Conteúdo da página
ToggleDentre as diversas preocupações que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) suscita em especialistas, a política externa tem especial destaque. O embaixador e ex-ministro das Relações Exteriores do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010), Celso Amorim, afirmou, em entrevista para a revista Diálogos do Sul, que o que vemos hoje sequer pode ser chamado de alinhamento automático aos estadunidenses. Esse seria “um nome excessivamente digno para o que está acontecendo”, disse.
A declaração de Amorim foi concedida em entrevista para a Diálogos do Sul – realizada por meio em da parceria firmada entre a revista e o Laboratório de Pesquisa e Práticas de Ensino em História (LPPE) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e o Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS), vinculado ao Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).A entrevista foi e mediada realizada pelas pesquisadoras Beatriz Bissio, Ângela Roberti e Jacqueline Ventapane, e pelo jornalista Paulo Cannabrava Filho.
O governo de Donald Trump se diferencia de seus antecessores pela falta de diálogo e parcerias. “No governo Trump é a América em primeiro lugar, da maneira mais crua possível”, explica Amorim. “E o governo brasileiro segue isso de maneira cega”, completa.
Repodução: WinkieMedia
Isso interfere no posicionamento brasileiro em diversos assuntos internacionais, o que Amorim classifica como “apenas um eco distante, longínquo e caricato, da voz americana”.
BID e América Latina
O Embaixador também expressou preocupação com o lugar em que ocupa a América Latina nas prioridades dos Estados Unidos. Para ele, o governo demonstra claros sinais de busca por controle da região. A exemplo da escolha do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que há 60 anos tem latino-americanos à sua frente.
Isso porque Trump indicou para o cargo Mauricio Claver-Carone, que é conhecido por defender a intervenção na Venezuela e o aumento das sanções contra Cuba. “Ele está pensando em ações que nem um latino-americano conservador e neoliberal faria: a de mudanças de regimes, se for necessário”, afirma Amorim.
O controle do BID seria especialmente eficaz para os interesses estadunidenses, pois “sob o falso pretexto de estar defendendo a livre iniciativa e os direitos humanos, ele pode colocar o dinheiro em grupos, na realidade, golpistas”, explica Amorim.
Nesse tema, novamente, o Brasil se coloca ao lado dos americanos, quebrando sua longa tradição de indicações para o BID.
A outra explicação para a escolha de Claver-Carone seria a busca por retaliação àqueles que têm uma relação mais próxima com a China, que vem estremecendo a política internacional e desenhando um cenário mais multipolar para a ordem mundial.
Nesse contexto, o Brasil precisaria ter uma atuação contrária a que tem hoje: buscar parcerias e aliados dentro da América do Sul e da América Latina. Para Amorim, “o Brasil é grande, mas não grande suficiente para discussão com os blocos” e precisaria dessa aliança regional para negociar no cenário internacional.
O ex-ministro, que também comandou a pasta de Defesa durante o governo Dilma Rousseff (2011-2015) reforça que os posicionamentos brasileiros dos últimos anos não condizem com sua história diplomática. “Considero o Brasil de hoje uma anomalia que terá que passar, não acho possível que o Brasil continue vivendo o que vive hoje”, prevê.
Assista à entrevista na íntegra:
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Veja também