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Há uma Frente Evangélica pelo Estado de Direito. Nem todo evangélico é de direita

Organizados em 17 estados, cerca de 140 mil cristãos formam a corrente que combate o sectarismo: “Somos a igreja de mulheres, pretos e pobres”, diz o pastor
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul
Porto Alegre (RS)

Tradução:

Desde os anos 1970/80, o Brasil tem visto proliferar seitas neopentecostais oriundas dos Estados Unidos que se espalharam pelo país todo. Cultuam o “deus dinheiro”. E prosperam milagrosamente. Usam a “Teologia da Prosperidade” — Doe a Deus e receba com juros e correção monetária divinos. A boa notícia que é que o tecido social já está tomando consciência de que a seita tem menos de religião e mais de trabalho a serviço do sionismo e do imperialismo. 

O espaço midiático é dominado pelo auto-nomeado bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. Em passado recente, dono de bilhões de dólares, comprou a Rede Record, e já tem 23 emissoras no Brasil. Sobre ele pesam centenas de processos, por estelionato, lavagem de dinheiro, charlatanismo, sonegação, etc. 

Nos Estados Unidos e na Venezuela, está sendo acusado pela justiça de lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico. Em 1992, foi preso, acusado de charlatanismo e solto onze dias depois. A Revista Forbes o situa como o pastor mais rico do planeta, com mansões espalhadas pelo Brasil, Estados Unidos e Europa. Chegou em Portugal com a Record e já tomou conta de vários canais de televisão e grandes imóveis para os cultos de sua igreja.

Como contraposição, foi criada a “Frente Evangélica pelo Estado de Direito” que tem como objetivo fazer frente ao falso messianismo, à adoração do deus dinheiro e ao sectarismo político e religioso, que impede qualquer tipo de diálogo com quem pensa diferente. 

Do alto dos seus 63 anos, Ariovaldo Ramos, pode ser chamado de autêntico Legionário da Fé, com toda a justiça. Participe da coordenação e sócio fundador da “Frente pelo Estado de Direito”, faz parte da comunidade cristã reformada de presbíteros. Há 25 anos, fundou a igreja Fé Cristã Evangélica: “esta comunidade já nasce com a perspectiva de defender os direitos da população pobre, preta, humilde e desempregada”. 

Na década de 1990, o grupo de ativistas organizou o movimento “Missão na Íntegra” — justamente pra denunciar o desvio da igreja evangélica. “Uma parte da igreja evangélica estava escolhendo o capitalismo como modelo”, lembra ele, referindo-se ao final do século XX. 

Organizados em 17 estados, cerca de 140 mil cristãos formam a corrente  que combate o sectarismo: “Somos a igreja de mulheres, pretos e pobres”, diz o pastor

Ativismo Protestante
A “Frente Evangélica pelo Estado de Direito” tem como objetivo fazer frente ao falso messianismo, à adoração do deus dinheiro

Onda antipetista

Na avaliação de Ramos, a situação só piorou desde então. Antes mesmo da posse do capitão expulso do Exército, a barra já estava pesada: ”A gente seguiu mantendo nossa postura de denúncia”. Pouco a pouco o movimento foi se expandindo. “Passou a reunir um grupo razoável de pessoas no Brasil todo, sempre em torno da denúncia da mercantilização da fé”. Até que, em 2016, veio o golpe: 

“Pegou em cheio a igreja evangélica. Havia uma onda antipetista em curso. A igreja passou a entender o petismo como contrário à fé. Nunca entendi como os irmãos chegaram a esta conclusão — mas foi uma campanha urdida nos bastidores”.

Nesta época, o grupo criou o “Movimento Íntegra” para denunciar a guinada para o capitalismo dos evangélicos. De acordo com ele, o apoio foi grande. De todo o país, pessoas e entidades enviavam mensagens. O manifesto nasceu deste movimento de base. Mas então começou uma pressão sobre quem se destacava, lembra o ativista evangélico. E as lideranças começaram a se afastar: “Acabei ficando eu”, caçoa. 

Mídia no golpe

“Ainda bem que nesta época apareceu Anivaldo Padilha, um ativista que sobreviveu à tortura militar em 1964”, lembra. Foi ele que sugeriu a  criação da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, em 2016, um movimento nacional. Logo depois do golpe. O impeachment já tramitava no Senado e o grupo já tinha certeza de que o Senado não iria mudar o quadro. A organização da Frente” do Estado Direito uniu o grupo para manter a luta: “hoje estamos organizados em 17 estados do país. São cerca de 140 mil pessoas. Cada uma destas influência em média outras quatro”, contabiliza.

Ariovaldo ri ao falar daquilo que já se chamou de grande imprensa no Brasil. Até hoje ele só deu entrevista para a Folha de S. Paulo: 

“A gente entende, afinal, a grande imprensa participou ativamente do golpe. Eles não têm o menor interesse em dar publicidade a quem é contra esses golpes.”

