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Brasil pandêmico: Amazonas e Pará registram quatro casos em indígenas venezuelanos

Em Manaus, o paciente mais jovem é um bebê de dois meses e o resultado do diagnóstico demorou 11 dias para sair. Um homem Warao morreu
Izabel Santos
Amazônia Real
Manaus

Tradução:

Os Estados do Amazonas e Pará anunciaram as primeiras notificações do novo coronavírus em migrantes venezuelanos da etnia Warao. Nesta quarta-feira (16), em Belém morreu um homem, de 64 anos, durante o tratamento da Covid-19 no hospital municipal de retaguarda Dom Vicente Zico. Mais duas pessoas estão com o vírus, mas no isolamento. Em Manaus, um bebê de dois meses foi infectado e está internado no Hospital e Pronto Socorro Delphina Aziz, na zona norte da capital amazonense. Seu estado de saúde é estável.

A morte do indígena Warao foi comunicada em live na internet pelo prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho (PSDB). “Nós tivemos mais dois casos de coronavírus entre os venezuelanos warao. A PMB (Prefeitura Municipal de Belém) está transferindo cerca de 50 pessoas, para deixar o grupo que teve contato em isolamento. Para preservar eles e outras pessoas”, disse o prefeito.

O bebê Warao nasceu no dia 28 de janeiro, em Manaus. Ele, sua mãe, o pai e mais seis irmãos viviam em um abrigo com mais de 500 migrantes alojados, na zona norte da capital amazonense. O primeiro sintoma apresentado foi um resfriado no dia 2 de abril, quando o recém-nascido foi internado no Hospital Pronto Socorro da Criança, no bairro compensa, na zona oeste de Manaus. O teste, que confirmou o novo coronavírus, saiu no dia 13 de abril, portando 11 dias após a internação hospitalar.

Após a confirmação do caso, o bebê foi transferido na madrugada de terça-feira (14) para o Hospital e Pronto Socorro Delphina Aziz, na zona norte da cidade, que é a unidade de referência para o tratamento de Covid-19 no estado. O pai da criança, que está em isolamento, e os outros filhos foram realojados em um novo abrigo, na zona oeste da cidade.

A Prefeitura de Manaus, que divulgou o caso à imprensa, não informou por que o teste para o novo coronavírus no bebê demorou 11 dias para sair. Em comunicado, disse que “como o hospital [Hospital da Criança] só acusou o teste para Covid-19 após 11 dias, da indígena ter dado entrada na unidade, não é possível confirmar se a infecção foi no hospital ou no abrigo onde a família morava”.

Testes para o novo coronavírus são realizados pelo Laboratório Central de Saúde (Lacen), ligado à Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do Amazonas, que libera os resultados em cerca de 24 horas.

A diretora presidente da FVS, Rosemary Pinto, justificou a demora no diagnóstico do bebê Warao. Ela disse que a suspeita surgiu após investigação do Hospital Pronto Socorro da Criança da Zona Oeste. “Como é uma criança indígena, ela tem várias patologias. Essa criança ficou internada um tempo até que os médicos aventassem a possibilidade da hipótese diagnóstica de Covid-19. No momento em que a criança foi identificada com essa possibilidade, o Lacen foi acionado, a coleta foi feita e o diagnóstico foi dado. Esse tempo de 11 dias foi o tempo que a unidade [hospitalar], entre tantas patologias apresentadas, suspeitasse de Covid-19”, disse a diretora.

No Amazonas, segundo o Ministério da Saúde, é o estado da região norte com mais casos do novo coronavírus na população: foram 1.719 diagnósticos confirmados até esta quarta-feira (16) e 124 mortes. No estado do Pará, são 438 casos confirmados e 24 mortes.

Em Manaus, o paciente mais jovem é um bebê de dois meses e o resultado do diagnóstico demorou 11 dias para sair. Um homem Warao morreu

Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real
Os povos Warao buscam apoio nas ruas de Manaus

Do Delta do Orinoco à Amazônia

Os indígenas Warao são da região do Delta do Orinoco, no norte da Venezuela, e se deslocaram para o Brasil a partir do ano de 2014, em busca refúgio, alimentos, medicamentos e uma vida melhor após a intensificação da crise política e econômica no país vizinho.  

Na fronteira da cidade venezuelana de Santa Elena do Uairén eles ingressaram pela brasileira Pacaraima, em Roraima. Há seis anos chegaram em Boa Vista, mas encontraram muito preconceito e xenofobia, sendo deportados pela Polícia Federal.

