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Cannabrava | 105 anos após maior greve do Brasil, trabalhadores só perdem direitos

Constituição de Vargas, que garantiu demandas da greve de 1917 como férias, jornada de 8 horas e aposentadoria, completa 88 anos neste sábado (16)
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Poucos sabem, mas 9 de julho é o dia nacional de luta da classe operária. Neste ano, se comemoraram 105 anos da grande e primeira greve geral operária de 1917. Na época, parou tudo: fábricas, transporte público, escolas, comércio… Os piquetes que se formavam eram dispersados a balas. O saldo foi de 200 mortos. 

O que eles queriam? 

A greve ocorreu em plena primeira guerra inter-imperialista do século 20. Era o início do declínio dos regimes coloniais e a ascensão dos movimentos de libertação nacional. Havia uma grande efervescência intelectual no mundo e no Brasil, o que desembocaria na Semana de Arte Moderna de 1922 e na criação de movimento anarquista e do Partido Comunista.

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Os trabalhadores queriam direitos. Direitos que foram duramente conquistados durante esses cem anos e que foram simplesmente apagados nesses últimos cinco anos. Ninguém aguentava trabalhar 12 horas sem descanso; mulheres e crianças, homens jovens e idosos trabalhavam em regime parecido com a escravidão. 

Pela primeira vez, nesse país, então com pouco mais de 20 anos de haver acabado com a escravidão, patrões e poder público tiveram que sentar à mesa, negociar e atender os direitos. Contudo, os plenos direitos só viriam mais tarde, com a Revolução de 1930.

O que representam as reformas introduzidas pelo ilegítimo governo de Michel Temer e aprofundadas pelo governo militar de ocupação é precisamente isso: um retrocesso de cem anos nas lutas dos trabalhadores.

Constituição de Vargas, que garantiu demandas da greve de 1917 como férias, jornada de 8 horas e aposentadoria, completa 88 anos neste sábado (16)

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A luta é de libertação nacional, resgatar a memória de nossos próceres é caminho para a libertação




9 de julho de 1932

Diferentemente de outros anos, este 9 de julho não estava na manchete do jornal O Estado de SP, porta-voz das oligarquias, mas teve duas páginas inteiras de exaltação ao feito dos paulistas. Para os Mesquitas, a data sempre mereceu comemoração especial, tratada como sendo sua revolução. Tão sua a ponto de tergiversar a história e demonizar os protagonistas da Revolução de 1930. 

A Revolução de 1930 os tirou do poder e os enviou ao exílio. Outubro de 1930 foi isso. Na República Velha, o poder era alternado entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, por isso batizada República do Café com Leite. O 9 de julho de 1932 foi uma reação a isso, em bom vernáculo, uma contrarrevolução. 

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Na verdade, a onda rebelde empolgou boa parte, talvez a maioria dos paulistas e paulistanos. Dividiu famílias. Meu tio Titino foi servir como médico voluntário no front; meu pai, Paulo, farmacêutico, esperou os revolucionários e ocupou o poder na prefeitura da pequena Vista Alegre, fronteira agrícola no noroeste de São Paulo. Minha sogra foi voluntária como enfermeira na retaguarda, na capital.

A mídia fez seu papel e mobilizou as senhoras a doar ouro para o bem de São Paulo. Para onde foi esse ouro? A indústria se mobilizou para atender às necessidades dos combatentes, fabricando armas, capacetes e granadas. Nas residências, as máquinas de costura produziam fardamento.

No Parque do Ibirapuera construíram um enorme obelisco que serve de cripta em honra aos 934 heróis tombados nos 87 dias de combate contra as tropas federais, na Revolução Constitucionalista de 1932. 

Esse foi o pretexto, a palavra de ordem que uniu o povo. Exigir do governo provisório instituído em outubro de 1930 o compromisso de realizar uma constituinte. Eles queriam uma constituinte, que seria hegemonizada por eles, pois os revolucionários ainda estavam no intento de estabilizar o governo.

