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Em pleno século XXI o Brasil insiste em fórmulas que já foram requentadas inúmeras vezes ao longo da história do país e constituem a causa do atraso cultural e do subdesenvolvimento. O que se pretende mostrar neste artigo é que, de tantos passos para trás voltamos ao tempo de D. João VI, que fugindo de Portugal implantou o reino do Brasil.Paulo Cannabrava Filho*
As commodities são os produtos primários, minerais ou vegetais que são exportados sem valor agregado. Desde os tempos coloniais os preços desses produtos são geralmente ditados pelos compradores. O permanente aviltamento dos preços tem estado entre as principais causas da permanência dos países do terceiro mundo no subdesenvolvimento. Em todos os fóruns criados para as relações internacionais essa discussão ocupa o primeiro plano.
As décadas perdidas sob a ditadura do capital financeiro devolveram o país à situação da época de D. João VI. Grande parte da indústria nacional foi liquidada. Os setores mais dinâmicos – aqueles de mais rápido retorno do capital – passaram às mãos de transnacionais, muitas delas de origem estadunidense. Pertencem a esse lucrativo setor os produtos farmacêuticos, alimentos industrializados, produtos de higiene e limpeza, bebidas.
O furacão neoliberal privatista varreu a soberania sobre os recursos naturais, os serviços básicos de eletricidade e telefonia e quase consegue desmantelar o setor bancário e a Petrobrás, sendo que esta passou a ser e se comportar como uma transnacional qualquer. Dos bancos, salvaram-se das investidas do capital estrangeiro nada mais que duas instituições privadas (Itaú-Unibanco e Bradesco) e outro tanto ou pouco mais de estatais (Banco do Brasil, Caixa, BNDEs). Passaram para mãos privadas estrangeiras instituições como os bancos dos Estados de São Paulo (Banespa, que era o 2º maior do país) e do Rio de Janeiro (Banerj, o 4º em importância).
O caso mais emblemático de alienação de patrimônio foi a venda de empresa de mineração Vale do Rio Doce, comprada com moeda podre (títulos de dívida) que incluiu as jazidas em exploração e as em prospecção, bens da nação, e que transformaram a empresa na maior exploradora de minerais de todo o mundo. De maneira ininterrupta e sem controle, os minerais saem pelos portos em fluxo contínuo alimentando estoques estratégicos na China e nos Estados Unidos. O Brasil representa 75% do comercio de mineral de ferro e apenas 2% do comércio de aço. Vende o mineral bruto e importa o aço.
Que vantagens oferecem as commodities?
Os números parecem indicar que os únicos que levam vantagem são os poucos produtores e os países que as compram a preços vis e depois vendem manufaturados com alto valor agregado. Tal qual no tempo de D. João VI, agora são os reis da soja, o rei do gado, que se enriquecem com a prática dos mesmos desmandos: ocupação predatória da terra em prejuízo dos camponeses e povos originários. Também podemos acrescentar entre os que ganham muito com isso os fabricantes de defensivos agrícolas, todos estrangeiros.
Hoje os principais produtos básicos de exportação são: café em grão, suco de laranja, açúcar bruto, açúcar refinado, folhas de tabaco e ferro mineral, do que o Brasil é o maior exportador mundial. É o segundo exportador de soja em grão, farinha de soja, óleo bruto de soja, carne bovina, álcool. O quarto em carne suína e milho; é importante exportadora também de algodão, celulose, carne de frango, petróleo bruto e óleos combustíveis.
Os produtos básicos constituem 70% das exportações brasileiras, o que já seria um absurdo se fosse por volta de 50%. Essas commodities contribuíram para 5,2% do PIB em 2012 e se estima que atingirão os 8% até 2019. Essa contribuição mal alcança para pagar os juros da dívida, o que requer um superávit primário de 5% do PIB no orçamento nacional.
Os Estados Unidos (70.360 milhões T), o Brasil (61 milhões T) e Argentina (47 milhões T) concentram mais de 80% da produção de soja em grão o que, no entanto, continua abaixo da demanda mundial por esse alimento. Os preços de venda são impostos pelos compradores, principalmente na bolsa de Chicago. Os recursos advindos são poucos, além de gerar poucos empregos, pois as grandes “plantations” são em sua maioria mecanizadas e também alimentam um grande mercado de automóveis de luxo importados.
Outro problema são os altos custos para a produção da soja, bem como de todos os demais produtos do agronegócio, por causa da ausência de uma infra-estrutura adequada que torne os preços mais competitivos. É preciso mencionar a péssima qualidade das estradas, a ausência de transporte ferroviário, de vias aquáticas e de portos, o que torna a logística brasileira a mais cara do planeta.
