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Moniz Bandeira denunciou espionagens dos EUA em 2005*

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

moniz bandeiraPara o historiador e cientista político Moniz Bandeira, grande parte do que agora vem sendo revelado  sobre as operações de espionagem da  NSA americana e o ECHELON foi abordada em seu livro “Formação do Império Americano”, lançado em 2005, isto é, há sete anos passados, pela Editora Civilização Brasileira. Essa obra também foi publicada na Argentina, Cuba e China.

Eis abaixo um dos trechos em que trato do problema. seguem trechos do livro, escolhidos pelo próprio historiador, atualmente morando na Alemanha:

“Ao mesmo tempo em que se empenhava em expandir o comércio dos Estados Unidos, por meio de tratados, Clinton recorreu amplamente aos serviços de inteligência para promover os interesses das corporações americanas. Em setembro de  1993, pediu à CIA que espionasse os fabricantes japoneses, que projetavam a fabricação de automóveis com zero-emissão de gás, e transmitiu a informação para  a Ford, General Motors e Chrysler.

Também ordenou que a NSA e o FBI, em 1993, espionassem  a conferência da Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC), Seattle, onde aparelhos foram instalados secretamente em todos os quartos do hotel, visando a  obter informação relacionada com negócios para a construção no Vietnã, na província de Gia Lai, a hydro-electrica Yaly, com capacidade de produzir 720 megawatt (MW), suprindo 3.68 billion kilowatt-hora (kWh) de eletricidade à potência da rede que servia ao centro do país e às regiões montanhosas. Essa seria a Segunda maior hidro-elétrica do Vitenã (a maior era a de Hoa Binh, no rio Da).  As informações foram passadas para os contribuintes de alto nível do Partido Democrata.

A espionagem industrial não apenas prejudicou as companhias estrangeiras.  Companhias americanas também. Quando o Vietnã mostrou-se interessado em adquirir dois aviões de carga 737 de um homem de negócios, nos Estados Unidos, o secretário de Comércio, Ronald Brown, informado pelos serviços de inteligência, prejudicou a venda, tratando de conseguir um financiamento favorável para a aquisição de dois aparelhos novos da Boeing.

A comunidade de inteligência dedicou-se assim a colaborar mais ativamente com a promoção comercial, que Clinton tratava de impulsionar, com o objetivo de incrementar as exportações dos Estados Unidos. As corporações industriais dedicadas ao desenvolvimento de tecnologia, como Lockheed, Boeing, Loral, TRW, e Raytheon, receberam comumente importantes informações comerciais, interceptadas pelos serviços de inteligência, através do ECHELON, sistema de vigilância, altamente informatizado para o processamento de Communication Intelliggence (COMINT).[1]

Esse sistema tivera inicialmente o objetivo  de captar mensagens e comunicações diplomáticas entre os governos estrangeiros e suas embaixadas e missões no exterior. Com o desenvolvimento da tecnologia, ampliou-se a sua utilização, ao ser usado para interceptar comunicações internacionais via satélite, tais como telefonemas, faxes, mensagens através da Internet, por meio de equipamentos instalados em Elmendorf (Alaska), Yakima (Estado de Washington), Sugar Grove (Virginia ocidental), Porto Rico e Guam (Oceano Pacífico), bem como nas embaixadas e bases aéreas militares.

Desde os fins dos anos 1960, a coleta de inteligência econômica e informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico tornou-se crescentemente um dos mais importantes objetivos da COMINT, operado pela National Security Agency (NSA), dos Estados Unidos, e pelo Government Communications Headquarters (GCHQ), da Grã-Bretanha, que em 1948 haviam firmado um pacto secreto, conhecido como UKUSA (UK-USA) – Signals Intelligence (SIGINT)[2], formando um pool para interceptação de mensagens da União Soviética e demais países do Bloco Socialista. À UKUSA, a primeira grande aliança de serviços de inteligência em tempo de paz[3], aderiram, posteriormente, agências de outros países: Communications Security Establishment (CSE), do Canadá, Defense Security Directorate (DSD), da Austrália e do General Communications Security Bureau (GCSB), da Nova Zelândia.

Os serviços de inteligência dos Estados Unidos tentaram várias vezes negar que colaborassem com as corporações industriais, e canalizavam suas informações, através de seus aliados estrangeiros ou de agências, como o Trade Promotion Co-ordinating Committee (TPCC), uma agência inter-governamental criada em 1992 pelo Export Enhancement Act e dirigida pelo Departamento de Comércio, com o objetivo de unificar e coordenar as atividades de exportação e financiamento do governo americano, e desenvolver ampla estratégia visando a desenvolver esses programas.  O Advocacy Center, dentro do TPCC, constituiu o núcleo fundamental da National Export Strategy[4], elaborada na administração de Clinton, e não restringiu suas atividades a corromper, com propinas, fazer lobby junto aos governos estrangeiros, em favor das companhias americanas. Funcionou junto com o  Office of Executive Support (antigo Office of Intelligence Liaison), agência de alta segurança dentro do Departamento de Comércio, integrada por funcionários da CIA, com a mais alta autorização para acesso a segredos e equipamentos de vinculação com os serviços de com o objetivo de acomodar a necessidade de inteligência de caráter econômico e Clinton, pouco depois de inaugurar seu governo,  fundara o National Economic Council, para alimentar as corporações americanas com informações captadas pelos serviços de inteligência.

