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Cannabrava: No Brasil, trabalhador tem que lutar por liberdade econômica e política

Desestatização e desmontagem do Estado colocaram Brasil entre as piores economias do mundo. Sindicalistas devem dialogar e explicar crise para população
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Neste 1º de maio, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) completou 80 anos, mutilada pelos agentes do neoliberalismo. Criada por Getúlio Vargas para regular as relações entre o capital e o trabalho, assegurou por décadas seguidas os direitos dos trabalhadores. Até que, em 2016, o governo ilegítimo de Michel Temer, advindo de um golpe (lawfare) contra a presidenta Dilma Rousseff, com uma canetada, borrou conquistas que custaram anos de suor e sangue dos trabalhadores.

A precarização com desregulamentação do mercado de trabalho se processava desde os anos 1990, quando foi adotada na gestão econômica do governo o pensamento único imposto pelo capital financeiro, sistematizado na cartilha do Consenso de Washington. Com Temer, foi o golpe fatal, a liberalização quase que total do mercado de trabalho. Isso de um lado. De outro lado, o processo de desestatização, privatização, desnacionalização e desmontagem do Estado, submisso a centros de decisão fora do país, violando a Constituição e a Soberania. Desindustrialização e, simultaneamente, precarização do trabalho. Tudo isso sem reação dos setores mais afetados: os trabalhadores.

Desestatização e desmontagem do Estado colocaram Brasil entre as piores economias do mundo. Sindicalistas devem dialogar e explicar crise para população

Pixabay
O Dia do Trabalhador, comemorado no Primeiro de Maio, é conhecido em grande parte do mundo como uma homenagem aos trabalhadores

1º de maio chama à reflexão.

As organizações dos trabalhadores, consagradas pela CLT, perderam o sentido da luta de classe e, por consequência, perderam também a noção perda da soberania e do imperialismo como inimigo principal da humanidade. Conciliaram com o neoliberalismo, que é o mesmo que conciliar com o imperialismo. Nesse processo, aprofundou-se a dependência, transformou-se o país em mero produtor de commodities agrícolas e minerais.

O governo que tomou posse em janeiro de 2023 foi eleito numa maré contra esse status quo. Esse é o grande desafio para o presidente Lula: Reverter a ordem econômica, assumir o controle dos centros de decisão. De todos. Além de recuperar a soberania e a independência nacionais.

Devolveu-se o pobre ao Orçamento da União. Mas já não são 30 milhões os excluídos. O retrocesso em 40 anos de neoliberalismo foi tamanho que um “país” de 100 milhões de habitantes está excluído da economia formal e em regime de subnutrição. O analfabetismo funcional ultrapassa 70% da população. A correlação de forças na arena política segue desigual. Poder-se-ia dizer que a direita nos dá de 7 a 3 no Parlamento. Com sabedoria e habilidade, Lula está conseguindo formar uma base de apoio. Justifica os 37 ministérios que compõe seu governo. Ministério demais para seguir a tradição do é “dando que se recebe”, afinal, é preciso dar prebendas para receber apoio. É o sistema. É a práxis desde a instalação da República.

Um ministério tão heterogêneo prejudica a governabilidade, torna difícil a execução de um projeto. Aliás, projeto que não há. A unidade entre os ministros tem que se dar em torno de um Projeto Nacional. E com as técnicas e o aparato de comunicação disponível fazer com que o povo conheça e apoie o projeto. Deve, por exemplo, em cadeia nacional, explicar como o Banco Central está prejudicando o desenvolvimento, mantendo a mais alta taxa de juros do planeta: 13,75%.

Como fez Lula no ato de 1º de maio, em cadeia nacional, quando anunciou o aumento do Salário-Mínimo para R$ 1.320 e da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 2.640, com a promessa de chegar à isenção até quem ganha R$ 5.000.

O salário do trabalhador caiu 6,9% de 1921 para 2022, enquanto o ganho dos executivos das empresas subiu 23,8%, como informou a Oxfam, com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por outro lado, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), para cumprir o preceito constitucional de sustentar uma família, o Salário-Mínimo deveria estar em torno de R$ 5 mil. A recuperação dos salários deve ser uma bandeira dos sindicalistas, não pleitear participação no governo. As mais de uma dezena de Centrais Sindicais realizaram atos unitários nas várias capitais em comemoração ao primeiro de maio. É um avanço em direção à unidade necessária. Lula precisa do apoio das massas trabalhadoras para conseguir devolver direitos que foram usurpados, principalmente o direito ao trabalho, o emprego que só aparece com o desenvolvimento em todas as áreas, fundamentalmente com a reindustrialização.

A regra de que é preciso dar para receber não pode valer para os trabalhadores.

Lideranças assumindo cargos de governo ou em conselhos de instituições como Fundos de Pensão liquidam com a independência da classe trabalhadora. O papel da liderança sindical é estar junto às bases, esclarecendo a situação difícil do governo, formando base de apoio consistente por ser consciente.

O papel do trabalhador organizado é o de dialogar com o governo, desde uma posição de independência, cobrar as reivindicações de classe. Este não é um governo dos trabalhadores para assumir cargos. Este é um regime em que mais de mil pessoas foram resgatadas de trabalho escravo. Há muito o que lutar para mudar isso, e só muda com apoio de massa e consciência de que se trata da libertação nacional. Libertação Nacional interessa a todos.

Pior do mundo em 43 anos

O Brasil figura entre as piores economias do mundo: saiu de um crescimento de 4% em 1980 para emplacar uma alta de 2,3% em 2022. A medição realizada pelo FMI não é pelo PIB comum, mas pela Paridade do Poder de Compra. 

Nessa classificação, o Brasil aparece na posição mais baixa no PIB global em 43 anos. É a idade do pensamento único imposto nos anos 1990, é a mais clara evidência do fracasso do modelo neoliberal. Contudo, os neoliberais resistem.

As décadas de 1980 e 1990 ficaram na história como décadas perdidas. Agora se dão conta e estão tentando, ou melhor, admitindo, que são necessários investimentos produtivos, que o capital financeiro tem que financiar também a produção. De fato, é necessária uma volta ao capitalismo desenvolvimentista. A conjuntura para isso é favorável, mesmo os EUA estão tentando esse caminho.

Vírus da privatização

Impressionante. Mesmo após o governo federal anunciar o fim das privatizações, nos estados federados governos continuam a insistir em privatizar setores estratégicos, como da produção de energia ou de saneamento básico. 

Estão em jogo para serem privatizadas a Companhia Paranaense de Energia (Copel), do Paraná, a Companhia Energética de Minas Gerais S.A (Cemig), em Minas Gerais e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), em São Paulo. Além disso, a Eletrobras segue na berlinda. Em quarenta anos de recessão imposta pelo modelo neoliberal, o desemprego chegou a 14%. Agora está entre 8 e 9%. Parece que reduziu, mas é ilusão porque aumentou o número dos que estão fora do mercado de trabalho: os 100 milhões que estão na informalidade.

Há que seguir lutando pela mudança de conceito, capitalismo financeiro versos capitalismo produtivo. Isso só é possível com intervenção do Estado, sendo ele o indutor do desenvolvimento. No caso brasileiro, é preciso aprofundar o conceito de libertação nacional e difundi-lo por todo o país. Conseguir ser livre, donos dos centros de decisão já será um grande avanço.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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