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Cannabrava | Feriado em São Paulo, 9 de Julho foi uma revolução ou contrarrevolução?

A população se dividiu entre o apoio aos revolucionários e apoio aos constitucionalistas. Até as famílias se dividiram
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Em outubro de 1930 houve uma revolução anti-oligárquica, almejando o liberalismo e o desenvolvimento, consoante à Revolução Industrial. O 9 de julho de 1932 foi uma contra revolução, mas os heróis são gente do povo, operários e profissionais liberais. Operários e empresários puseram sua arte e ofício a serviço dos combatentes.

A população se dividiu entre o apoio aos revolucionários e apoio aos constitucionalistas. Até as famílias se dividiram. Meu tio, médico e comunista, alistou-se como oficial médico e foi para o fronte. Meu pai, farmacêutico em Vista Alegre apoiou os revolucionários. Acreditou que a revolução era verdadeira.

Minha sogra também se alistou como enfermeira para cuidar dos feridos na retaguarda. Foram muitas as mulheres que se engajaram. Eu não tinha nascido, ainda.

A população se dividiu entre o apoio aos revolucionários e apoio aos constitucionalistas. Até as famílias se dividiram

Reprodução: Flickr
9 de julho se comemora a revolução constitucionalista no estado de São Paulo

Os ateliês faziam fardas e roupas; cozinheiras produziam comida; oficinas fabricavam capacetes, espingardas, granadas, morteiros, e a famosa Matraca, um instrumento que fazia um ruído igual a uma rajada de metralhadora. Com isso, sustavam o avanço das tropas de Vargas.

Realmente formou-se uma grande frente. O apelo de defender a constitucionalidade era muito forte e havia, como há até hoje, tradição conservadora, quase unânime no interior agrícola — já nem tanto na capital, onde o proletariado se organizava em sindicatos. No interior, verdadeiros feudos controlados pelo Partido Republicano Paulista (PRP), currais eleitorais que garantiam a hegemonia dos conservadores.

Há que considerar também o domínio oligárquico dos meios de comunicação. Um pensamento único na informação sobre os fatos. Não havia como escapar dos fortes apelos, cartazes publicitários, emissoras de rádio. Uma das campanhas conseguiu fazer com que as mulheres ricas doassem ouro para financiar a rebelião.

Os dirigentes pensavam contar com o apoio de outras oligarquias estaduais, mas não deu certo. Ao contrário, foi Vargas quem conseguiu formar uma ampla frente e isolou São Paulo. Tinha as forças armadas e PM de Minas Gerais e de outros estados. Foi muito desigual.

Venceram, mas não derrotaram os revoltosos. 

Tinham motivos de sobra os oligarcas para se rebelarem contra uma Revolução que acabou com séculos de poder discricionário sobre a nação e seu povo. No lugar de um bacharel, um tenente demais para os grandes senhores, os quatrocentões, como gostavam de ser considerados. Afinal, foram 400 anos de poder oligárquico.

A Revolução tirou da Presidência da República um paulista, Washington Luiz. Os diferentes postos de governo, as mais altas hierarquias, estavam ocupados por um bando de tenentes rebeldes. Rejeitavam o fato de serem governados por intrusos de uma classe que consideravam inferior, o que evidenciava também o componente  racista dessa oligarquia.

Vargas teve que ceder e devolveu o governo aos paulistas. A Assembleia Legislativa voltou a funcionar e também o Palácio dos Campos Elíseos voltou às mãos dos paulistas.

Vargas cedeu também à pressão pela constitucionalidade e em maio de 1933 convocou a eleição para a Assembleia Nacional Constituinte que elabora a Constituição de 1934. Também nos estados realizam eleições.  É uma Constituição democrática, muito avançada considerando a época e a conjuntura.

O Estado Novo veio para consolidar o poder dos revolucionários. 

Na base estavam os tenentes. Foi uma rebelião de tenentes e, no primeiro momento, assumiram o poder por toda parte. Gente de classe média ascendeu a posições que a oligarquia lhes negava. O maior feito da Revolução foi semear o país de escolas. Sabiam que para haver desenvolvimento era preciso educação.

Vargas, um estadista, tinha um projeto nacional de desenvolvimento e os militares que assumiram o poder com ele apoiaram a realização do projeto que colocou o país na modernidade. Em outras palavras colocou o país no caminho da industrialização. Inclusive muitos oligarcas transferiram o capital do agro para a indústria. O Brasil conheceu uma era de prosperidade.

O componente militar da Revolução de 1930 foi o mesmo que derrubou Vargas em 1945 e favoreceu a restauração do poder oligárquico. A Constituição de 1946 representa esse novo pacto.  Essa questão, da atitude contra-hegemônica dos militares, é bastante controversa, pois lhes falta o conteúdo de estadista e atuam unicamente pelo poder, sem um projeto nacional.