Em 1994, o governo de Washington dedicou-se a assegurar advocacia a mais de 70 transações, que envolviam exportações, no valor de mais de US$ 20 bilhões, e criariam mais de 300.000 postos de trabalho nos Estados Unidos. E, segundo os jornalistas Duncan Campbell e Paul Lashmar, NSA, em 1994, não só interceptou faxes e chamadas telefônicas entre o consórcio europeus Airbus e o governo da Arábia Saudita,  permitindo ao governo americano intervir  em favor da Boeing Co. , como a “US intelligence played a decisive role” na concorrência para a montagem do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), pelo Brasil, e assegurou a vitória da Raytheon, a companhia encarregada da manutenção e serviços de engenharia da estação de interceptação de satélites do sistema  ECHELON, em  Sugar Grove[5]. E próprio Ronald Brown,  em 6 de Janeiro de 1995, declarou, perante o Committe on Science, da House of Representatives, que a agência intergovernamental Trade Promotion Coordinating Committee havia elaborado, em 1993 a National Export Strategy, que consistia, claramente, em “to help U.S. companies — small, medium and large — realize their full export potential”[6]. E proclamou, “our advocacy, and that of President Clinton, on behalf of U.S. businesses competing for foreign government procurements is beginning to bear fruit”.  Nesse mesmo ano, 1995, The New York Times noticiou que as estações da NSA e da CIA, em Tóquio estavam encarregadas fornecer o detalhadas informações à equipe do  USTR Mickey Kantor, para enfrentar os negociadores japoneses, em Genebra, em uma disputa comercial sobre automóveis.  E o jornal japonês Mainichi acusou a NSA de monitorar as companhias japoneses, através do ECHELON, a fim de favorecer as companhias estadunidenses.

[1]  Campbell, Duncan & Lashmar, Paul – “USA: Spying for Free Trade”, London – The Independent ,2.7. 2000.

[2] Prepared Testimony of Secretary Ron Brown, U.S. Department Of Commerce On Science And Technology — Preparing For Changes In The Year 2015 before The Committee On Science U.S. House Of Representatives, January 6, 1995. http://clinton3.nara.gov/WH/EOP/OSTP/other/tsdoc1.html

 [1] Através da Communications Intelligence (COMINT), a NSA coleta informações derivadas de comunicações do estrangeiro. É o principal componente da Signals Intelligence (SIGINT), que inclui a captação de “non-communications signals”, tais como as emissões de radar. Comint acompanha o desenvolvimento da alta capacidade dos sistemas de telecomunicações civis e é utilizado em larga escala na espionagem industrial,  empregando técnicos altamente capacitados e utilizando excepcionalmente alto grau de automação.  

[2] Bamford, 2002, pp. 397-398. O pacto conhecido como UKUSA só se tornou publicamente conhecido, em março de 1999,  quando o governo australiano confirmou que o Defence Signals Directorate (DSD), sua organização de  SIGINT, devia “co-operate with counterpart signals intelligence organisations overseas under the UKUSA relationship”.1996 Intelligence Online report on UKUSA cooperation:http://www.blythe.org/Intelligence/readme/brits-usa.int45;1997 Daily Telegraph report “Spies Like US” on Mentwith Hill (with aerial photo) and other commentary:http://www.accessone.com/%7Erivero/POLITICS/ECHELON/echelon.htmlhttp://jya.com/echelon.htm;1998 European Parliament, STOA report, Assessment of the Technologies of Political Control: http://jya.com/stoa-atpc.htm  

[3] Johnson,  1996, p. 122-144.

[4] Levelling the playing field around the world – Trade Promotion Coordinating Committee   27.05.2001

Annexe 2-1: Function Statement of U.S. government Advocacy Center  – http://www.heise.de/tp/deutsch/special/ech/7743/1.html

[5]  Campbell, Duncan & Lashmar, Paul – “USA: Spying for Free Trade”, London – The Independent , 2.7. 2000.

[6] Prepared Testimony of Secretary Ron Brown, U.S. Department Of Commerce On Science And Technology — Preparing For Changes In The Year 2015 before The Committee On Science U.S. House Of Representatives, January 6, 1995. http://clinton3.nara.gov/WH/EOP/OSTP/other/tsdoc1.html

* Original em: http://www.cafenapolitica.com/develop/?p=7412


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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