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Análise | Governo quer recriar Guarda Nacional. Será para reprimir o povo?

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

A Nação brasileira passou três décadas sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional e o preclaro ministro do novo Ministério da Segurança Nacional, Raul Jungmann, nem percebeu. Inclusive, a direção do Partido Comunista à qual ele diz ter pertencido foi inteiramente dizimada, sem ter cometido crime algum, simplesmente porque, à luz da doutrina de Segurança Nacional, foi o canteiro que produziu os que lutavam contra o regime.

Onde é que o senhor estava, senhor ministro?

Raul Belens Jungmann Pinto, filho de tradicional família pernambucana, deputado federal em segundo mandato por Pernambuco, nasceu em ninho tucano, foi ministro extraordinário de Política Fundiária (1996-1999), cargo criado por Fernando Henrique Cardoso, que mudou para Ministério do Desenvolvimento Agrário, onde continuou até 2002. Em 2016, assumiu o Ministério da Defesa do governo ilegítimo de Temer e, desde fevereiro de 2018, é ministro extraordinário de Segurança Pública, pasta criada por Temer. Consta em sua biografia ter sido do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e ter fundado o Partido Popular Socialista (PPS), junto com Roberto Freire.

Em agosto, ele publicou artigo na página editorial do Estadão (21/8/18) em que procura definir o porquê da nova pasta e o que pretende fazer com ela. 

Ele começa esclarecendo que “o governo central jamais teve competência constitucional com a Segurança Pública, nem lhe deu rumo em escala nacional”, ou seja, admite que o Estado nunca se importou com essa questão estratégica. Ele não explica, mas nós tentaremos fornecer algumas pistas.

Jungmann diz que a Constituinte de 1987-88 mal se deteve a discutir o tema da segurança pública, que marginalmente aparece no Artigo 144. Então, conclui que “o Estado brasileiro não definiu ainda uma Política Nacional de Segurança e, portanto, não possuiu um Sistema Nacional de Segurança”.

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Acervo do Arquivo Nacional. Gravura 157

Na sequência do artigo, constata o óbvio, ou seja, que os Estados da União é que são os responsáveis pela Segurança Pública. De fato, essa é uma realidade que tem raízes históricas, mas foi interrompida durante a vigência da Doutrina de Segurança Nacional, quando a ditadura militar colocou todos os órgãos de segurança sob comando das Forças Armadas: polícia civil e militar e inteligência.

Mais um ministério, para quê?

Voltemos à Política de Segurança de Jungmann, ministro de um governo ilegítimo. Quando estavam na oposição, diziam que o governo Dilma tinha ministérios demais, que era preciso enxugar o Estado, segundo as normas do neoliberalismo. Agora que estão no governo, em vez de reduzir, aumentam o número de pastas bem pagas. 

Recentemente, o Congresso aprovou um “SUS” para a Segurança: o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), concomitantemente à extinção da Força Nacional de Segurança, substituída pela Guarda Nacional de Segurança. Na sequência, criaram um Conselho Nacional de Segurança Pública, integrado por estados, municípios, polícias, Ministério Público e academias.

Ele informa ainda que, além da Guarda Nacional, será criado o Instituto Nacional de Estudos e Estatísticas de Segurança e a Escola Nacional de Segurança e Inteligência.

A Medida Provisória — MP 846 — coloca a Loteria Federal como responsável por gerar R$ 1 bilhão em 2019 e R$ 4,3 bilhões em 2022. E como em um passe de mágica, o BNDES estará destinando R$ 40 bilhões para a modernização do sistema.

Algumas perguntas que estão sem resposta:

– O que fará o Ministério da Justiça daqui para a frente? Tudo o que foi citado já existe e está funcionando sob o comando dos ministérios da Justiça e da Defesa, além da Secretaria Institucional da Presidência e das três armas da República. 

– Vão colocar tudo sob um mesmo teto ou vai haver duplicidade de atribuições?

– Será mesmo para combater o crime organizado?

– Ou será para garantir o crime organizado e proteger a plutocracia no poder?

– Isso mais parece o fortalecimento e o aperfeiçoamento do aparato repressivo contra o povo. Para que mais precisariam de mais força além da que já possuem?

O que é essa Força Nacional? 

Ela foi criada em 2004 para auxiliar as polícias militares estaduais a enfrentar rebeliões em presídios, manutenção da ordem, etc. Já não existe mais. O que existe agora é novamente a Guarda Nacional… que coisa fantástica, regressamos ao século 19.

Para que a Guarda Nacional?

No tempo do Império dos Bragança (Pedro I e Pedro II), conta-se que não se libertavam os escravos, por medo de desencadear uma crise econômica e consequente desordem social. A Guarda Nacional servia para caçar escravos fugitivos e manter a ordem, e continuou mais ativa do que nunca depois da abolição.

Batalhão de Fuzileiros da Guarda Nacional (1840–1845)

Hoje se escraviza para aumentar os lucros dos ricos. Temos a maior população encarcerada do mundo depois dos Estados Unidos. Como não há emprego nem perspectiva futura de pleno emprego, a cada dia cresce assustadoramente o número de marginalizados sociais. Um Exército que já beira os 80 milhões de desamparados e que precisa ser contido para garantir que não haja desordem social.

Se não é assim, me provem o contrário. Me expliquem para que toda essa parafernália repressiva?

Estarão se preparando para reprimir qualquer manifestação de divergência? Garantir que nada mude seja qual for o resultado das eleições de outubro? 

Tudo dentro da Lei, aprovado pelo Congresso, amparado pelo Judiciário, aplaudido pela mídia, com recursos de um fundo especial e, talvez, como nos idos da ditadura militar, abundante dinheiro aportado por empresários ricos…

História 

Historicamente, as Polícias Militares foram uma evolução da Guarda Nacional, composta por paramilitares a mando dos “coronéis”, que auxiliavam o imperador a travar combates bélicos quando necessários. Eram forças coadjuvantes, usadas rotineiramente para manter quietos os escravos e caçar escravos fugitivos. 

Quando da guerra contra o Paraguai, os proprietários de terra e gente, emprestaram essas forças ao imperador, reforçadas com escravos que aceitaram ir pelear contra o que e quem não sabiam a troco da alforria, ou seja, a liberdade caso voltassem vivos. 

Tal como a antecessora Guarda Nacional, as Polícias Militares estaduais, criadas já na República Velha (1889-1930), para proteger, in loco, os proprietários fundiários e seus latifúndios. Nada diferente do que fazem hoje, só que em um cenário bem mais urbanizado.

Em síntese, isso é assim desde que aqui aportaram os governadores gerais. Todo o sistema judicial e de segurança pública desenvolvidos para proteger a propriedade privada. Propriedade de quem? Claro que não a minha nem a sua, não é cara pálida?

Com o processo de urbanização, a plutocracia conseguiu manter a hegemonia desde o poder local, a vila, o município, o Estado, a União. Para isso, serviu e tem servido o sistema político, partidário e eleitoral criado precisamente para essa finalidade. Em resumo, as forças militares e civis estaduais foram criadas para proteger a propriedade fundiária e demais bens da plutocracia e manter o povo domesticado. 

As Forças Armadas foram criadas, pelo menos teoricamente, para garantir a soberania do país, o que implica em defender as fronteiras, as riquezas naturais, espaço aéreo, territorial e marítimo, a nação e sua cultura. Seguramente, os comandos das três armas da República não devem estar satisfeito por estarem atuando como capitães de mato, força repressora para manter a paz social, papel das polícias militares e, agora, da tal Guarda Nacional.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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