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Cannabrava | Terras e trabalhadores são vítimas da exploração predatória no rico litoral de SP

Mais de 60% das crianças e adolescentes brasileiros vivem na pobreza, enquanto riquezas nacionais, como lucro da Petrobras, são entregues a estrangeiros
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Cidades ricas, com condomínios de pessoas ricas, ao serem atingidas por uma catástrofe climática, revelam a verdadeira face da colônia de quinta categoria a que o país foi relegado.

São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba foram as cidades mais afetadas pelos aguaceiros. Além de arrecadarem um bom dinheiro com o turismo e os impostos cobrados dos ricos, elas também recebem royalties do petróleo extraído na Bacia de Santos, do pré-sal. Em 2022, essas cidades receberam 632,8 milhões de reais.

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São 114 cidades com direito a recurso adicional por conta do petróleo e gás. São Sebastião, além disso, possui um porto e um terminal petroleiro. Os condomínios, alguns de alto luxo, geram recursos diretos e indiretos para os municípios, todos eles dotados de infraestrutura hoteleira, desde os mais sofisticados resorts até hotéis de uma a cinco estrelas, pensões e pousadas.

Quem construiu tudo isso? Uma boa pergunta que se complementa com: quem mantém tudo funcionando?

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A Casa Grande do século 19 dava moradia e comida para os escravos; o condomínio de luxo não dá nada, só explora.

Impressiona a mentalidade predadora, exibicionista, de pura maldade dos novos invasores das terras brasílias. Expulsaram os caiçaras e poluíram as águas dos mananciais e do mar. Antes, a pesca era abundante: camarões gigantes, peixe fresco a qualquer hora, alimento farto pelas roças de mandioca e milho, complementado pelas frutas de estação. Hoje, nessas regiões se come peixe importado do Ceasa, em São Paulo, e cozinhas são abastecidas em supermercados. Moderno? Mais para imbecil do que para moderno.

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Em São Sebastião, 37 sentenças judiciais condenaram o município a regularizar a ocupação irregular nas encostas. Na maioria das urbanizações, não há esgoto, resultando em águas contaminadas, tanto dos mananciais quanto das praias. Muitos turistas acabam voltando para casa doentes, rompendo a temporada.

Desde 1500, funciona assim: desembarca, invade, expulsa, depreda e deixa a terra arrasada para expandir a fronteira. Só que ali não há mais para onde expandir, a não ser subindo o morro.

Para onde foi o caiçara expulso?

Para construir os condomínios, vieram os nordestinos. Terminada a obra dos grã-finos, para onde foi o peão? Por que chamam um dos maiores conglomerados em área de risco de bairro “baiano”?

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Baianos são os 200 trabalhadores resgatados de trabalho escravo na semana passada em duas vinícolas na Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul.

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A invasão de turistas e moradores de temporada na faixa litorânea requer serviços. Onde moram a faxineira do condomínio, a copeira do restaurante ou a arrumadeira do hotel? Nunca perguntaram onde moram as centenas de milhares de prestadores de serviços indispensáveis para o funcionamento de uma cidade civilizada. Mas ela é civilizada apenas para os ricos.

Foi necessária uma catástrofe climática para nos perguntar: por que não construíram um bairro popular ao lado do condomínio?

Soado o alarme, conseguiram duas áreas reservadas para construir casas populares para alojar quem ficou sem teto. Anunciaram cerca de 5 mil, mas as necessidades são para 100 mil.

Onde estão essas áreas? Nas encostas, creiam. Em áreas de risco. No plano, o terreno é muito caro e não permite a construção para o povo.

Toda a vertente da serra que dá para o litoral é área de risco…

A floresta — menos de 10% do que foi a Mata Atlântica — é o que segura a fina camada de terra sobre a rocha. Derrubada a floresta, a chuva infiltra e provoca o deslizamento. Não há solução além de preservar a floresta. Pode-se até construir, mas preservando a mata.