Indígenas venezuelanos da Warao em abrigados da Igreja Católica, em Manaus
(Foto:Alberto César Araújo/Amazônia Real/2019)

Em Manaus, a migração do Warao iniciou em 2017. A maioria se abrigou no entorno da Rodoviária de Manaus, em barracas improvisadas com papel ou plástico. Depois, seguiram para Belém e Santarém, no Pará. Atualmente estão em estados do Nordeste, como Ceará e Maranhão.

Após recomendações do Ministério Público Federal é que as prefeituras começam a abrigá-los de forma humanitária em parceria com direitos humanos e dos direitos dos migrantes.

A família do bebê Warao infectado pelo novo coronavírus está em Manaus desde outubro do ano passado. Eles são do município de Tucupita, localizado no estado de Delta Amacuro, na Venezuela. A mãe, que estava grávida na viagem de Boa Vista (RR) à capital amazonense, deu à luz ao sexto filho.

“Temos medo da comida acabar”

Migrantes venezuelanos no centro de acolhimento da rodoviária de Manaus
(Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

A agência Amazônia Real conversou por telefone com a liderança Warao, José Lisardo Moradela, que mora no abrigo onde o bebê com Covid-19 e sua família moravam.  Ele disse que está preocupação com a pandemia do novo coronavírus, em Manaus. Disse que após o caso da doença na criança, mais de 200 indígenas venezuelanos foram transferidos para outros espaços pela Prefeitura de Manaus, restando cerca de 300 pessoas no abrigo. O que demonstra que as autoridades demoraram para realizar um plano de contingência da pandemia para os migrantes.

No lugar, segundo Moradela, as condições de higiene são precárias.  “Estamos sem água na torneira porque a bomba d’água quebrou”, disse Moradela. O abrigo fica na zona norte da cidade.

No momento, para terem água, os indígenas Warao contam com o apoio de vizinhos. “Um irmão brasileiro, que mora aqui em frente, nos dá água”, disse Moradela.

O líder Warao José Lisardo Moradela disse também que está preocupado com a situação dos Warao durante a pandemia em Manaus. “Todas as famílias que estão aqui, precisam de máscaras. Além disso, estamos sem dinheiro. Aqui mora muita gente, temos medo da comida acabar”, afirmou.

A situação do abrigo dos Warao foi denunciada ao Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas em 20 de março. O órgão determinou que medidas de limpeza como a distribuição de kits de higiene e visitas domiciliares fossem realizadas pela Prefeitura de Manaus e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

O que dizem as autoridades?

Bebê com a mãe Warao, em abrigo de Belém (Foto: Roberta Brandão/Amazônia Real) 

A Secretaria Municipal de Saúde de Belém (PA) informa, por meio de nota, que a equipe do Consultório na Rua tem feito avaliações de saúde da população de indígenas Warao e orienta os migrantes quanto as medidas de proteção, de acordo com o Plano de Contingência do município.

A Semas disse que os dois indígenas, que testaram para o novo coronavírus, estão no isolamento sem a necessidade de internação.  “A prefeitura precisou transferir 50 migrantes Warao do abrigo, onde o homem que morreu vivia. Esse grupo também está no isolamento em outro alojamento”, disse.

A Prefeitura de Manaus disse que monitora casos de sintomas gripais nos abrigos de venezuelanos e que os indígenas foram vacinados com a H1N1. “As equipes de abordagem da Semasc direcionaram o encaminhamento por famílias aos abrigos, todos transportados seguindo protocolos de higiene da Organização Mundial de Saúde (OMS) e órgãos sanitários locais, e vem realizando medidas para reduzir os riscos de transmissão do novo vírus”, diz.

Segundo a prefeitura, nos novos espaços de acolhimento os indígenas Warao recebem três refeições por dia (café, almoço e janta). “Os que continuam no abrigo[onde o bebê vivia com a família] recebem a entrega de alimentos toda semana, pois lá eles mesmos preparam suas refeições”, disse.

Os indígenas Warao moraram nas ruas de Belém, em 2019
(Foto: Roberta Brandão/Amazônia Real)

A Acnur divulgou na manhã de hoje (16) que está intensificando as ações de resposta emergencial para prevenir a Covid-19 junto às populações indígenas das etnias Warao e Eñepá, em situação de refúgio nas regiões Norte e Nordeste do país, em conjunto com autoridades estaduais e municipais e com a Operação Acolhida. As medidas “garantem abrigamento, segurança alimentar, acesso à serviços de saúde e informação de qualidade nos idiomas das etnias Warao e Eñepa”, diz a agência.

