Triste, muito triste. A esquerda toda caiu como patos no conto de Bolsonaro sobre a Covid-19. Mentira? Verdade? Ora, ora e ora. Era justamente isso que ele queria: todos tentando descobrir se ele mentia ou falava a verdade. Sabem por quê? Porque – enquanto vocês estavam discutindo se era verdade ou falácia – o filho dele (Flávio Bolsonaro) prestava o primeiro depoimento ao Ministério Público.
A esquerda inteira tomou um ‘drible da vaca’ midiático… do Bolsonaro. Incrível! Memes e mais memes, mas quem riu por último… foi o próprio.
Na terça-feira, queridas e queridos, os assuntos deveriam ser os seguintes: Flávio Bolsonaro, Queiroz, sua esposa e o Guedes. Mas o que se viu? Apenas debates sobre a hidroxicloroquina, memes com o Bolsonaro e discussões sobre a efetividade do referido remédio.
Enquanto isso, Flávio Bolsonaro preparava um depoimento curtinho, calculado, que logo será vazado para que o assunto saia o mais rapidamente de pauta. Numa palavra: player. Drible da vaca midiático.
Pior de tudo é que o gado – alimentado pela esquerda, que caiu no drible – agora trará à tona novamente à famigerada hidroxicloroquina, já que Bolsonaro atribuirá a ela a sua recuperação.
E sim: Bolsonaro se recuperará. Recuperar-se-á porque o que mata não é a Covid-19, mas sim a ausência do SUS ou do privilégio do sistema de saúde pago. Por isso as elites e a classe média não morrem (ou morrem pouco) em decorrência da Covid-19.
Marcos Corrêa / Fotos Públicas
Bolsonaro se recuperará porque o que mata não é a Covid-19, mas sim a ausência do SUS ou do privilégio do sistema de saúde pago
Perguntaram-me se eu desejava que o Bolsonaro perdesse a luta para a Covid-19. Penso que a melhor resposta foi dada pelo grande jurista Pedro Serrano que, mesmo dizendo não ter empatia por Bolsonaro, salientou que a queda dele tem que ser política e cultural para que não haja sucessores.
Perfeito, querido amigo Serrano. Por isso, aliás, lamento muito que uma possível vitória contra o Bolsonaro dependa muito mais do nosso insucesso do que de um diálogo com o povo para – com este – enfrentá-lo. Triste, muito triste. Torcer para que ele morra apenas comprova a nossa mesquinharia, desorganização e ingenuidade.
Ingenuidade porque tão ruim (ou pior do que o Bolsonaro) é o Guedes. Valendo-me das lições do filósofo e historiador Jonathan Raymundo, gostaria de demonstrar-lhes porque, embora sendo farinha do mesmo saco, Guedes parece – equivocadamente – não ser tão perigoso quanto o presidente.
Vejam: a violência do grito parece ser pior que a do silêncio porque o som nos impede de ignorar a violência. Bolsonaro é isso: a violência explicitada, a qual é impossível não senti-la, como o xingamento de um racista, por exemplo.
Mas sabem porque a violência do silêncio tal e qual a do Guedes é pior? Porque é nela que está a engrenagem que, silenciosamente, produz o grito. O silêncio está para o racismo estrutural assim como o grito está para o racismo individual. Lembro a primeira (ou uma das primeiras) aplicações da lei Afonso Arinos.
O caso é-nos contado por Carlos Alberto Medeiros em seu belíssimo livro “Na Lei e na Raça”. Otelino, homem negro, não conseguiu o emprego porque era negro. E gravou toda a violência do grito dado pelo dono da clínica que se recusara a contratá-lo pelo fato dele, Otelino, ser negro. Só que o dono da clínica era homem poderoso e presidente da associação nacional de psiquiatria. Resultado: ele conseguiu uma declaração do PRÓPRIO AFONSO ARINOS (AUTOR DA LEI) dizendo que não era racista. Resultado: Otelino foi perseguido e quase processado por calúnia.
Este exemplo foi utilizado apenas para demonstrar que a violência do grito que impediu Otelino de ser contratado foi acobertada por uma violência silenciosa que a legitimou. Daí a razão pela qual vejo Guedes como tão (ou mais) perigoso do que Bolsonaro, pois o ministro é a racionalidade neoliberal em sua faceta Personnalité – uma espécie de neoliberalismo Amoedizado em vez de bolsonorizado.
Por isso a derrota de Bolsonaro tem que ser no campo político e das ideias, até porque, como disse o maior intelectual do mundo, Amilcar Cabral, a luta de libertação não é uma guerra armada com algumas pitadas de política, mas sim o contrário, isto é: uma luta evidentemente política com momento armado. A luta da libertação, portanto, é eminentemente política.
Por essas e outras cantei a pedra na terça pela manhã: pode ser uma tentativa de aplicação da teoria do agendamento (colocação de fato na pauta pública de discussão). E de fato o era.
Djefferson Amadeus é Advogado criminalista, mestre em direito e hermenêutica filosófica, pós-graduado em filosofia pela PUC-Rio, pós-graduado em processo penal pela ABDCONS-RJ, membro do MNU, da IANB, da FEJUNN e da ABJD.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Veja também