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Cannabrava | Escola cívico-militar: Nossas crianças em mãos de incompetentes

Várias instituições do tipo têm surgido, algumas puro negócio por dinheiro, violando direitos fundamentais da criança assegurados pela Constituição
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

A maior preocupação para um casal, hoje, soe ser, com quem deixar as crianças. Claro que a primeira ideia é deixar nas mãos de quem entende. Está a ocorrer que nossas crianças estão sendo entregues a militares sem nenhum conhecimento do ramo e, o que é pior, ideologicamente deformados.

É preciso estar atento e advertir as pessoas que a boa educação segue princípios, é orientada pela lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, feita para regulamentar os direitos consagrados na Constituição. Qualquer coisa fora disso está violando a Constituição.

Vejamos a situação ideal, pensada pelos grandes mestres educadores, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Os mais pequenos vão para as creches, bem próximas da residência ou do local de trabalho, em geral gerida pelo município

Aos 4 anos, vão para a educação infantil (pré-escola), aos 6, ingressam no ensino fundamental e, aos 15, estão aptos para o ensino médio. Tudo isso em escolas de tempo integral. A criança entra de manhã, recebe três refeições, assistência à saúde, tem as aulas das disciplinas regulamentares, prática de esporte e iniciação artística, vai para casa no final do dia de banho tomado. 

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Isso não é delírio nem utopia. Há várias gerações de brasileiros que viveram isso, não por serem privilegiados ou bilionários, mas porque nasceram e viveram em estados ou municípios governados por gente que pensa. São alguns exemplos Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Brasília. Hoje são poucos e a qualidade baixou muito. Escola Parque em Brasília, CIEPs no Rio de Janeiro, projetos abandonados. 

O município de São Paulo mantém escolas desse tipo abrigando uns 35 mil alunos. Um nada. Há que tomar em conta que a população em idade escolar, segundo o Seade, gira hoje em torno de 2,7 milhões. Isso é em São Paulo, a cidade mais rica, que se diz com maior concentração de bens culturais de todo tipo. Imagine nos demais estados.

Várias instituições do tipo têm surgido, algumas puro negócio por dinheiro, violando direitos fundamentais da criança assegurados pela Constituição

Força Aérea Brasileira – Flickr

O que importa é a ideologia que está por trás do projeto. O que ensinam?

Educação é um direito, portanto, um dever do Estado.

Ocorre que o Estado não cobre nem minimamente a demanda, aparece perto de casa uma escola e uma boa conversa para iludir os pais de que o futuro da criança estará assegurado. No desespero porque precisam trabalhar, não têm onde deixar os filhos, os pais cedem ao canto da sereia.

Estão surgindo vários tipos de oferta de escolas militares, algumas puro negócio para ganhar dinheiro, além de violar direitos fundamentais da criança, assegurados seja pela Constituição, seja pelo Estatuto da Criança. É preciso tomar cuidado, distinguir bem uma coisa da outra.

Há Colégios Militares, subordinados ao Ministério da Defesa, geridos pelas Forças Armadas. Estes são 14, em Belém, Belo Horizonte, Distrito Federal, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza, Juiz de Fora, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Santa Maria e São Paulo. Abrigam em torno de 15 mil alunos no ensino fundamental. São escolas públicas e funcionam como uma pré-escola para quem quer seguir a carreira militar.

As Escolas Cívico-Militares foram criadas pelo governo militar de ocupação em 2020, com objetivo de implantar 216 até 2023, média de 54 por ano. O projeto promulgado por Abraham Weintraub, quando no Ministério da Educação em parceria com o Ministério da Defesa, atende nas etapas de ensino fundamental e ensino médio; em abril de 2022, já funcionavam 128 escolas com 80 mil alunos, ao custo de R$ 46 milhões tirados do MEC.

Segundo o MEC, os militares atuam na gestão escolar e gestão educacional e os professores na didática pedagógica. Quem são esses militares? São oficiais da reserva das Forças Armadas e das polícias e bombeiros militares. Quem são os professores? Podem ser tanto militares como civis que já estavam na rede pública. 

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O que importa é a ideologia que está por trás do projeto. O que ensinam? Além do português e da matemática, os valores como hierarquia, disciplina, respeito aos símbolos nacionais, valorização da família, ordem unida, ética, civismo. 

Ordem unida. As crianças marcham cantando as mesmas canções que animam o treinamento das tropas das PMs, que têm como foco o extermínio do inimigo.

É descaradamente um projeto nazista, pior que o projeto fascista.

Inspira e estimula iniciativas paralelas como a Força Pré-Militar Brasileira (Fope), Academia Militar Mirim, entre outras, algumas muito caras e que realizam treinamentos iguais aos praticados por tropas especiais, inclusive manejando armas letais. Isso com nossas crianças.

Academia Militar Mirim, está lá no sítio oficial – O maior curso militar para crianças e adolescentes do Brasil. Iniciativa privada, cobra dos alunos e agita as mesmas bandeiras caras ao fascismo caboclo, como Brasil acima de tudo.

O Fope se diz a maior instituição pré-militar do país, está em 120 cidades, sendo 15 em Santa Catarina, 14 no Rio de Janeiro, dez no Rio Grande do Sul, seis em São Paulo e já formou 10 mil jovens, segundo o sítio oficial.

Essas escolas agitam nas redes sociais para atrair jovens com promessas de que têm garantido o ingresso nas carreiras militares, muito tentadoras notadamente numa época de pleno desemprego e ausência de alternativas. Que futuro se reserva para essas crianças. O que elas vão fazer depois? Entrar numa academia militar? Haverá lugar para todos? Na cabeça dessa criança, ela já é um militar. Vai ser o que? Vai ser miliciano? Mercenário?

Paulo Cannabrava Filho, jornalista e editor da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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