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Camponeses moçambicanos derrotam o agronegócio transnacional brasileiro

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Os empresários do agronegócio do sul se parecem com os do norte: eles sonham com lucros fáceis cultivando culturas comerciais em detrimento da agricultura familiar. Assim nasceu o projeto ProSavana, que une o Japão e o Brasil a Moçambique. Entretanto, a inédita resistência de camponeses dos três Estados conseguiu interromper a operação que não passa de um projeto de grilagem disfarçado de desenvolvimento.

Por Stefano Liberti, do Le Monde Diplomatique Brasil*

Nakarari, aldeia perdida no meio do mato no distrito de Mutuali, 2 mil quilômetros ao norte de Maputo. Sob uma mangueira, sentados no chão ou em bancos de madeira cambaleantes, uns quarenta homens e mulheres recebem os visitantes. Em volta deles, crianças saltam como molas cada vez que cai uma manga do galho. O secretário da aldeia toma a palavra. O rosto marcado pelo sol e as mãos calejadas de quem trabalha a terra há muito tempo. Agostinho Mocernea é rigoroso: “Não devemos acreditar no que diz o governo. Temos de continuar dizendo não”. Em seguida, ele passa a palavra para os representantes de organizações camponesas recém-chegadas dos povoados vizinhos. “O governo está diante de um impasse”, afirma Dionisio Mepoteia, da União Nacional de Camponeses (Unac). E prossegue: “Nossa luta permitiu obtermos uma primeira vitória histórica. Impedimos a pilhagem e reafirmamos que a terra nos pertence, que a cultivamos há muitas gerações”. E o quadragenário com voz aguda acrescenta: “Foi simplesmente graças à nossa unidade que pudemos alcançar esse resultado. É preciso continuarmos unidos”.

A mobilização popular cujo centro nevrálgico é Nakarari deu uma bordoada que, aqui, se espera que seja fatal no maior projeto agroindustrial de toda a África: o ProSavana. O encontro sob a mangueira é simplesmente o último de uma longa série. Mepoteia faz a peregrinação, com frequência, para informar as comunidades rurais sobre o que se passa “na cidade”. Na realidade, a internet ainda é uma miragem nessa área de Moçambique, e os celulares só têm sinal de vez em quando.

 

Uma “parceria inovadora”

 

Resultado de uma cooperação triangular entre o governo de Moçambique, a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica, em inglês) e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC – órgão do Ministério das Relações Exteriores), o ProSavana visa introduzir explorações agrícolas comerciais no corredor de Nacala, uma região que compreende três províncias e dezenove distritos no norte do país. Com uma superfície de 14 milhões de hectares, ou seja, um quarto da França continental, a zona ambicionada é considerada propícia às “culturas de exportação” (soja, algodão, milho) destinadas ao mercado mundial. O Porto de Nacala, no Oceano Índico, ligado à região por ferrovia, oferece vias de escoamento das mercadorias para a China.

O ProSavana se inscreve na grande corrida por as terras agrícolas que, desde 2008, devasta o Hemisfério Sul, particularmente a África subsaariana.1 Desde a crise mundial de alimentos que dobrou, e até mesmo triplicou, o preço dos produtos básicos, a aquisição de áreas para a produção em grande escala seduz os investidores e os aventureiros em busca de rendimentos fáceis. Investem nesse setor não só os grupos alimentícios, mas também atores originários das altas finanças: corretoras, fundos especulativos, fundos de investimento de todas as espécies, operados por indivíduos que trabalhavam até então para bancos comerciais, tais como Goldman Sachs, Merrill Lynch e outros.2 Da Etiópia à República Democrática do Congo, do Senegal ao Sudão, centenas de milhões de hectares foram vendidos não para produções destinadas ao mercado interno, mas para o mercado externo, mais rentável.3Pouco integrado à economia local, um projeto como o ProSavana “reduz a terra a um simples bem mercantil e não leva em conta sua importância para os pequenos produtores rurais”, explica Olivier De Schutter, já há muitos anos relator especial para o direito à alimentação da ONU.4

Imenso (801 mil quilômetros quadrados) e pouco povoado (29 milhões de habitantes), Moçambique se impôs como um destino fulcral nessa corrida nefasta. Já em 2010, por ocasião de uma conferência internacional em Riad, na Arábia Saudita, o ministro da Agricultura, José Pacheco, colocava seu país em promoção ao fazer uma liquidação de suas terras oferecendo contratos de cinquenta anos pelo preço de US$ 1 por hectare: “Esse é nosso preço, pois acreditamos no desenvolvimento compartilhado. Devemos lançar simultaneamente uma nova revolução verde”.5

Por trás da “modernidade” de uma cooperação Sul-Sul “a serviço do desenvolvimento”, o ProSavana altera as relações de produção no campo, transforma os pequenos camponeses em trabalhadores, com contrato por tempo determinado ou indeterminado, das grandes empresas e faz de Moçambique uma plataforma central de produtos agroindustriais a serem exportados para o mundo inteiro. Concebido em 2009 na cúpula do G8 em L’Aquila, Itália, durante as reuniões privadas entre o primeiro-ministro japonês, Taro Aso, e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, o projeto pretende reproduzir uma experiência lendária: a da transformação, entre os anos 1970 e 1990, da savana tropical úmida de Mato Grosso na principal região produtora de soja do planeta. Na época, a metamorfose do Cerrado brasileiro, “a mais importante zona de expansão agrícola do mundo”, segundo o pai da revolução verde, Norman Borlaug, foi realizada com a ajuda de engenheiros japoneses e um financiamento importante de Tóquio. A cooperação triangular do ProSavana se inspira nela, com o objetivo de desenvolver o norte do país com a ajuda de tecnologias brasileiras, confiando às empresas japonesas a comercialização dos produtos, principalmente nos mercados asiáticos.

