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ToggleAs ameaças na Amazônia resultantes de ações e afirmações do atual governo brasileiro e dos seus apoiadores ruralistas foram detalhadas na prestigiada revista científica Environmental Conservation em um trabalho publicado em 24 de julho, assim possibilitando a sua divulgação na Amazônia Real. Segue a tradução em português do texto original. Uma versão em Português do material suplementar que acompanha o artigo original está disponível aqui
Jair Bolsonaro, que assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2019 como o novo presidente do Brasil, tomou medidas e fez promessas que ameaçam a floresta amazônica brasileira e os povos tradicionais que a habitam. Os ruralistas, nomeadamente os grandes proprietários de terras e os seus representantes, que são uma parte fundamental da base política do novo presidente [1], estão a avançar uma agenda com impactos ambientais que se estendem a todo o mundo. Nosso objetivo neste comentário (incluindo seu material suplementar) é resumir esta agenda, eventos recentes que ameaçam a Amazônia e seus povos, e algumas das possíveis respostas a esses desafios.
Os biomas Mata Atlântica e Cerrado do Brasil agora foram quase totalmente absorvidos pelo agronegócio, com apenas 8 a 11% remanescentes da Mata Atlântica e 19 a 20% do Cerrado ([2] e material suplementar). Isso faz com que os ruralistas voltem seus olhos para a floresta Amazônica, ameaçando a biodiversidade e os povos tradicionais da região, bem como o clima regional e global [3].
Durante sua campanha, Jair Bolsonaro prometeu abolir o Ministério do Meio Ambiente e passar suas funções para o Ministério da Agricultura (ver mais aqui). Logo após a eleição, influentes ruralistas convenceram o novo presidente a não extinguir o Ministério do Meio Ambiente porque tal medida poderia induzir restrições às exportações brasileiras. Em vez de abolir completamente o ministério, o presidente Bolsonaro transferiu o setor de controle de desmatamento do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura, que também é dirigido por um ruralista. O setor que trata das mudanças climáticas foi abolido e suas funções remanescentes foram transferidas para o Ministério da Agricultura.
Foto: Alan Santos/PR
O presidente Jair Bolsonaro junto com um grupo de indígenas em Manaus, na semana passada
Ricardo Salles
O presidente Bolsonaro nomeou como ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, um ruralista que foi secretário de Meio Ambiente do estado de São Paulo, onde ele essencialmente desmantelou e neutralizou a agência [4-6]. Em 19 de dezembro de 2018, ele foi condenado por alteração “maliciosa” dos mapas de zoneamento de uma área de proteção ambiental. Salles sustenta que a mudança climática observada pode ser totalmente natural e rejeita toda discussão sobre o aquecimento global como “inócua”.
O presidente Bolsonaro afirmou repetidamente seu desejo de enfraquecer o licenciamento ambiental [7] e prometeu remover a autoridade de licenciamento do IBAMA, a agência ambiental federal que faz parte do Ministério do Meio Ambiente [8] Controles ambientais mais fracos provavelmente levarão a novos desastres, como as rupturas da barragem de rejeitos das minas de Mariana e Brumadinho (ver material suplementar). O governo também retirou de seus postos os superintendentes do IBAMA em 21 dos 27 estados do Brasil. O Ministério do Meio Ambiente planeja estabelecer um “núcleo” dentro do ministério para revisar e modificar ou anular multas emitidas pelo IBAMA.
Sob a atual administração, o IBAMA teve o menor desempenho em sua história. O IBAMA agora frequentemente avisa com antecedência de onde vai realizar inspeções de desmatamento ilegal, o que levou a nenhuma punição dos infratores, apesar de 95% do desmatamento ocorrido nos três primeiros meses da administração presidencial ser ilegal [2]. As taxas de desmatamento subiram, com a taxa em junho de 2019 (o primeiro mês da nova estação seca na nova presidência) subindo 88% em relação à taxa de 2018 no mesmo mês [9].
Ricardo Salles tem tentado perverter o Fundo Amazônia para indenizar o desmatamento pelo qual Salles concedeu anistia. O presidente Bolsonaro e sua ministra da Agricultura Tereza Cristina Dias propõem flexibilizar o código florestal, incluindo a extensão dos prazos para a recuperação ambiental e a alteração da data limite para exigir que os proprietários restaurem a vegetação natural em áreas que desmataram ilegalmente em suas áreas de proteção permanente e reservas legais. O resultado seria que muitos escapam de qualquer consequência por violações passadas.