“Desde o início de março, 264 pessoas indígenas da etnia Warao foram realocadas para locais mais seguros e com melhores condições de higiene em Manaus (AM), esforços que também irão acontecer em Belém (PA). As novas instalações para indígenas estão recebendo unidades habitacionais do Acnur, e as realocações irão continuar nas próximas semanas, com projeção de beneficiar cerca de 1 mil pessoas”, disse a Acnur.

A Acnur também diz ter distribuído “cerca de 4,3 mil itens de assistência emergencial, como kits de limpeza, álcool gel, redes, colchões e redes mosqueteiras – para atender as recomendações internacionais de higiene e as necessidades específicas dessa população”.

Isolamento de migrantes

Centro de acolhimento de venezuelanos próximo a rodoviária de Manaus
(Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Muitos migrantes venezuelanos fazem parte da parcela da população que não tem a possibilidade de fazer isolamento social e de adotarem medidas de higiene recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Muitos vivem nas ruas, dividem casas com muitas pessoas, moram em abrigos ou barracas, como as que foram instaladas embaixo do viaduto da Rodoviária de Manaus.

Sandro Santos, antropólogo da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), explica que a situação dos migrantes, de maneira geral, fica ainda mais delicada por causa da pandemia. “Espaços como a Cáritas e a Pastoral do Migrante reduziram muito sua capacidade de atendimento como efeito colateral do combate à virose. Se o atendimento já era bastante limitado, agora com a suspensão dos serviços de documentação, encaminhamentos para cursos de capacitação e a redução das doações, a situação de quem está na rua, ou mesmo nos abrigos, deve ter piorado bastante”, diz.

Quem dorme em abrigos ou pernoita nas barracas da rodoviária, muitas vezes, precisa perambular pela cidade durante o dia. O antropólogo chama a atenção para a situação dos indígenas Warao. “Eles são um caso ainda mais especial, pois apresentam muita desnutrição e viajam com idosos e crianças”, destaca.

Sandro aponta para a necessidade de uma abordagem intercultural mais cuidadosa durante a pandemia. “A Covid-19, desde o ponto de vista indígena, pode ser pensada como uma ‘doença de branco’. Mas, como tantas doenças respiratórias que, historicamente promoveram grandes matanças, eles são particularmente vulneráveis às doenças respiratórias e não há xamanismo que cure doença de branco. Xamanismo cura os males previamente conhecidos”, diz.

Além disso, alguns hábitos podem facilitar a transmissão da doença, como compartilhar utensílios, tipo copos, talheres e cuias. Ademais, o hábito de pedir dinheiro na rua, que é considerado um trabalho para os Warao. “Faz parte da dinâmica diária, sobretudo das mulheres, sair para arrecadar dinheiro. Seja para onde for que levem essas pessoas, não vão aceitar ficar parados em casa. Esse dinheiro faz falta para eles, não só para manutenção diária aqui, mas para enviar a Venezuela”, destaca.

“Uma coisa é estar na própria comunidade, outra coisa é o indígena disperso na cidade, envolvido com a dinâmica da cidade. Os Warao já estão longe de suas casas faz algum tempo”.

Indígenas venezuelanos estão abrigados em Manaus
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/2019)

Entre os Warao acolhidos em Manaus estão professores indígenas e também agentes de saúde. Nem todos são alfabetizados, mas eles são esclarecidos porque já vivem há gerações em centros urbanos. No auge do Governo Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela, eles tinham escolas e atendimento de saúde. “Esses professores e agentes de saúde constituem as principais lideranças nesta aventura pelo Brasil, pois eles conseguem falar em espanhol e aprendem mais fácil o português”, conta.

“É importante destacar também que os venezuelanos, de forma geral, são uma população, em média, bem mais educada que a brasileira. Não creio que seja difícil para eles compreenderem a gravidade da situação. O dilema é a moradia precária e falta de acesso a recursos básicos. Agora, muitos venezuelanos estão procurando meios de retornar ao seu país. O grande atrativo de estar no Brasil era a possibilidade de trabalhar, ganhar dinheiro e comprar comida. Com as oportunidades de trabalho reduzidas por causa das medidas de supressão à Covid-19, as dificuldades econômicas estão estimulando movimentos de retorno à Venezuela”, finaliza o antropólogo Sandro Santos, da UFAM.

No abrigo indígenas Warao fazem artesanatos, em Boa Vista (RR)
(Foto: Yolanda Simone Mêne/Amazônia Real/2016)

Veja os números da pandemia no Brasil.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Izabel Santos

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