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Golpe civil militar de 1964: uma mancha na memória histórica do povo brasileiro

"Lamentável. Absolutamente desastrosa essa iniciativa presidencial, porque significa um verdadeiro escárnio e uma afronta à memória do povo brasileiro"
Redação Prensa Latina
Prensa Latina
Brasília (DF)

Tradução:

Há 55 anos o Brasil entrou em um dos períodos mais infaustos de sua história, ao se estabelecer uma ditadura mediante um golpe militar que tentou cumprir um projeto de extermínio que ainda hoje perturba a memória de um povo.

Assim define em declarações exclusivas à Prensa Latina a advogada Enéa de Stutz e Almeida, que durante nove anos atuou como conselheira da Comissão de Anistia.

Segundo historiadores, como ocorreu três vezes antes no país, o golpe de 31 de março de 1964 começou como uma insurreição para depor um presidente, João Goulart, legitimamente eleito pelo voto popular, e dias depois era uma ditadura: precária nas primeiras horas, notória mais tarde e depois estendida por 21 anos.

Nostálgico dessa etapa, recentemente o presidente Jair Bolsonaro atreveu-se a orientar aos quartéis celebrar a “data histórica” do golpe e a polêmica aflorou na sociedade brasileira qual insultada visita à câmara escura de um fatídico lembrança.

“Lamentável. Absolutamente desastrosa essa iniciativa presidencial, porque significa um verdadeiro escárnio e uma afronta à memória de tantos brasileiros que sofreram durante um regime que defendeu a destruição de seus cidadãos”, comenta De Stutz.

A tortura e a perseguição não foram praticadas na etapa castrense por pessoas desequilibradas como um ato insano, precisa a professora de Direito da Universidade de Brasília, mas como “projeto de extermínio de brasileiros, de aniquilação de qualquer pessoa que pensasse ou discordasse daquele Governo que instalou um Estado de exceção (medidas extremas)”. Então, refere, “1964 marca o começo desse tipo de Estado que perseguiu aos cidadãos que discordavam, o que era definitivamente suficiente para aplicar as maiores barbaridades e torturas. A maioria das pessoas era inocente da acusação que lhes era imposta”.

Conheci muitos casos na Comissão de Anistia, que “ainda existe, mas que neste momento não funciona. Infelizmente este governo não dá apoio às tarefas dessa missão”

A este respeito, explica, que o papel da Comissão era estabelecido por lei para dar conta do processo constitucional de reparação aos que foram perseguidos pelo Estado de exceção.

A reparação significa uma indenização pecuniária, “mas o mais importante resulta do reconhecimento da pessoa que não infringiu a lei e merece a declaração de anistiado político”, manifesta a acadêmica.

Destaca a pessoa afetada “merece o pedido de desculpa do Estado brasileiro por toda sorte de infortúnios ou eventuais torturas, prisão, exílio. Enfim, todas as arbitrariedades que se cometeram contra ela e sua família”.

“Esquecer que isso ocorreu ou dizer que a ditadura foi um movimento, como alguns tentam definir esse obscuro período da história nacional, é uma ofensa”, assegura De Stuz.

A professora reconhece que teve um período em que “não se falava de ditadura e torturas no Brasil. e que só mencionaram a existência de mortos e desaparecidos quando seus familiares começaram a procurar corpos”.

"Lamentável. Absolutamente desastrosa essa iniciativa presidencial, porque significa um verdadeiro escárnio e uma afronta à memória  do povo brasileiro"

Prensa Latina
Pixação em muros de Brasília: Ditadura Nunca Mais.

Militares se negaram a esclarecer os fatos

Enéa admitiu que a Comissão não apresentou resultados definitivos sobre o número de mortos e desaparecidos porque “todos os integrantes das Forças Armadas, que podiam oferecer algum tipo de esclarecimento, se negaram a cooperar, a comparecer, e os arquivos com informações oficiais ou não foram encaminhados à Comissão ou foram destruídos”.

E reafirmou que “existem muito poucos registros dos atos perpetrados pelo Estado brasileiro nesse período”.

Enéa também destaca que “sempre se comenta sobre a morte e desaparecimento das pessoas que viviam em centros urbanos, mas pouco sobre a dos indígenas nativos exterminados pelos comandos militares. Porém, sobre este fato existem sim ampla documentação oficial do Estado e um reconhecimento do genocídio indígena praticado, inclusive através de meios relacionados a guerra bacteriológica”.

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, entregue em 2014 à presidência da República, declarou 377 agentes como responsáveis direta ou indiretamente pela prática de tortura e pelos assassinatos cometidos durante o regime militar que causou 437 mortes”.

Para De Stuz, “as histórias das vítimas, de torturados e perseguidos perderam-se ao longo do tempo. Temos no Brasil uma memória deficitária porque o discurso oficial dos militares sempre foi que éramos uma democracia: temos eleições portanto não somos uma ditadura, diziam”.

A professora reitera que essas forças “não tiveram e ainda não têm coragem de assumir seus desprezíveis atos. Foi um período covarde. Com a ditadura destruiu-se tudo o que se tinha construído anteriormente”.

Escutar Bolsonaro falar sobre celebrações do golpe do 64 evidência que para impor “a ordem” ele estaria disposto a regressar ao Estado de exceção e isto seria algo ilegal”, sustenta a catedrática.

Qualifica os possíveis festejos em quartéis de uma afronta contra o povo brasileiro, que está convencido a não tolerar outra trágica história como esta que violentou a ordem constitucional e enlutou milhares de famílias”. 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Redação Prensa Latina

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