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Campanha anticorrupção pressiona políticos

Revista Diálogos do Sul

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Duas novas fontes de informação nas mãos do Ministério Público ameaçam deixar em colapso o sistema político do Brasil, dilacerado pelo escândalo de corrupção que já levou à prisão mais de 60 empresários e políticos.A detenção, no dia 19 deste mês, do ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, pode abrir uma caixa de Pandora, segundo a crença generalizada sobre seu estilo de liderança, apoiado por negócios obscuros.

Mario Osava*

Deltan Dalagnol é procurador da República e coordenador da força-tarefa daOperação Lava Jato, que investiga e julga crimes de corrupção envolvendo a Petrobras. Foto: Pedro de Oliveira/Fotos Públicas
Deltan Dalagnol é procurador da República e coordenador da força-tarefa daOperação Lava Jato, que investiga e julga crimes de corrupção envolvendo a Petrobras. Foto: Pedro de Oliveira/Fotos Públicas

As revelações de Cunha, que fez carreira no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),podem fulminar o novo governo encabeçado por Michel Temer. A isso se soma o acordo do conglomerado Odebrecht, que reúne a principal construtora, a maior petroquímica privada do país e outras grandes empresas, para colaborar com a justiça nas investigações sobre desvio de milhares de milhões de dólares da Petrobras.
Cerca de 50 diretores da Odebrecht fornecerão dados sobre subornos e financiamento ilegal de campanhas eleitorais que podem envolver mais de 200 dirigentes políticos de destaque, segundo uma lista conhecida desde março deste ano. O grupo empresarial tinha um departamento só para cuidar das transações irregulares.
Marcelo Odebrecht, que presidia o grupo até ser detido, em junho de 2015, resistiu à “delação premiada” para reduzir penas, e à qual já aderiram mais de 50 acusados na Operação Lava Jato. Foi convencido por seu pai, Emilio Odebrecht, patriarca da família e presidente do conselho de administração das empresas, para evitar a quebra do grupo.
A Lava Jato, iniciada em março de 2014, é até agora a operação mais efetiva contra os empresários, porque a maioria dos políticos envolvidos desfruta de fórum privilegiado. Parlamentares e membros do Poder Executivo, como o presidente e governadores, só podem ser julgados pelo Superior Tribunal Federal (STF), cujos julgamentos costumam demorar anos, pelo acúmulo de tarefas, incluindo a de dirimir controvérsias constitucionais.
Por isso, dezenas de parlamentares seguem ativos, mesmo estando imputados ou denunciados em vários processos judiciais, não só na Lava Jato. É o caso do presidente do Senado, Renan Calheiros, sob investigação em cerca de dez casos de corrupção e lavagem de dinheiro.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, em entrevista coletiva, protestando contra a presença de membros da Polícia Federal nessa casa legislativa, para deter quatro policiais do Senado acusados de obstrução das investigações sobre corrupção de parlamentares. Foto: Cortesia EBC (Empresa Brasileira de Comunicação).
O presidente do Senado, Renan Calheiros, em entrevista coletiva, protestando contra a presença de membros da Polícia Federal nessa casa legislativa, para deter quatro policiais do Senado acusados de obstrução das investigações sobre corrupção de parlamentares. Foto: Cortesia EBC (Empresa Brasileira de Comunicação).

O mecanismo também permitiu a Cunha permanecer como presidente da Câmara por um ano e meio, apesar das denúncias de manter contas ilegais na Suíça e abusar de seus poderes para travar os trâmites da Comissão de Ética, que discutia a possibilidade de anular seu mandato parlamentar.
Foi necessário o STF, em decisão de duvidosa constitucionalidade, suspender sua presidência da Câmara para a conclusão do processo que durou 11 meses, período sem precedentes, até condená-lo por violação do decoro parlamentar e afastá-lo da vida pública por oito anos.
Não tiveram essa sorte dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Brasil de 2003 a 12 de maio de 2016, quando a ex-presidente Dilma Rousseff foi afastada do cargo para responder ao processo de impeachment, que terminou com sua destituição no dia 31 de agosto.Além disso, estão presos José Dirceu e Antonio Palocci, ex-deputados e ex-ministros do partido, apontados como possíveis sucessores de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente entre 2003 e 2010.
Sem mandato parlamentar ou cargo no governo, foram presas fáceis do juiz Sergio Moro, que coordena a Lava Jato e recebe elogios como grande herói do combate à corrupção no país.E o mesmo poderá ocorrer com Lula, acusado em três processos como receptor de vantagens indevidas de empresas favorecidas em contratos com a Petrobras e sob investigação em outros casos de corrupção. Em uma suposta lista da Odebrecht, aparece como beneficiário de R$ 8 milhões, segundo a imprensa.
Lula rechaça as acusações e as atribui a uma tentativa de destruir o PT e seu “projeto político”, que beneficiou milhões de brasileiros pobres.As “delações” de Cunha e dos executivos da Odebrecht multiplicariam as denúncias contra políticos de todos os partidos relevantes, dificultando a sobrevivência de líderes parlamentares e arruinando ainda mais a já escassa credibilidade dos políticos brasileiros.
Além disso, a pressão popular para que o STF julgue com mais rapidez os parlamentares, ministros e governadores envolvidos em casos de corrupção pode chegar a ser irresistível. De fato, está em jogo todo o sistema político construído desde a década de 1980, quando caiu a ditadura militar instalada no Brasil desde 1964.
O próprio presidente Temer, que é próximo a Cunha, foi mencionado em delações premiadas como receptor de dinheiro proveniente de corrupção para financiar campanhas eleitorais do PMDB, partido que tende a ser o principal alvo das novas denúncias, como o PT tem sido até agora.
A tensão gerada por esta nova fase da campanha anticorrupção agravou os conflitos entre os poderes Legislativo e Judiciário.O presidente do Senado defende a aprovação de uma nova lei que puna abusos de autoridade, delitos que, em sua opinião, aumentam entre órgãos de Justiça, como o Ministério Público, a Polícia Federal e inclusive entre alguns juízes.
O projeto procura frear o combate à corrupção, segundo Moro e os procuradores, acusados por seus críticos de excederem os limites legais com ações como prisões preventivas durante meses, interrogatórios sob condução coercitiva injustificada de muitos suspeitos, inclusive do ex-presidente Lula, e vazamento de depoimentos secretos.
O Ministério Público propôs dez medidas de combate à corrupção em um projeto de lei apoiado por dois milhões de eleitores signatários. Os parlamentares, já ameaçados pelas investigações conduzidas por Moro tenderiam a rechaçar a proposta, mas também temem desafiar a opinião pública.
As discrepâncias degeneraram em um conflito com a detenção de quatro policiais do Senado, no dia 21 deste mês. Renan Calheiros chamou de “fascistas” os métodos da Polícia Federal, que executou a ação. Um simples “juizeco” de primeira instância não poderia autorizar a invasão do Poder Legislativo como foi feito, queixou-se, o senador.
A deterioração da situação torna mais urgente uma reforma política, uma cobrança generalizada há tempos, mas, com centenas de políticos lutando para sobreviver, parece impossível que os parlamentares aprovem soluções expiatórias.
*Diretor da IPS no Brasil e colabora com Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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