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Perderam a batalha, mas não perderam a guerra. Eles se consideram vitoriosos, pois os revolucionários, com Getúlio Vargas na liderança, convocaram a Constituinte para 1934. Pretendiam que fosse revolucionária, mas não foi. Foi, sim, democrática e avançada no contexto da época. 

Essa Constituição completa 88 anos no dia 16. Voto secreto, voto das mulheres, jornada de oito horas, direito a férias e à aposentadoria… praticamente todas as reivindicações dos trabalhadores na greve de 17 foram incluídas na Carta Magna. 

A constituição, em seu art. 2º, assegura que “todos os poderes emanam do povo e em nome dele são exercidos”. Contudo, manteve a estrutura do estado herdada da colônia, que seguiu intacta na República Velha. O povo continuava à espera de exercer o poder em seu próprio nome.


Assim mesmo não deu certo. Por quê?

O general Góis Monteiro e os tenentes não estavam vocacionados para a democracia. Os tenentes eram uma geração formada no período tumultuado de uma República que nasceu de um golpe contra a oligarquia e cujos líderes se portaram como oligarquias e a serviço delas. Isso de um lado.

Por outro lado, o poder político e econômico das velhas oligarquias era muito forte, com controle dos meios de comunicação e dos partidos políticos. O Exército tinha tradição de ser o guardião desse poder — como é hoje sustentáculo da dependência colonial aos EUA. Góis Monteiro, ao seguir Vargas, rompeu com isso. Não havia como conciliar. Seria a morte do sonho revolucionário dos seguidores de Vargas.

O gênio de Vargas conseguiu armar a grande frente que possibilitou realizar seu projeto de nação, ou melhor, um projeto de país feito pelo povo brasileiro. Esse é o feito histórico: colocar o povo como protagonista do processo. Não podia ser diferente para tirar o país do atraso e construir um país moderno, industrializado.

Para esse povo índio-negro-branco construir o seu próprio país precisava, antes de tudo, de boas escolas. Vargas, com seus interventores em cada estado, semeou o país de escolas. Escola Normal para formar professores; Escola Técnica para formar a mão-de-obra especializada; e trouxe professores das melhores universidades da época para elevar o nível do ensino universitário.

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O mais demonizado dos políticos de São Paulo, Adhemar Pereira de Barros, foi precisamente quem realizou a obra de Vargas no estado. A começar pela Universidade de São Paulo (USP), que os Mesquita se arvoram de a terem criado. Adhemar foi quem unificou as poucas faculdades num só campus, criou o complexo das Clínicas, a faculdade de medicina e, inclusive, o campus do Butantã, tudo obra do insigne patriota. Grande desonestidade não reconhecer isso.

Esse é o grande feito de Vargas. De 1940 a 1980, o Brasil figurava entre os países de maior crescimento no mundo, situado entre os sete mais industrializados. 

Formou e dignificou os trabalhadores, assegurando-lhes os direitos consolidados na CLT.

As oligarquias eram avessas às escolas. Mandavam seus filhos estudar no exterior, e queriam as massas mergulhadas na ignorância para melhor dominar e servir a seus amos imperiais. Não adquiriram sentido de pátria. Odeiam Getúlio Vargas com tudo o que ele representa de emancipação do povo e de soberania nacional.

Em São Paulo, é tão ridículo esse ódio que não há uma só rua ou logradouro público com o nome de Vargas. No resto do país, Getúlio Vargas é o nome de principais avenidas e praças. Paradoxalmente, a USP foi a que mais contribuiu para a demonização do nosso verdadeiro pai da pátria.

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Essa velha oligarquia, associada às novas plutocracias, fundadas na economia agrária e mineira de exportação, se insurge cada vez que vê ameaçada sua hegemonia. Os militares que ocupam o poder são o pior que historicamente poderia nos acontecer. Formados por aquela geração que nos brindou 21 anos de ditadura regressiva, e obedientes ao Comando Sul dos Estados Unidos, trabalham para a estratégia do caos.

A luta é de libertação nacional. Resgatar a memória de nossos próceres é caminho para a libertação.

Paulo Cannabrava Filho é jornalista latino-americano e editor da Diálogos do Sul.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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