O comércio de sementes, fertilizantes, agrotóxicos, armazenagem e o comércio interior são controlados por um conglomerado de empresas transnacionais as que, nos últimos anos, também têm se dedicado a monoculturas extensivas. Quando a quebra dos maiores bancos e financeiras do mundo tornou maior o risco para a especulação financeira, os especuladores dirigiram sua atenção para as commodities. E esse setor tornou-se mais atraente com a adoção da moda do biocombustível.
É emblemática a presença no Brasil de Jorge Soros, que havia conquistado a reputação de maior especulador do mundo e que agora dirige seus capitais para as plantações de soja e de cana para a indústria do álcool. A mesma coisa com Armínio Fraga, que foi o principal executivo de Soros e principal mentor das políticas econômica e monetária no Brasil nos tempos do Consenso de Washington, e que hoje tem uma grande empresa financeira que capta recursos para aplicar na produção e comércio de commodities.
Outro problema derivado dos investimentos dos especuladores e da moda do biocombustível é o abandono da agricultura tradicional, geralmente responsável pelo fornecimento de alimentos, o que tem provocado aumento nos preços, elevando a inflação, principalmente nos domicílios das pessoas de menor renda.
O Brasil é o campeão mundial de uso de agrotóxicos sem que isso represente um melhoramento na produtividade da agricultura. São 5.2 litros de veneno por habitante/ano, um total de 852.820 milhões de litros. Cléber Folgado, coordenador da Campanha Permanente contra o Agrotóxico e pela Vida indica também que a ocupação das terras pela agroindústria de grande porte agravou a segurança alimentar da população. São 25.5 milhões de pessoas que vivem hoje sob risco alimentar entre moderado e grave.
Além do mais, o modelo coloca o país em permanente situação de risco: risco de falência, de recessão, de inflação, de extrema desnacionalização e dependência externa e as conseqüências sociais que disso advêm. O crescimento do PIB depende de condições externas. Os preços elevados dos produtos primários de hoje podem cair vertiginosamente amanhã. Segundo estudos realizados por Giovanna Siniscalchi, economista do Itaú-Unibanco, una queda de 1% no PIB da China provoca uma baixa de 5.3% nos preços das commodities. Por outro lado, o fluxo de capitais estrangeiros pode desaparecer em virtude da crise nos países de origem ou simplesmente por encontrar lugares mais lucrativos para seus investimentos.
O economista chileno Gabriel Palma, professor da Universidade de Cambridge na Grã Bretanha, no seminário internacional Latin America Advanced Programme on Rethinking Macro and Development Economics (Laporde), promovido por essa universidade e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), advertiu que a desindustrialização que o Brasil está promovendo “é inconcebível” e esclarece:
“Em 1980, o parque industrial brasileiro era maior que a soma dos da Tailândia, Malásia, Coréia do Sul e China. Em 2010, a indústria brasileira representava pouco menos de 15% do que esses países somados produziram. Construir tudo o que construíram e depois destruir em tão pouco tempo é um ato de vandalismo econômico sem igual”.Concretamente, dados do IPEA indicam que a participação da indústria no PIB que era de 35% em 1985 caiu para cerca de 15% em 2009.
E isso seguramente não acontece por falta de conhecimento em um país que tem a Embraer, lança mísseis e satélites, mas sim por falta de vontade política. Palma reconhece que os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff perderam uma oportunidade histórica, dada pela crise mundial iniciada em 2008, de desenvolver a indústria nacional. “O Brasil cresce sobre bases que o governo não controla, como o fluxo de capitais externos e os preços das commodities. Quando isso mudar de mãos, o Brasil terá sérios problemas”, disse.
Para Palma a saída correta será “produzir uma boa política industrial e não esses planos paliativos que o governo brasileiro está habituado a lançar”. As estimativas de crescimento do PIB para 2013 não apontam nada diferente do que em 2012, 2011 (2,7%), 2010. Ínfimo quando se considera que o país necessita de taxas superiores a 6% para que se possa oferecer emprego às novas gerações que estão batendo às portas do mercado de trabalho.
Nada parece estar programado para mudar em 2013. Basta ver o orçamento da nação já aprovado.
Leia a primeira reportagem desta série: Cinco passos para frente, oito para trás – parte I
*Paulo Cannabrava Filho é jornalista, editor de Diálogos do Sul.