Os analistas da política, nas mais bem comportadas folhas do país e no vasto universo das redes sociais, se dividem na análise de dois temas, candentes e convergentes, pois têm origem no mesmo fenômeno, qual seja, o bolsonarismo, um movimento de massa de índole fascista.

Refiro-me à violência, que, excitada pelo próprio presidente da república, se espalha pelo país como rastilho de pólvora, e à realimentação da ameaça de um “golpe de Estado” frustrando o processo eleitoral, o que se extrai do comportamento e das declarações de alguns chefes militares, alguns deles ocupando funções cruciais, como a chefia do ministério da defesa.

Como se vê, Bolsonaro é um Midas às avessas, pois degrada tudo em que toca.

Assista na TV Diálogos do Sul


Mas de que golpe nos falam?

De há muito as definições clássicas de golpe de Estado, reproduzindo experiências passadas, deixaram de atender às formas contemporâneas dessa espécie de “assalto ao poder”. De há muito se desprenderam, por exemplo, dos elementos surpresa e subtaneidade, emprestados pela Ciência política. Permanece, porém, a característica essencial do conceito: a ilegitimidade decorrente da devastação da soberania popular.

Essa visão contemporânea de golpe se aplica às fraturas que se operam dentro de uma mesma ordem institucional, alterando, inclusive, as próprias regras do pacto de dominação. Consabidamente, o golpe de 1° de abril de 1964, por exemplo, teve continuidade (ou autoalimentação) numa série de “golpes dentro do golpe”, sem alterar a hegemonia militar ou a opção ideológica pelos interesses da casa-grande.

Alerta: A embaixadores, Bolsonaro mente sobre eleições e eleva risco de golpe a novo patamar

O golpe pode derivar de uma ação exógena, quando, por exemplo, seu objeto é a conquista do poder ou a alteração nominal do mando. Mais frequentemente, porém, visa à manutenção ou ampliação do domínio. Pode, ainda, pretender a alteração da natureza do poder, e pode mesmo se instaurar no bojo de mobilizações populares, como nos lembram os assaltos fascista de Mussolini e nazista de Hitler.

Hoje testemunhamos o projeto bolsonarista intentando alterar as regras do jogo eleitoral, com o fito de permanecer no poder.

Nossa história republicana já registra o golpe de Estado impingido pela coalizão governante, caso paradigmático da implantação do Estado Novo em 1937, liderado pelo próprio presidente da República em conluio com as forças armadas (o exército sobretudo), alterando substantivamente a natureza do regime, que transitava da experiência democrática da Constituição liberal de 1934 para a ditadura franca e repressiva, estatizante e intervencionista. Esse regime é cassado, ainda pelos militares, ao final de oito anos de ditadura condominial, e novamente a natureza do poder é alterada, quando a ditadura abre as portas à democracia.