assim, justificar uma agressão militar direta. Se não fosse pela rápida mobilização do governo para estabilizar a situação e o ânimo dos venezuelanos para enfrentar os problemas e construir soluções criativas, talvez a “falência” teria se concretizado. 

Os testemunhos de solidariedade correram pelo
país. Em todo o território nacional, foi possível
vencer a angústia 
e estabelecer planos rápidos
para atender 
as necessidades básicas do povo.

Nas comunidades e bairros, as pessoas se juntaram para preparar refeições em conjunto e recolher lenha para o seu preparo, já que o fornecimento de gás estava interrompido. Realizam uma varredura e localizaram áreas que poderiam ter água potável para o seu consumo e para a limpeza pessoal. Disponibilizaram carros para o transporte de pessoas doentes e em estado de emergência e telefones celulares foram compartilhados para que as pessoas pudessem falar com seus familiares.

8 de março, Praça Bolívar. Mulheres se reúnem para comemorar o Dia Internacional das Mulheres e mostrar apoio ao governo | Foto: Rosana Silva É importante destacar o trabalho prévio dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), que garantem a distribuição das cestas básicas, todo mês, para 4 milhões de famílias. Durante o ataque, o trabalho de distribuição de alimentos e de gás doméstico foi mantido, ainda que se apresentasse dificuldades. 

Os líderes do CLAP possuem uma caracterização precisa da população que atendem: número de habitantes, quantidade de crianças e recém-nascidos, doentes, quantidade de alimentos, se há acesso a água potável e gás para todas as famílias. O trabalho dos CLAP serviu também de suporte para criar um mapa das regiões que foram mais prejudicadas. Dessa maneira, o governo pode reduzir os efeitos da falta de energia elétrica.  

A organização popular da CLAP foi chave para atender as demandas da população | Foto: Arquivo 

Estabilização definitiva, contenção de dados e o retorno à normalidade

72 horas depois do atentado, a cidade de Caracas havia recuperado o fornecimento de energia em quase todas as regiões. A movimentação, a partir daí, concentrou-se em criar uma campanha de uso consciente dos equipamentos eletrônicos para ajudar o processo de recuperação total do país.

População em Caracas vive normalmente após o restabelecimento da energia elétrica | Foto: Referencia 

Nas redes sociais, foram compartilhadas notícias de que as pessoas não estavam recebendo nenhum auxílio para diminuir os efeitos do apagão, mostrando imagens de pessoas que estariam buscando água no rio Guaire, um afluente poluído e não indicado para o consumo. Um repórter da CatiaTV foi até lá e demonstrou que se tratava de uma notícia falsa. 

O balanço oficial apresentado pelo ministro Jorge Rodríguez 
era favorável, apesar de o ataque causar um prejuízo 
de 877 milhões de dólares para a nação venezuelana.

A Federação Nacional dos Pecuaristas da Venezuela (Fedenaga) registrou que o custo do apagão foi de 1,4 milhão de dólares. Uma tonelada de queijo e 900 mil quilos de carne estragaram por falta de refrigeração. Outros 6 milhões de litros de leite azedaram até a recuperação completa da eletricidade.  

A empresa Ecoanalítica assegurou que as perdas para o país chegam a 875 milhões de dólares, representando quase 100 milhões de dólares por dia de apagão e redução de 1% do PIB da Venezuela. 

O esforço da população venezuelana e do governo, garantiram uma resposta efetiva ao ataque. Uma semana depois do seu fim, as atividades comerciais públicas e privadas, as aulas e a produção industrial já haviam sido recuperadas. Nas ruas, as pessoas relatavam a experiência e a agonia de sobreviver em um cenário de um país em guerra, sem bombas.

* Traduzido por Conflitos.com


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Ricardo Pessetti

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