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ToggleEducado em São Paulo, com uma mãe católica romana, que ia à missa todos os domingos e, às vezes, nas rezas de fim de tarde, tendo estudado em colégio de padres Salesianos, demorei muito para me interessar por outros cultos e, quando o fiz me tornei um exegeta: quis conhecer todas as religiões. Hoje sou um aba (pessoa velha) que continua aprendendo.
Na São Paulo da minha infância e juventude não havia Candomblé, (pelo menos no meu universo), só algumas casas de culto de Umbanda, escondidas, quase clandestinas porque a perseguição era grande.
A gente ouvia ou lia nos jornais sobre Joãozinho da Gomeia, pai de santo que saiu da Bahia, criou um templo em Caxias, no Rio de Janeiro, e fez um grande sucesso midiático, sendo procurado por artistas e políticos. Até o ex-presidente Getúlio Vargas o recebeu.
Em 1958, eu trabalhava com o Museu de Cera de Paris, que estava exposto no Parque do Ibirapuera, e o proprietário resolveu levar a exposição para Salvador, na Bahia. Lá, em pavilhões na frente do Zoológico do Parque Ondina, ficamos um tempo e pude mergulhar não só na cultura soteropolitana, como ir pelas profundezas do sertão.
Pedi para a senhora que trabalhava na cozinha que me levasse à casa de culto à qual estava filiada. Mulher de um pescador, moravam na recém criada Invasão de Ondina, na costa, um ou dois quilômetros distantes.
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Entramos no terreiro, o rufar dos atabaques, o cheiro forte dos temperos, o movimento dos corpos me embasbacou. Eu ali, parado, o pai de santo que estava sentado, levanta, me reverencia e me diz que sou filho de Oxóssi.
Eu nem sabia quem era Oxóssi, quanto mais o que significava ser filho dele. Foi meu primeiro mergulho na cultura negra, negra baiana, negra-branco-índia, raiz da nação brasileira.
Senti a magia de estar num espaço sagrado em que o humano, a natureza e a arte interagem com o sagrado. Ali se despertam todos os sentidos. Tudo é reverência. Ritmo, música, canto e poesia, os símbolos, a profusão de cores, as vestimentas, a culinária com seus odores e sabores.
Tive o privilégio de conhecer Mãe Menininha do Gantois, a ialorixá das ialorixás, quem fez uma verdadeira revolução nos costumes da Bahia com reflexo em todo o Brasil. Ela não via diferença entre as várias religiões. São Salvador das 365 igrejas curvou-se às mães de santo que assistem à missa paramentadas cada uma com a veste de seu Orixá.
Mãe Menininha era quituteira e modista… ou seja, tinha uma profissão para seu sustento. No Candomblé, ninguém vive às custas dos Orixás nem os Orixás cobram para serem orixás, pois são entidades, não precisam de nada.
O Brasil é um país diverso e a gente se orgulha disso; por causa disso o Estado é e tem que ser laico
Estado laico
É um Brasil de todas as religiões, de todos os povos que aqui aportaram. Dos negros do Senegal, do Congo, da Nigéria e de Angola formou-se o Candomblé brasileiro que fala kibundo e iorubá, principalmente, que se tornou um léxico para as cerimônias.
O Brasil recebeu contribuições do mundo que falava árabe ou ladino, das centenas de línguas e religiões do povo que vieram da Europa, da Eurásia ou da África, cada um com seu deus, com suas crenças, suas maneiras de cultuar a divindade. É um país diverso e a gente se orgulha disso. Por causa disso o Estado é e tem que ser laico.
Carmem de Oxum, mineira de Curvelo, foi iniciada com 17 anos, já era casada e com filho, e criou uma casa de culto dedicada a Oxum. Hoje, o Centro Cultural Ilê Olá Omi Asé Opo Araka, em São Bernardo do Campo. Cresceu, tem casa de Culto em São Paulo, Santo André e Embu das Artes.
Como negra já sofreu assédio, discriminação por ser mulher e por ser negra… é a fatalidade de estar nesse Brasil escravagista, mas sofreu assedio mais grave, perseguição pelas autoridades do estado e até mesmo prisão. Nas últimas décadas, com a expansão das denominações religiosas pentecostais e neopentecostais, oriundas dos Estados Unidos, sofreu outros tipos de agressão. Quem é que pode demonizar uma religião?
Confira a íntegra da entrevista com Carmem de Oxum:
Paulo Cannabrava Filho, jornalista latino-americano e editor da Diálogos do Sul.
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