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Busca de lucros, preços altos e baixa qualidade causam desprivatizações em 60 países

Nas últimas duas décadas, 884 serviços prestados pelo setor privado, como saneamento, transporte e distribuição de água e energia foram reestatizados
Marcio Pochmann
Rede Brasil Atual
São Paulo (SP)

Tradução:

A crise da globalização instaurada desde 2008 produziu efeitos traumáticos diversos, gerando questionamentos, inclusive da rainha Elizabeth II que durante visita a uma das principais escolas inglesas de difusão do receituário neoliberal indagou, sem resposta, a respeito das razões do generalizado colapso creditício. Lembrando que não fossem as diversas iniciativas antiliberais adotadas pelos governos da época, a intensidade e profundidade da crise seriam ainda mais graves, apenas comparáveis à Depressão de 1929.

Nos Estados Unidos, por exemplo, somente o governo central chegou a comprometer 700 bilhões de dólares nas operações de estancamento da crise instalada no interior do setor privado. Do total de recursos públicos liberados, por exemplo, 36% foram para salvar os bancos, 12% para evitar a quebra generalizada do complexo automobilística e 10% para assegurar a solvência da seguradora AIG.

De lá para cá, silenciosa e gradualmente o Estado foi sendo recuperado em diversos países, outrora defensores do neoliberalismo e praticantes da privatização. Exemplos disso podem ser constatados em inúmeras empresas que foram reconvertidas em empresas públicas devido ao fracasso da privatização, como nos serviços públicos.

O Transnational Institute (TNI) sediado na Holanda contabilizou no período de 2000 a 2017, a reestatização de 884 serviços prestados pelo setor privado no mundo, sendo 83% delas transcorridos a partir da crise global (2008), sobretudo nos serviços essenciais como saneamento, transporte, distribuição de água, energia, coleta de lixo e outros.

A desprivatização que alcançou quase 60 países como os EUA, Alemanha, França, Índia, Moçambique, Canadá entre outros pode ser justificada pela constatação generalizada que as empresas privadas, ao priorizarem o lucro, terminaram por aumentar os preços e prestarem serviços insatisfatórios. Somente a reestatização dos serviços de saneamento aconteceu em cerca de 270 cidades no mundo, como em Paris e Berlim.

Também tem importância ressaltar a reversão das experiências anteriores de privatização dos sistemas públicos de aposentadoria e pensão. Segundo a OIT, por exemplo, 2 países a cada 3 que adotaram regimes de capitalização previdenciária entre 1981 e 2014 terminaram abandonando-os devido à generalização dos impactos sociais e econômicos extremamente negativos (custos fiscais e administrativos elevados, valor decrescente das aposentadorias para patamar muito baixo, cobertura reduzida da população pela previdência privada e crescimento da desigualdade de renda e da pobreza entre os mais velhos).

Nas últimas duas décadas, 884 serviços prestados pelo setor privado, como saneamento, transporte e distribuição de água e energia foram reestatizados

Rede Brasil Atual
Manifestação pede volta de empresa de transporte volte ao controle do Estado inglês

No caso da atuação empreendedora do Estado, comprova-se ainda mais ao movimento de retomada das empresas estatais. Em 2015, por exemplo, cerca de 1/4 das 500 maiores empresas do mundo eram controladas pelo Estado, enquanto 10 anos antes (2005) não chegavam a 10%.

Atualmente, conforme a Revista Forbes de 2018, constata-se que entre as 10 maiores empresas do mundo por total de ativo 7 estatais. Quatro são bancos chineses, duas empresas de crédito imobiliário pertencem aos Estados Unidos e um é o conglomerado dos correios do Japão, cujo valor do total dos ativos supera em muitas vezes as empresas privadas como a Apple, Facebook, Amazon, Microsoft e outras.

Do total do PIB mundial, cerca de 1/10 depende diretamente das atividades desenvolvidas por empresas estatais situadas em vários setores como telecomunicações, transporte, energia, petróleo e gás e outras. Das 21 maiores empresas petrolíferas do mundo, por exemplo, 13 são estatais.

O avanço na retomada das estatais se generaliza em países de distintas realidades. Só na França, por exemplo, a quantidade de empresas controladas pelo Estado saltou de 830 na metade da década passada para 1,6 mil em 2015, ao passo que na Bolívia o processo de estatização consolidou o crescimento econômico e estabilidade política com 30 estatais respondendo por 40% do PIB nacional.

Já no caso alemão, a peculiaridade localiza-se na existência de quase 16 mil empresas públicas, cuja concentração em cerca de 90% delas nos governos locais suporta a geração de mais de 10% do PIB nacional, o quarto maior do mundo.

Em grande medida, o esforço de diversas nações em superar a crise global gerada pela adoção do receituário neoliberal pode ser compreendido pela emergência da revalorização do Estado e das empresas públicas. Ademais, a China, o país com a mais notável ascendência internacional recente chega a deter 150 mil empresas estatais, sendo 9,1 mil delas operando com sucesso em 185 países.

Apos ter registrado a privatização de mais de 120 empresas estatais desde 1990, os porta-vozes do dinheiro no Brasil seguem propagando acriticamente o contrário, sobretudo com ascensão do governo Temer e agora do de Bolsonaro que aplicam cegamente o receituário neoliberal.

A imposição recorrente da redução do Estado por meio da asfixia orçamentária nos serviços públicos e a adoção da privatização no setor produtivo estatal vêm acompanhadas do interesse governamental de tornar privado todo o sistema público de aposentadoria e pensão pela aprovação do regime de capitalização.

Neste cenário, o Brasil converte-se no próprio exemplo da jabuticaba internacional. Por força de um governo retrógrado e de elites portadoras dos interesses mais imediatos do dinheiro, ganha relevância na atualidade o equívoco de ultrapassada importação das medidas neoliberais pré-crise global de 2009 que, por serem amplamente fracassadas no exterior, terminaram sendo abandonadas.

Sem o Estado forte, não há registro de mercado eficiente.

¨*Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
e-mail: pochmann@unicamp.br

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Marcio Pochmann

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