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Lula: “Cuba exporta médicos enquanto países ricos jogam bombas em comunidades pobres”

Ex-presidente lamentou fim do Mais Médicos e criticou “que preconceito do novo governo tenha sido mais importante que saúde dos brasileiros”
Redação Diálogos do Sul

Tradução:

Em carta publicada no domingo (16), em Cuba, pelo jornal Juventud Rebelde, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) mostrou apreço pelos médicos cubanos, que deixaram o país em novembro, após o governo cubano anunciar a saída do programa brasileiro devido às declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).

“Que bom seria se tivéssemos, como Cuba, médicos até para exportar para outros países! Que coisa bonita uma ilha latino-americana que exporta médicos para o mundo”, disse Lula na carta. Em crítica velada aos Estados Unidos, país com o qual Jair Bolsonaro tem preferências diplomáticas, o ex-mandatário ressaltou: “muito melhor do que países ricos que exportam soldados e derrubam bombas em comunidades pobres”. 

Lula reforçou ainda o fato de que, em nosso país, os médicos foram a lugares isolados, comunidades distantes, áreas onde não havia médicos brasileiros e que jamais foram assistidas por um profissional da saúde e criticou a falta de investimento na educação brasileira para estudantes menos favorecidos. “Eu lamento que o preconceito do novo governo contra os cubanos tenha sido mais importante que a saúde dos brasileiros que moram em comunidades mais distantes e carentes”, ressaltou.

Confira a íntegra da carta de Lula:

Queridos amigos de Cuba,

A saúde não é um bem, não é uma propriedade privada. A saúde é vida, condição primeira para fazermos qualquer coisa nesse mundo. Os serviços de saúde não podem ser mais um comércio como outro qualquer. E o ofício de quem cuida da saúde dos outros sempre será dos mais belos, sempre será uma missão, um ato de generosidade e carinho por outro ser humano.

No Brasil, os médicos de Cuba foram onde não havia médicos brasileiros. Em muitas comunidades pobres, distantes, de indígenas, que jamais tinham sido assistidas por um profissional da saúde.

Muitos criticaram o governo da presidenta Dilma Rousseff por trazê-los. Seria bom se não precisássemos. Se o Brasil tivesse tantos médicos que eles ocupassem todas as vagas pelo interior e periferias pobres do Brasil. Que bom seria se tivéssemos, como Cuba, médicos até para exportar para outros países! Que coisa bonita uma ilha latino-americana que exporta médicos para o mundo. Muito melhor do que países ricos que exportam soldados e derrubam bombas em comunidades pobres. Cuba exporta vida, carinho, saúde.

Mas não temos tantos médicos. O Brasil foi o último país da América do Sul a ter uma universidade, só em 1922. E isso porque tinham que criar uma para dar um título de doutor para o Rei da Bélgica! Brasil e Cuba viveram séculos de escravidão e exploração colonial. Mas dos dois, só Cuba tem médicos para exportar para o mundo.

No Brasil, medicina era curso exclusivo de filho de rico antes do Partido dos Trabalhadores chegar ao governo. O filho do pobre não tinha direito nem de SONHAR em ser médico antes do PT. Criamos cotas para negros e estudantes de escolas públicas nas universidades federais, ampliamos os mecanismos para os jovens poderem estudar em escolas privadas de graça ou pagando poucos juros após fazerem o curso. Abrimos novas universidades, inclusive cursos de medicina, no interior do país. Aumentamos o número de jovens pobres e negros no ensino superior. Quando deram o golpe na democracia em 2016, para tirar o PT do governo, uma das primeiras medidas adotadas foi impedir a criação de novos cursos de medicina no país. Proibir que se ensine mais profissionais de saúde. Um absurdo.

Mas mesmo o governo de Michel Temer, a pedido dos prefeitos das cidades, que sabem a dificuldade que era encontrar médicos para postos de saúde, manteve o Mais Médicos entre 2016 e 2018.

Quando os médicos cubanos chegaram ao Brasil tentaram de todo o jeito desqualificá-los. Mas eles venceram pela qualidade do serviço prestado ao povo brasileiro. Pela dedicação, pela atenção, pelo conhecimento e profissionalismo, pela medicina humana e preventiva que praticam. Ganharam o carinho e a gratidão de milhões de brasileiros, que agora temem voltar a ficar sem a assistência que salvou tantas vidas no Brasil.

Eu lamento que o preconceito do novo governo contra os cubanos tenha sido mais importante que a saúde dos brasileiros que moram em comunidades mais distantes e carentes.

Reprodução: Agência PT

Eu agradeço aos médicos cubanos que superaram as críticas e preconceitos e nos ensinaram que uma medicina mais humana não só é possível, como é mais eficiente para melhorar os padrões de saúde de nossas comunidades. No final os cubanos trocaram experiências e conhecimentos com muitos médicos brasileiros, e chamaram a atenção de todos para a importância da medicina preventiva e da atuação na saúde das famílias.

Por isso quero dizer ao povo de Cuba: tenham muito orgulho dos seus médicos e das suas escolas de medicina. Vocês conquistaram milhões de admiradores, milhões de pessoas gratas no Brasil.

O distrito de Batinga, na cidade de Itanhém, na Bahia, organizou uma passeata com toda a comunidade para se despedir do Doutor Ramon Reyes, que atendeu por anos no local e conquistou a todos. Saíram com faixas agradecendo o bem que esse médico fez e com esperança de que ele um dia retorne. Uma homenagem simples e sincera de um povo que recebeu os cuidados atenciosos de um filho de uma ilha distante do Caribe, cercada por décadas por um feroz bloqueio pelo país mais poderoso do planeta, e que, ainda assim, consegue exportar médicos e conhecimento.

Os laços de fraternidade entre os povos são muito mais fortes que o ódio irracional de alguns representantes das elites.

É a lição que os médicos cubanos ensinam em tantos países do mundo e também nos ensinaram no Brasil.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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