O novo presidente afirmou que nem um único centímetro de terra será demarcado para os povos indígenas e que tanto as “unidades de conservação” (áreas protegidas para ecossistemas naturais) quanto as terras indígenas devem estar abertas à agricultura e à mineração. Isso é apoiado por legisladores ruralistas, que promovem o que é conhecido como a “agenda da morte”. Isso inclui suspender a listagem oficial de espécies ameaçadas, rescindir a restrição à caça de animais silvestres, flexibilizar o licenciamento ambiental, enfraquecer agências ambientais e reguladoras, promover grandes projetos de infraestrutura como estradas e barragens na Amazônia e permitir o uso de pesticidas proibidos em muitos países (veja material suplementar).
Bolsonaro nega a existência de mudanças climáticas antropogênicas [10] e escolheu um ministro de relações exteriores que considera o aquecimento global uma “invenção da ideologia marxista”. Um dos seus primeiros atos como ministro foi abolir os setores do ministério que lidam com a mudança climática e com o meio ambiente. As ações do presidente Bolsonaro e seus ministros favorecem a expansão das monoculturas e da pecuária na Amazônia. Uma consequência esperada desse desmatamento é diminuir as chuvas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil e em países vizinhos, como a Argentina (por exemplo, [11]). O abastecimento doméstico de água em estados densamente povoados como São Paulo e Minas Gerais seria afetado, assim como a geração de energia hidrelétrica e a agricultura, incluindo a produção de biocombustíveis [12].
O carbono liberado pelo desmatamento da Amazônia contribui para as mudanças climáticas em todo o mundo [13]. Uma alteração considerável na composição da vegetação amazônica já ocorreu devido a mudanças climáticas [14]. A Amazônia está próxima do limite de desmatamento que pode ser tolerado pelos ecossistemas da região [15]. Vários estudos mostraram a importância das unidades de conservação e terras indígenas do Brasil para a manutenção da floresta Amazônica (por exemplo, [16-22]). Essas florestas fornecem serviços ambientais, como o fornecimento de vapor de água que cai como chuva em outras partes do Brasil [11, 23-25]
Os ruralistas frequentemente (mas falsamente) alegam que as terras indígenas do Brasil foram criadas devido à influência de organizações não-governamentais internacionais que são frentes de governos estrangeiros que supostamente conspiram para impedir o crescimento do agronegócio brasileiro e, assim, evitar a concorrência. Terras indígenas são fatores-chave na conservação por causa da grande área que protegem – cerca de 20% da Amazônia Legal brasileira. Bolsonaro transferiu a responsabilidade pela demarcação das terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Agricultura, onde essa responsabilidade é atribuída a um setor liderado por um ruralista.
O Congresso Nacional aprovou uma medida revertendo essa ação, mas o presidente Bolsonaro já a contestou por agora, emitindo uma “medida provisória”, cuja validade aguarda uma decisão final da Suprema Corte. O que resta da FUNAI foi transferido do Ministério da Justiça para um novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que é chefiado por outro ministro controverso (ver material suplementar).
Atos de vandalismo e ataques a agências ambientais e indígenas por parte de madeireiros, garimpeiros e ruralistas aumentaram significativamente em toda a Amazônia desde a eleição de Bolsonaro, e esses incidentes frequentemente mostram uma conexão com o discurso do novo presidente. Em um caso, madeireiros transportando cartazes pró-Bolsonaro forçaram os inspetores do IBAMA a fugir de uma cidade no estado do Amazonas. Em outro caso, os grileiros invadiram a terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau, no estado de Rondônia. Esses grileiros ameaçaram matar as crianças de Uru-Eu-Wau-Wau se a tribo tentasse recuperar suas terras, e afirmou que os nativos não teriam mais direito a nada agora que Bolsonaro havia vencido as eleições.
A “agenda da morte” inclui a abolição das reservas legais e a abertura de unidades de conservação e terras indígenas à mineração, agricultura e pecuária. Bloquear a demarcação de terras indígenas e rotular os movimentos sociais como “terroristas” tendem a inflar os conflitos de terra na Amazônia, ameaçando os povos tradicionais. As ações atualmente propostas pelo novo presidente e seus apoiadores ruralistas impactariam florestas, biodiversidade e povos tradicionais, incluindo povos indígenas, membros de quilombos e ribeirinhos. A liberação de dúzias de novos agrotóxicos pelo governo presidencial já coloca em risco o meio ambiente, os trabalhadores agrícolas e os consumidores nacionais e internacionais.
