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Kenarik Boujikian: Quem deveria guardar a Constituição a viola, é preocupante

Maura Silva

Tradução:

Kenarik Boujikian é juíza desde 1989, atua desde 2017 – após promoção por unanimidade e mérito – como desembargadora no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), além disso, é co-fundadora da Associação de Juízes para Democracia (AJD) e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Em entrevista concedida a página do MST, Boujikian fala sobre a atuação do Judiciário e sobre como sua seletividade afeta a democracia do país. “Só vamos poder falar em retomada da democracia quando construirmos uma sociedade mais igual. Quando isso for realidade poderemos, enfim, dizer que há democracia no Brasil. Estávamos caminhando para um processo de construção que foi rompido com o impeachment, essa caminhada foi barrada por um golpe contra tudo o que está na Constituição, esse golpe segue”.

Qual o papel e a função do Judiciário no sistema jurídico do país?

Kenarik Boujikian: O papel do Judiciário é garantir os direitos fundamentais expressos na Constituição Federal de 1988. Nós temos no texto da Constituição todas as garantias do povo brasileiro em relação ao que ele quer e precisa do país. É lá também que está determinado qual é o papel de cada um dos poderes. O Judiciário nada mais é do que um dos instrumentos de realização e efetivação do Estado Democrático de Direito.

Com as últimas atuações, principalmente no que se refere à presunção de inocência, podemos afirmar que o Judiciário brasileiro deixou de cumprir seu papel?

O princípio da presunção de inocência está no artigo 5º da Constituição Federal, nesse artigo nós temos vigente toda a estrutura do Estado Democrático. Infelizmente, em data recente, em um processo específico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou atrás em uma posição consolidada desde 2009. Essa mudança prevê a admissão da prisão já em segunda instância. Isso assim, feito ao arrepio de tudo, de certa forma o STF rasgou ou reescreveu o inciso do artigo que é específico da presunção de inocência.

E quais as consequências dessa ação?

Isso é muito preocupante, porque esse é o poder que deve resguardar e garantir a Constituição, então, quando o próprio poder viola essa Constituição nós só podemos admitir preocupação com o atual momento do país. O que as pessoas precisam entender é que não se trata só da prisão do ex-presidente Lula. Toda a população que, de algum modo, depende da justiça é afetada por essa decisão. Ainda assim, tenho esperança que de algum modo isso possa ser reparado.

Ultimamente tem-se a impressão de que o Judiciário usa mídia para avalizar as suas decisões. Como a senhora enxerga esse processo?

A visibilidade não deve ser um projeto para nenhum juiz, a justiça não deve ser feita a partir do midiático. Ou o Judiciário encontra solução na Constituição e nas leis ou ele não pode encontrar em lugar nenhum. O juiz não deve ter política partidária. Ele é um ente de Estado quando está fazendo o seu papel e deixa de ser e ter deveres os direitos de cidadão comum quando está fora dos tribunais.

Recentemente uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), demonstrou que 92% da população acha que a Justiça brasileira não age de forma igual para todos. A democratização é a saída para reverter a confiança no Judiciário?

Eu faço parte AJD que foi criada logo após a promulgação de 1988. A ideia dessa associação era ser um instrumento de atuação dos juízes na conquista da democracia através do judiciário. Essa esperança foi rompida. Logo, só vamos poder falar em retomada da democracia quando construirmos uma sociedade mais igual. Quando isso for realidade poderemos, enfim, dizer que há democracia no Brasil. Estávamos caminhando para um processo de construção que foi rompido com o impeachment, essa caminhada foi barrada por um golpe contra tudo o que está na Constituição, esse golpe segue. Hoje vejo e os tempos nos mostram que, mais do que nunca, o judiciário precisa de juízes democráticos, lutar pela democracia e pela efetivação do Estado de Direito no Brasil ainda se faz necessário, infelizmente.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Maura Silva

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