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Brasil vigiará melhoria na qualidade da água latino-americana

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Fabíola Ortiz*

Técnico do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro controla a qualidade da água na Lagoa Rodrigo de Freitas, em 17 de agosto. Foto: Agência Brasil/EBC Técnico do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro controla a qualidade da água na Lagoa Rodrigo de Freitas, em 17 de agosto. Foto: Agência Brasil/EBC

A dificuldade no acesso a água de qualidade, os déficits de fornecimento e a precariedade do saneamento desafiam o desenvolvimento e o combate à pobreza na América Latina. Um novo centro regional com sede no Brasil vai monitorar o recurso para melhorar sua gestão.

Um exemplo dos problemas do manejo da água é dado pela maior cidade latino-americana e quarta do mundo, São Paulo, que vive a pior crise hídrica de sua história por causa de uma prolongada seca que deixou sem água suas fontes de abastecimento, em um fenômeno vinculado à mudança climática.

Para prevenir crises como esta, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Agência Nacional de Águas (ANA) assinaram um memorando de entendimento, que converteu essa instituição brasileira em centro de monitoramento da qualidade da água na América Latina e no Caribe. Além disso, a ANA promoverá a cooperação regional para potencializar essa vigilância.

“O Brasil será um ‘hub’ (centro de atividade) para a região e atuará como coordenador dos programas de capacitação que forem realizados em outros países”, explicou ao Terramérica o especialista em recursos hídricos da área de gestão estratégica da ANA, Marcelo Pires. “O monitoramento, a metodologia de coleta de amostras e a análise dos dados são muito úteis para os tomadores de decisão” na gestão da água, detalhou.

O centro regional também cuidará de estruturar a criação de centros nacionais em cada país. “Ainda não temos o diagnóstico da situação, mas sabemos que na Argentina, Colômbia e Chile já existem centros de monitoramento avançado”, informou Pires. Além disso, a agência atuará como a interconexão do Pnuma para disseminar informação sobre a qualidade da água, segundo os parâmetros de seu Programa da Água do Sistema Mundial de Vigilância do Meio Ambiente (GEMS/Água).

Esse programa formou uma rede mundial de mais de quatro mil estações de pesquisa, com dados coletados em cerca de cem países. Desde 2010, a agência brasileira implanta um programa nacional de qualidade da água nos 26 Estados e no Distrito Federal inspirado no GEMS/Água.

Pires recordou que o acesso a água limpa, assim como a extensão do saneamento para toda a população, são condições básicas para o desenvolvimento do país. “O acesso a água de boa qualidade é um dos principais temas para eliminar a pobreza e também é um dos problemas que os países em desenvolvimento mais enfrentam. Isso tem graves consequências para a saúde da população e do ambiente”, pontuou o especialista.

Para o diretor do Pnuma, Achim Steiner, a gestão eficiente dos recursos hídricos e a colaboração internacional entre países do Sul em desenvolvimento são “passos fundamentais” para o uso sustentável da água. “Garantir infraestrutura para a água e o saneamento é uma condição básica para o desenvolvimento econômico. Esse desafio fica ainda mais complexo com os impactos da mudança climática. E tudo isso reforça a necessidade de se adaptar à realidade global”, ressaltou Steiner por ocasião da divulgação do acordo com a ANA.

O memorando de entendimento entre as duas instituições se tornou público este mês, mas foi assinado em julho durante uma visita de Steiner ao Brasil. Inicialmente estará em vigor até o final de 2018, podendo ser prorrogado. Pesquisa realizada pela ANA mostra que, só no Brasil, mais de três mil cidades estão em risco de sofrer falta de água a partir do próximo ano. Isso equivale a 55% dos municípios do país. Os déficits hídricos são parte da realidade latino-americana, assim como sua desigual divisão e a precariedade de sua qualidade e do saneamento.

“Nosso cenário não é muito diferente do de nossos vizinhos”, apontou Pires. Como exemplo, disse que apenas 46% do esgoto doméstico do Brasil é coletado e deste somente um terço é tratado, segundo a última pesquisa sobre saneamento básico. “O Brasil tem um déficit de saneamento. As pessoas convivem diariamente com rios contaminados. Isso se reflete na saúde pública e inclusive no tratamento das águas para abastecer as famílias”, afirmou.

Mudança climática, outra variável

A cidade de Santarém, banhada pelo rio Tapajós, afluente do Amazonas, no Pará, despeja grande parte de seu lixo nas proximidades do porto. Essa falta de saneamento mantém o rio contaminado em sua passagem pela cidade. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
A cidade de Santarém, banhada pelo rio Tapajós, afluente do Amazonas, no Pará, despeja grande parte de seu lixo nas proximidades do porto. Essa falta de saneamento mantém o rio contaminado em sua passagem pela cidade. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

Também os impactos vinculados ao aquecimento global tornam necessária maior integração na gestão da água entre os países latino-americanos, porque deixa mais frequentes e pronunciadas as secas e a consequente redução na disponibilidade do recurso em seus reservatórios.

A cobertura de água potável na região é de 94%, a mais alta do Sul em desenvolvimento, segundo informe de maio da Organização Mundial da Saúde (OMS), mas 20% dos latino-americanos carecem de acesso a serviços de saneamento básico. Além disso, persiste uma grande desigualdade no acesso a água limpa e, em matéria de saneamento, entre áreas rurais e urbanas.

O Banco Mundial destaca que a mudança climática gera um contexto de incerteza e riscos para a gestão da água, pois aumentará a variabilidade hídrica e haverá fenômenos meteorológicos mais intensos. As consequências serão situações como a enfrentada agora por São Paulo, onde o desabastecimento afeta um terço de seus 21 milhões de habitantes na área metropolitana, enquanto se incentiva a economia de 20% no consumo.

Diferentes municípios da região metropolitana racionam, desde fevereiro, a água para seus moradores, incluindo os de São Paulo, lar de 12 milhões de pessoas.

Alceu Bittencourt, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental de São Paulo, afirmou ao Terramérica que se trata da maior crise hídrica da cidade e uma evidência das alterações climáticas diante das quais não foi criada uma gestão de resposta na maioria dos centros urbanos latino-americanos. “Levará de dois a três anos retornar à normalidade. Essa situação excepcional indica que está em curso um novo padrão de chuvas em razão da mudança climática”, destacou, se referindo à maior seca no sudeste brasileiro em 50 anos.

Desde 12 de julho, a água que chega às torneiras de pelo menos nove milhões de paulistas provém do chamado “volume morto” do Sistema Cantareira, um conjunto de represas da década de 1970 que recolhe água de três rios. Trata-se de uma reserva situada abaixo do nível de comportas e que só é usada em emergências. As previsões oficiais indicam que a reserva se esgotará em outubro se não houver alívio na seca, o que aumentaria a crise que já afeta todos os tipos de consumo de água, enfatizou Bittencourt. Envolverde/Terramérica

* A autora é correspondente da IPS.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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