Entidades financiadoras devem começar a avaliar o risco de investimento em projetos que causam desmatamento e conflitos de terra, contribuindo assim para o aquecimento global e para a violação dos direitos humanos. As mesmas preocupações se aplicam a empresas e países que importam soja, carne e minerais brasileiros. As responsabilidades dos vários atores internacionais serão um assunto crítico no debate, conforme a história se desenrola na Amazônia brasileira nos próximos quatro anos.[26]
Notas
[1] Sassine V (2018) Ruralista vai cuidar de demarcação de terras indígenas e licença ambiental no governo Bolsonaro. O Globo, 18 de dezembro de 2018. [2] MapBiomas (2019) Map Biomas Alerta. http://plataforma.alerta.mapbiomas.org/ [3] Fearnside PM (2017) Deforestation of the Brazilian Amazon. In: Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. ed. H Shugart, New York, EUA: Oxford University Press. [4] Guerra R, Ribeiro A (2018) Indicado para Meio Ambiente foi denunciado pelo MP por improbidade administrativa. O Globo, 09 de dezembro de 2018. [5] Rodrigues S (2018) Ricardo Salles foi condenado por fraude em plano de manejo. OEco, 20 de dezembro de 2018. [6] Rodrigues S (2019) “Esse governo é de vocês”, diz Bolsonaro a Ruralistas. OEco, 04 de julho de 2019. [7] Fearnside PM (2018) Why Brazil’s new president poses an unprecedented threat to the Amazon. Yale Environment 360, 08 de novembro de 2018. [8] Soterroni AC, Mosnier A, Carvalho AXY, Câmara G, Obersteiner M, Andrade PR, Souza RC et al. (2018) Future environmental and agricultural impacts of Brazil’s Forest Code. Environmental Research Letters 13: art. [9] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). (2019) Alertas do DETER na Amazônia em junho somam 2.072,03 km². INPE, São José dos Campos, SP. [10] Fearnside PM (2019) Will President Bolsonaro withdraw Brazil from the Paris Agreement? Mongabay, 31 de janeiro de 2019. [11] Zemp DC, Schleussner CF, Barbosa HMJ, van der Ent RJ, Donges JF, Heinke J, Sampaio G, et al. (2014) On the importance of cascading moisture recycling in South America. Atmospheric Chemistry and Physics 14: 13,337–13,359. [12] Ferrante L, Fearnside PM (2018) Amazon sugarcane: A threat to the forest. Science 359: 1472. [13] IPCC (2014) Climate Change 2014: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. Part B: Regional Aspects. Contribution of Working Group II to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. eds. VR Barros, CB Field, DJ Dokken, MD Mastrandrea, KJ Mach, TE Bilir, M Chatterjee, et al. Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 688 p. [14] Esquivel-Muelbert A, Baker TR, Dexter KG, Lewis SL, Brienen RJW, Feldpausch TR, Lloyd J, et al. (2018) Compositional response of Amazon forests to climate change. Global Change Biology 25: 39-56. [15] Lovejoy TE, Nobre C (2018) Amazon tipping point. Science Advances 4: art. eaat2340. [16] Ferreira LV, Venticinque E, de Almeida SS (2005) O desmatamento na Amazônia e a importância das áreas protegidas. Estudos Avançados 19(53): 1-10. [17] Nepstad DC, Schwartzman S, Bamberger B, Santilli M, Ray D, Schlesinger P, Lefebvre P, et al. (2006) Inhibition of Amazon deforestation and fire by parks and indigenous lands. Conservation Biology 20: 65-73. [18] Vitel, CSMN, Fearnside PM, Graça PMLA (2009) Análise da inibição do desmatamento pelas áreas protegidas na parte Sudoeste do Arco de desmatamento. In: Anais XIV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Natal, Brasil 2009. eds. JCN Epiphanio, LS Galvão, pp. 6377-6384. São José dos Campos, SP: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). [19] Walker R, Moore NJ, Arima E, Perz S, Simmons C, Caldas M, Vergara D, Böhrer C (2009) Protecting the Amazon with protected areas. Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA 106: 10,582‒10,586. [20] Ricketts TH, Soares-Filho B, da Fonseca GAB, Nepstad D, Petsonk A, Anderson A, Boucher D, et al. (2010) Indigenous lands, protected areas, and slowing climate change. PLoS Biology 8: art. e1000331. [21] Soares-Filho BS, Moutinho P, Nepstad D, Anderson A, Rodrigues H, Garcia R, Dietzsch L, et al. (2010) Role of Brazilian Amazon protected areas in climate change mitigation. 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Brazil’s new president and “ruralists” threaten Amazonia’s environment, traditional peoples and the global climate. Environmental Conservation.Lucas Ferrante é biólogo e doutorando em Ecologia no estuda do impacto da mudança climática sobre biodiversidade, tendo como professor Philip Fearnside, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Na instituição fez também o mestrado em Ecologia. Formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), é pesquisador associado ao Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica (CENBAM), ao Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), e ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Serviços Ambientais da Amazônia (INCT-SERVAMB).
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 300 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.
A imagem que abre este artigo mostra o presidente Jair Bolsonaro junto com um grupo de indígenas em Manaus, na semana passada. O grupo foi liderado por Raimundo Sobrinho, que se dizia Waimiri-Atroari, e agora se diz do povo Baré. Lideranças criticaram o encontro e disseram que o grupo que recebeu Bolsonaro não representava coletivamente os indígenas do Amazonas. (Foto: Alan Santos/PR)
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