Esse é o drama das populações urbanas em todo o país. São Paulo, a maior e mais rica cidade do país, está condenada a estar paralisada e caótica a cada chuvarada. Centenas de mananciais e pequenos riachos foram transformados em esgoto sanitário. Enterraram os rios para construir avenidas sobre eles. Chove, o rio pede passagem, inunda. Além disso, metade da população vive em áreas de risco.

Mais de 60% das crianças e adolescentes brasileiros vivem na pobreza, enquanto riquezas nacionais, como lucro da Petrobras, são entregues a estrangeiros

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
A palavra de ordem é soberania. Libertação nacional e soberania. Soberania sobre os recursos naturais, soberania sobre a moeda e o câmbio




Infância perdida

A Unicef, órgão da ONU para crianças e infância, revela que 63% da população de até 17 anos, 32 milhões de meninas e meninos, vivem na pobreza, ou seja, seis em cada dez de nossas crianças estão em condições de extrema vulnerabilidade. A mesma organização da ONU constata que 11% das crianças e adolescentes, entre 11 e 19 anos, estão fora da escola. Dois milhões de jovens, na melhor fase de suas vidas, são descartados. Se incluirmos crianças de 4 a 10 anos, somam-se outros milhões.

É dramático. É a destruição do futuro. A criança vulnerável não aprende, não evolui socialmente como a dos filhos dos ricos.

Essas crianças são parte das 120 milhões de pessoas, metade da população, que vivem em situação de insegurança alimentar e fora da economia formal, sem emprego, vivendo de bicos ou em trabalhos precários, ganhando tão pouco que mal dá para o sustento.

As pessoas precisam comer e se vestir, mas não têm dinheiro, então compra no cartão de crédito. São 70 milhões de inadimplentes, segundo o Serasa. A situação é agravada pelos juros altos, que variam de 14% da taxa Selic aos 411,5% do cartão de crédito. E ninguém vai preso por usura. Ninguém acode às nossas crianças.

Lula, em campanha, dizia que colocaria o pobre no orçamento e continua reiterando sua intenção em praticamente todas as suas falas. Falas que não repercutem porque não há uma política e uma estratégia de comunicação. Ele entregou o estratégico Ministério das Comunicações a um neófito da política, Juscelino Filho, que não sabe nada sobre as necessidades de comunicação de um governo e que utiliza o cargo público para benefício próprio e dos que lhe são próximos. Setores estratégicos, como o de concessão de rádio e televisão, estão nas mãos de picaretas. Não há planejamento para colocar a comunicação a serviço do desenvolvimento.


Soberania devassada

Lula também disse que acabaria com a equivalência de preço internacional nos combustíveis da Petrobras e entregou a Petrobras para arautos do tal mercado financeiro. Isso sendo a Petrobras a segunda maior provedora de dividendos do mundo, com lucro de 21,7 bilhões de dólares em 2022. Ao dólar de R$ 5,2 de hoje, trata-se de nada menos que 112 bilhões e 840 milhões de reais, quase o dobro dos 70 bilhões reservados no Orçamento para o Bolsa Família deste ano, de 600 reais por família, pouco menos que os 145 bilhões conseguidos para furar o teto de gasto na PEC da transição.

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Os jornais noticiam que o governo pediu à Petrobras para parar de vender ativos por 90 dias. É isso. Perdeu completamente o controle sobre a empresa e pede ao mercado para parar com seu desmonte. A empresa abarcava o ciclo completo: petróleo, extração, transporte, refino, distribuição e petroquímica. Agora, está nas mãos de acionistas estrangeiros.

Como disse Requião no programa Dialogando com Paulo Cannabrava, no canal de YouTube da Revista Diálogos do Sul, na terça-feira, 28 de fevereiro, o governo precisa se concentrar na questão da soberania, ocupar a Petrobras e colocá-la de novo como indutora do desenvolvimento, a ser realizado com investimento em infraestrutura e reindustrialização. O país será soberano, tendo controle sobre a Eletrobras, a Petrobras e o Banco Central.

É isso. A palavra de ordem é soberania. Libertação nacional e soberania. Soberania sobre os recursos naturais, soberania sobre a moeda e o câmbio.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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