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Brasil: Quinze pitacos sobre a situação política

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Cid Benjamin*

corrupcao1) Com os atos deste domingo, a conjuntura política mudou. Seja pela dimensão muito expressiva que eles tiveram, seja pelo fortalecimento da extrema-direita dentro do bloco de oposição.

2) Não serve de nada à análise política tentar minimizar a força das manifestações com afirmações do tipo “havia poucos negros” ou “nas diretas havia menos gente, mas a população do país, na época, era menor”. Isso é tentar tapar o sol com a peneira. As manifestações de domingo foram muito expressivas. Em São Paulo, a PM de Alckmin estimou em 1,4 milhão de pessoas, número sem dúvida exagerado. O Datafolha, mais confiável, fala em meio milhão. É muita gente.

3) A espontaneidade nas ruas hoje é da direita. E, nas ruas, espontaneidade é força. Cartazes, fantasias e iniciativas individuais mostram pujança do movimento. Hoje é a direita quem faz isso. Os atos em apoio a Dilma têm mais a cara de aparelhados, de coisa chapa-branca, com ônibus alugados e faixas preparadas por sindicatos.

4) Como a direita ganhou a hegemonia nas ruas, arrastou o centro. Nem todos os que foram às manifestações são de direita, mas esta dá a direção ao movimento. E, cada vez mais, quem faz isso é a extrema-direita.

5) É preocupante o fato de que lideres políticos da direita tenham sido hostilizados e chamados de “bundões”, enquanto Bolsonaro era festejado. Mesmo que Aécio, Alckmin e Serra tenham gordura e possam recuperar sua influência junto a essa gente, o empurrão das ruas os levará ainda mais para a direita.

6) O carimbo de “corruptos” está pregado na testa do PT e do governo Dilma. Não importa o quanto de verdadeiro isso seja (e, em certa medida, o é). O fato é que é um dado da realidade. Nas manifestações de rua, essa tem sido a principal bandeira. E, por favor, não vale culpar a mídia, que dá mais destaque à roubalheira do PT do que à dos partidos de direita. Ou não se sabia que a mídia atuaria assim? Em vez de reclamar do Jornal Nacional, os petistas deveriam se perguntar por que sempre nomearam prepostos da Globo como ministros das Comunicações e nunca se atreveram a dar qualquer passo no sentido de uma Lei de Meios.

7) A direita tem um novo ícone: Sérgio Moro. E ele aceita, de bom grado, este papel. Ou não redigiria uma nota agradecendo o apoio que recebeu dessas manifestações. Não é comportamento que se espera de um magistrado.

8) Dilma está nas cordas. Com a crise e o fim da situação que permitia ampliar os ganhos dos ricos e, ao mesmo tempo, desenvolver políticas sociais compensatórias, chegou ao fim a lua de mel do grande capital com o governo. E ele já não quer mais que Dilma se limite a assumir o programa antigo do PSDB. Quer mais. Exige ir mais longe do que as medidas do ajuste fiscal de Dilma. Deseja radicalizá-lo. Basta ver o programa “Uma ponte para o futuro”, apresentado pelo PMDB, com apoio dos tucanos.

9) Um complicador para retirar Dilma é a diferença de interesses entre PSDB e PMDB e, também, as diferenças entre seus caciques. Embora eles tenham identidade quanto a um programa alternativo, divergem quanto aos passos para a derrubada da Dilma. A Aécio interessa que haja a impugnação da chapa Dilma-Michel Temer ainda este ano. Neste caso, haveria novas eleições em três meses e ele se beneficiaria do efeito “recall”. Marina Silva, que rasgou definitivamente a máscara e se alinhou com a direita, também prefere essa saída. Já Serra e Alckmin querem a eleição em 2018. Para tal, é melhor que Dilma só caia em 2017, pois nesse caso não haveria eleições imediatamente. Há outro complicador. Para o PMDB, não interessa a impugnação da chapa Dilma-Temer, porque o poder não ficaria nas mãos do vice. O caminho predileto do PMDB seria o impeachment de Dilma por conta de algum ato como presidente. Algo como as tais pedaladas. Mas isso ficou meio desmoralizado. Enfim, essa divergência de interesses dificulta a derrubada da presidente. Mais um complicador é que as presidências da Câmara e do Senado estão nas mãos de gente como Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Tirar uma presidente alegando corrupção para deixar o poder com um desses dois é dose. De qualquer forma, isso tudo tem um limite. Se o desgaste do governo se aprofundar, a direita encontrará uma solução para derrubá-la.