Falso messias

Na avaliação de Ramos, praticamente todas as igrejas apoiaram o golpe e o governo de ocupação dos militares: 

“O falso messias se fingiu de cristão, mas mente descaradamente. As igrejas foram convencidas de que o Partido dos Trabalhadores atentava contra a moral cristã. E principalmente punha em risco a identidade sexual dos filhos. Alertavam que os comunistas vermelhos iriam erotizar as crianças, fariam apologia aos movimentos LGBT.” 

Por mais que o grupo dissidente mostrasse, de forma inequívoca, as mentiras propaladas, as pessoas eram convencidas por essas mentiras. Muitos encontros com diversos pastores de diferentes igrejas aconteceram. Mas nada foi capaz de fazer alguém arredar uma vírgula da doutrinação anti esquerdista. Só não falaram com gente da Universal e da Renascer: “Mas fizemos nossa parte. A tal cartilha gay é pura invenção, nunca aconteceu. Mas ninguém acreditava, eles aceitaram a mentira com facilidade por ser cômodo e rentável”.

Em tom indignado, o líder evangélico recorda que os fiéis defendiam a derrota do governo popular como forma de defender os filhos: ” Mesmo tendo consciência de que o novo governo iria ser um desastre para os trabalhadores — que são, de fato, a base da igreja evangélica brasileira — eles seguiram. Somos a igreja de mulheres, de pretos e de pobres; igreja operária”, diz. 

Pela reconversão

Sem meias palavras, Ramos ressalta que, em meio às habituais mentiras, o candidato do Partido Social Liberal (PSL) aproveitou a atentado para fugir dos debates, sem mostrar qualquer projeto ou esboço de governo: “A gente já percebia que estava a caminho um desastre. Principalmente para as mulheres, negros, trabalhadores e pobres da periferia. Ou seja, um desastre para a igreja evangélica”.

E mesmo assim os pastores deram shows no púlpito e fora dele para apoiar esta “loucura em nome da salvação da família”. A frente segue fazendo o possível pra “reconverter” a igreja dinheirista. Um dos instrumentos é a revista “Bíblia e Direitos Humanos” onde a comunidade mostra a luta cristã por seus direitos. “Fazemos um trabalho de base, conversamos com todo mundo.”

A dois meses do final do ano de 2019, “A Frente” está organizada em 17 estados. Estamos “crescendo muito”, diz o entrevistado. Seriam dois motivos. Primeiro porque todo mundo que expôs discordância dentro da igreja evangélica sofreu algum tipo de represália, acabou penalizado. Eles seriam abrigados onde tivesse gente que pensasse como eles. Para o pastor, a Frente de Evangelização foi o lugar. Abriu a porta a todos que estavam sentiam-se pressionados, injustiçados. Acusados, caluniados na sua posição ideológica. E a onda cresceu muito. “Estamos conhecendo cada vez mais evangélicos que não aceitam mais o que os pastores diziam nos cultos”. 

“Começamos a estruturar ‘A Frente’ já no primeiro momento do golpe de Estado contra Dilma Rousseff. No segundo, saímos para resistir e denunciar o governo Bolsonaro  como ilegítimo. Embora eleito, de acordo com as regras, toda campanha dele foi baseada em mentiras, como aquela história do kit erótico. Inventaram que na gestão Haddad a prefeitura distribuía aos alunos. Isso torna ilegítima a eleição de outubro de 2018. O eleitor não sabia em quem estava votando, não foi informado, não tinha condições de fazer sua escolha livremente.”  

Teologia da Prosperidade

O primeiro movimento concreto como Frente foi a denúncia do uso da fé pra reunir fundos para igrejas. Desde o começo o grupo denunciou a Teologia da Prosperidade: “Contestamos esta ideologia. Isso é coisa de neopentecostalistas dos Estados Unidos. Coisa da Renascer e da Universal. Este comércio com Deus para comprar vantagens é absurdo. Denunciamos que isto não é nem jamais será cristão. Puro engodo”.

Teoricamente, o termo neopentecostalismo, Terceira Onda Pentecostal, designa o movimento surgido no cristianismo em meados dos anos 1970 e 80. O movimento pentecostal apareceu no início do século XX, em 1906. Dissidente do evangelicalismo, vale-se de denominações oriundas do pentecostalismo clássico. Ou mesmo de igrejas cristãs tradicionais como batista, presbiteriana, metodista, entre outras. 

No Brasil, os maiores e mais poderosos grupos dessa corrente são Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja Renascer em Cristo, Igreja Apostólica Fonte da Vida e Comunidade Cristã Paz e Vida. Eles aceitam apóstolos, bispos, pastores ou missionários presidentes que norteiam suas igrejas pelo mundo. Possuem um evangelismo de massas. Boa parte tem, ou compra, espaço em TV, rádio, jornal, editora. Ou produzem literatura própria, portais ou sites. Assim como nos EUA, neopentecostais brasileiros passaram por um sincretismo entre os movimentos evangélicos tradicionais e outras religiões, no Brasil, destacam-se as de matrizes africanas como o candomblé e a umbanda.

*Amaro Augusto Dornelles é Jornalista e colaborador de Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Amaro Augusto Dornelles

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