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Atualizada em 03.fev, às 18h05
“É um ato lamentável contra os direitos humanos em apologia a crimes de lesa-humanidade” diz historiadora
Por Rute Pina, no Brasil de Fato
Um grupo de extrema direita quer celebrar, no carnaval paulistano, as torturas da ditadura militar. A convocação para o bloco “Porão do Dops” traz a imagem do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. A juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição, da 39ª Vara Cível de São Paulo, liberou, neste sábado (3), o desfile do bloco, negando o pedido anterior feito pelo Ministério Público.
Ana Paula Brito, doutoranda em História Social pela PUC, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ressalta a simbologia por trás da homenagem ao torturador: “Quando se completam 10 anos que a Justiça reconheceu oficialmente o primeiro militar como torturador da ditadura, grupos da sociedade civil empreendem um ato lamentável, uma concentração lamentável contra os direitos humanos em apologia a crimes de lesa-humanidade”.
O bloco “Porão do Dops” se refere ao Departamento de Ordem Política e Social criado em 1924 com o objetivo de controlar e reprimir movimentos políticos e sociais. No local, centenas de militantes foram presos e torturados entre 1964 e 1985.
Maurice Politi, um dos presos políticos encaminhados ao Dops nos anos 1970 é advogado e ex-militante da ALN, a Ação Libertadora Nacional. Ele considera uma afronta a existência de um bloco como este: “Todos aqueles que passaram pelas torturas na época da ditadura naturalmente se sentem ofendidos por essa ação porque ela não toma em conta todo o sofrimento que a ditadura causou aos brasileiros e brasileiras lutaram contra ela”.
Na imagem de divulgação do evento, os organizadores estampam a figura de Carlos Brilhante Ustra — coronel que comandou o DOI-Codi, um dos centros de detenção que mais matou e torturou durante a ditadura militar.
Politi considera que a ação do coletivo Direita São Paulo ocorre no atual momento político do país porque as pessoas se sentem mais à vontade de se manifestarem a favor da ditadura hoje do que, por exemplo, há quatro anos. “A gente está em um período de retrocesso geral na área de direitos humanos, basta ver os pronunciamentos do [Jair] Bolsonaro e de outras pessoas que se manifestam publicamente a favor de um resgate de um período histórico em que eles nem eram nascidos.
A coordenadora do Memorial da Resistência de São Paulo, Marília Bonas, incentiva as pessoas denunciaram o evento nas redes sociais. O museu está instalado no local onde funcionava o Dops e se dedica à preservação de referências de resistência e da repressão política. “O que a gente vê é a memória com a qual a gente trabalha sendo alvo de chacota e de uma relativização, por fins políticos, dessa história tão grave que a gente preserva”, lamenta.
Ela diz ainda que o que ocorreu na ditadura não pode ser partidarizado: “Além das 434 vítimas, a gente sabe que o número de pessoas impactadas pela ditadura no brasil foi muito maior, se pensarmos em camponeses, indígenas… A gente entende que essa é uma memória em disputa por questões políticas”
Processo
Na segunda-feira (15), entidades em defesa dos direitos humanos vão protocolar uma petição para que o MPF, o Ministério Público Federal, se pronuncie diante do caso.
A iniciativa da petição é do Núcleo de Preservação da Memória Política e de organizações como o grupo Tortura Nunca Mais e o comitê Memória, Verdade e Justiça.
Além disso, o gabinete da vereadora Sâmia Bonfim, do Psol, estuda como entrar na Justiça contra os organizadores do evento para impedir a saída do bloco. O coletivo Direita Brasil cogitou marcar a concentração em frente à casa da vereadora.
Histórico
O grupo Direita São Paulo também tentou lançar o bloco Porão do Dops no ano passado, mas foi impedido por uma ação civil pública realizada pelo Núcleo de Preservação da Memória Política.
Ana Paula Brito, que integra a diretoria do núcleo, lembra que a iniciativa do Direita São Paulo constitui um crime: “Identificamos uma série de discurso de ódio, apologia à ditadura e à tortura, que é crime federal. Mensagens onde a barbárie vencia todo tipo de humanidade e respeito aos direitos humanos”, lembra.
Após as críticas e reações na Justiça no ano passado, a página no Facebook foi cancelada e o MPF passou a investigar os perfis e comentários extremistas na rede social.
Em conversa telefônica com o Brasil de Fato, a assessoria da Secretaria Municipal de Prefeituras Regionais afirmou que nenhum dos 509 blocos cadastrados no carnaval de Rua de São Paulo neste ano ferem direitos humanos.
A pasta, que é responsável pela administração dos blocos de carnaval, disse ainda que a punição para casos que violem direitos humanos é de competência do MPF e informou que o bloco Porão do Dops não está cadastrado na programação oficial. Questionada, a assessoria não soube informar qual o procedimento para os grupos carnavalescos não oficiais que desfilem pela capital.
Edição: Vanessa Martina Silva