A geração que fez o golpe de 1964 ainda por um tempo seguiram o projeto de desenvolvimento herdado da era Vargas. Mas duraria pouco. Em poucas décadas desmontam tudo.

Vargas volta ao poder em 1950, desta vez eleito, para consolidar essa nova era e avançar em seu projeto nacional. Enfrenta os monopólios estrangeiros, cria a Vale do Rio Doce para monopolizar a exploração e a exportação de minérios; cria a Petrobras para atuar no ciclo completo do petróleo, da extração aos postos de combustíveis passando pelas refinarias e a petroquímica. 

É obra de Vargas também a Eletrobras e a Nucleobras, Cia Siderúrgica Nacional, que logo depois permitiu abrir a Fábrica Nacional de Motores, de onde saíram os caminhões Fê-Nê-Mê.

Os neoliberais a serviço do capital financeiro tratam de pôr fim a Era Vargas. O que é essa nova era? É a era de submissão aos Estados Unidos, uma era de retrocesso no tempo e na história, voltamos a ser colônia, abdicamos da soberania.

Os fatos

No país regia a Constituição de 1890, feita sob tutela militar, não agradava a todos. No Exército, desde o Império, já estava colocada a questão anti hegemônica, tinham bronca com os governos oligarcas e se achavam únicos capazes de governar. 

Em 1930, enquanto os revolucionários tomavam o poder no Rio de Janeiro, a capital, em São Paulo assume o comandante da 2ª Região Militar, general Hastínfilo de Moura, logo substituído pelo tenente João Alberto Lins de Barros.

Já havia um Partido Democrático (PD), fundado em 1926, disputando o poder hegemonizado pelo Partido Republicano Paulista (PRP). O PD apoiava os revolucionários e nomeara a maioria do secretariado. O conflito gerou instabilidade, diante da intransigência do governo provisório o PD se une ao PRP e formam a Frente Única Paulista (FUP), reivindicando Constituinte e Autonomia.

Vargas coloca no governo Pedro de Toledo, civil e paulista. Este marca eleição para 1933, mas não adianta, não resolve a crise. 

A morte de quatro jovens estudantes em confronto com as forças da repressão precipita os fatos. Formou-se o movimento MMDC, iniciais dos nomes dos mortos: Miragaia, Martins, Dráuzio e Camargo. Na Faculdade de Direito do largo São Francisco compõem um hino com os versos do filósofo e poeta sergipano Tobias Barreto (1839-1889):

Quando se sente bater
No peito heroica pancada
Deixa-se a folha dobrada
Enquanto se vai morrer

Tobias, mestiço de negro, antiescravagista e republicano, não fez isso em 1932, fê-lo em comemoração a guerra de independência do Uruguai.

Em 9 de julho explode a rebelião sob o comando do general Isidoro Dias Lopes (o mesmo que havia liderada uma rebelião em 1924), acompanhado por Bertoldo Klingler e Euclides Figueiredo, ambos generais. Outros generais importantes, o general Miguel Costa, comandante da Força Pública, o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, comandante da 2ª RM, e o coronel João de Mendonça Lima.

Em outubro, os paulistas se rendem. Vargas nomeia interventor o general Valdomiro Lima, tio de sua esposa Darcy Vargas, que será substituído somente em 1933, por Armando Sales de Oliveira do PD. Sales convoca a Constituinte e por ela foi eleito governador do estado em 1935.

Sales era  amigo e sócio dos Mesquita, com quem fundou o jornal O Estado de São Paulo. O PD em 1929 adere à Aliança Nacional Libertadora promovendo a campanha presidencial de Vargas. Venceu a eleição Júlio Prestes, um paulista, indicado pelo presidente Washington Luís. 

Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, com apoio de parte da jovem oficialidade das forças armadas, se sublevam e em 3 de outubro eclode a revolução. A grande obra de Sales foi criação de faculdades e de escolas secundárias públicas.

Foram criados os Partido Constitucionalista e a União Democrática Brasileira e, em janeiro de 1937, lançam a candidatura de Armando Sales para presidência da República na eleição de 38, com apoio de Flores da Cunha, do Rio Grande do Sul, e a eles se somam as forças políticas de Minas Gerais, Bahia, Ceará, Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro, todos em oposição a Vargas.

A Aliança Libertadora Nacional (ALN) lança a candidatura de José Américo e os integralistas da Ação Integralista Brasileira (AIB), Plinio Salgado. No ambiente muito tenso aparece o tal do Plano Cohen, um falso documento atribuindo aos comunistas, que na verdade era um plano de tomar o poder pelas armas. Em 15 de novembro é decretado o estado de sítio. 

Fecham o Congresso e tem início o Estado Novo. 

Assista na Tv Diálogos do Sul

   

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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