10) Dilma está grogue e pode ser derrubada mesmo com as enormes concessões que fez. É possível que caia desmoralizada, o que seria o pior dos mundos. E tendo ajudado a desmoralizar a esquerda, seja por estelionato político, seja pelo fato de a prática do PT tê-la associado à corrupção.

11) Setores de extrema-esquerda se equivocam profundamente ao festejar o fato de Aécio, Alckmin e Serra terem sido hostilizados na Avenida Paulista. Esquecem que Bolsonaro foi aclamado. Esses setores de extrema-esquerda acham que isso mostra o acerto da bandeira “que se vayan todos”. Ora, na situação atual não há “que se vayan todos”. Ou alguém acha que o Congresso vai aprovar uma emenda constitucional encerrando o mandato de seus integrantes e chamando eleições gerais. O “que se vayan todos” hoje significa “que se vaya Dilma”. Não ver isso é cegueira. Aliás, a mesma cegueira que fez com que alguns desses grupos apoiassem os mísseis da Otan contra os governos da Líbia e da Síria, que resultaram na atual situação naquela região.

12) A esquerda que não se rendeu e está fora do PT e do governo deve combater o impeachment. Seja porque ele não tem base legal e representaria um perigoso precedente, seja porque o que viria é coisa pior. Basta ver o tal programa “Ponte para o futuro”, do PMDB. Nada mais voltado para o atraso político e social. Nas palavras do José Luiz Fevereiro, representa um autêntico trem-bala para o passado.

13) Essa esquerda tem que fugir do dilema: “Ou apoia Dilma, ou cruza os braços”. Apesar das dificuldades e de sua pequena expressão social, tem que buscar uma terceira via, juntamente com segmentos do movimento popular, na linha do “Povo sem medo”. Deve ser contrária ao impeachment e a ruptura institucional, mas deixar claro que é oposição à política direitista do governo Dilma. A partir daí, mostrar uma cara própria, com uma agenda de atos separada do PT e da CUT, cujas manifestações inevitavelmente se transformam em “olê, olê, olê, olá, Dilmá, Dilmá”. E que, não bastasse isso, têm essa leitura por parte da mídia. Ou seja, aparecem para a sociedade como se fossem manifestações de apoio ao governo antipopular da Dilma e do PT.

14) Não é uma situação fácil, como se vê. Mas é o que nos oferece a atual situação. O desfecho mais provável do atual período petista na condução do país, depois da eleição de quatro presidentes da república filiados ao partido, é a abertura de um ciclo de conservadorismo e de hegemonia da direita. E isso, não porque o PT tentasse fazer reformas reais e fosse derrotado por ter contrariado interesses das classes dominantes, como Allende ou mesmo Jango. Mas porque capitulou, abandonou suas bandeiras, lambuzou-se (para usar a expressão do chefe da Casa Civil) e acabou sendo usado e, depois, descartado, pelo grande capital.

15) Por fim, engana-se o segmento da esquerda que, iludido, pensa que o ônus disso tudo será apenas do PT. Para a maioria da população, o PT representa a esquerda, embora há tempos não seja mais isso (ainda que tenha integrantes de esquerda). Depois dessa experiência de governos petistas, não será estendido um tapete vermelho para os setores de esquerda críticos do PT. A eles também será feita a cobrança.
 
*Original no sítio do PSOL: http://www.psol50.org.br/2016/03/cid-benjamin-quinze-pitacos-sobre-a-situacao-politica/


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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