Desde seu lançamento, o projeto recebeu os cumprimentos de influentes dirigentes mundiais. Em novembro de 2011, por ocasião do 4º Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda em Busan, na Coreia do Sul, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, elogiou o esforço “dessas economias emergentes que trabalham juntas em busca de soluções para os desafios comuns”. O magnata Bill Gates, que comanda diversos programas de desenvolvimento na África por meio da Fundação Bill e Melinda Gates, o exalta como “exemplo de parceria inovadora”.6

Nos bastidores da “parceria inovadora” atua a GV Agro, uma empresa de consultoria ligada à Fundação Getulio Vargas, think tank e escola de ensino superior renomada no Brasil. A GV Agro é dirigida pelo ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que se considera o campeão do desenvolvimento agroindustrial de toda a faixa situada entre os dois trópicos na África. Por outro lado, consultor da companhia de mineração Vale, que extrai carvão na região da província de Tete, o ex-ministro parece eminência parda do ProSavana: é a ele que se deve o paralelo entre Mato Grosso e o norte de Moçambique, assim como a lenda de um desenvolvimento das monoculturas nessas “terras inexploradas”.7 É ele também que organiza visitas à área para possíveis investidores brasileiros. Deve-se ainda à GV Agro o plano diretor do ProSavana e seu mecanismo de financiamento. Lançado com um investimento inicial de US$ 38 milhões pelos governos brasileiro e japonês, o projeto deve ser sustentado por um fundo ad hoc batizado Nacala, que supostamente vai atrair US$ 2 bilhões de investimentos privados. O objetivo declarado do fundo é “gerar rendimentos a longo prazo para seus investidores, estimulando o desenvolvimento econômico local e regional”. Paralelamente, Maputo e Tóquio criam um Fundo para a Iniciativa de Desenvolvimento ProSavana a fim de “sustentar diferentes modelos de integração de pequenos agricultores”.

Esses planos de transformação e de desenvolvimento rural são elaborados bem longe dos pequenos agricultores que vivem na região. “A primeira vez que ouvimos falar do programa foi em agosto de 2011, por meio de uma entrevista dada pelo ministro da Agricultura, Pacheco, a um jornal brasileiro”,8 lembra Jeremiah Vunjane, diretor da Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (Adecru), uma associação de Maputo que dá suporte ao campesinato familiar. “Foi um choque. Nosso governo vendia para o exterior alguma coisa sobre a qual eles nunca tinham falado no país!”, diz com indignação esse antigo jornalista com uma longa barba negra e eloquência de orador: “Essa entrevista nos fez abrir os olhos. Fizemos pesquisas e percebemos que se tratava de um programa de infraestrutura visando abrir as portas de nosso país para as multinacionais do agronegócio”. Fazer as pesquisas não foi muito complicado: no mesmo artigo, empresários brasileiros se declaravam entusiasmados com a ideia de emigrar para o país africano, onde lhes prometiam a concessão de terras por preços irrisórios. “Moçambique é um Mato Grosso no meio da África, com terras gratuitas, poucos obstáculos ambientais e custos de transporte de mercadorias para a China muito mais baixos”, afirmou Carlos Ernesto Augustin, presidente da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (Ampa).

 

 

Terra virgem… habitada por 5 milhões de pessoas

 

Por mais que o diga o discurso forjado pela GV Agro e repetido como um mantra pelos encarregados em promover o projeto, o corredor Nacala tem pouco a ver com o Cerrado. Embora os dois territórios se encontrem na mesma latitude, a zona circunscrita pelo ProSavana é muito mais fértil e, portanto, mais importante para o campesinato local do que seu suposto equivalente brasileiro. E, sobretudo, ao contrário de Mato Grosso, que na década de 1970 não era muito povoado, ela é habitada por 5 milhões de pessoas, em sua maioria pequenos agricultores que produzem boa parte dos alimentos consumidos no país.

Em Moçambique, como em muitos outros países da África, a terra pertence ao Estado e não pode ser vendida. Essa prerrogativa, conferida na independência, em 1975, é garantida pela Constituição de 1990. De acordo com a lei, o governo concede às comunidades ou aos indivíduos um “direito de uso e exploração da terra”, ou Duat (“Direito de uso e aproveitamento das terras”), para cultivar suas machambas, pequenos lotes agrícolas. Nas zonas rurais, porém, ninguém possui o Duat, um documento cuja importância é às vezes subestimada pelos camponeses. Portanto, pode acontecer de a terra mudar de mãos insidiosamente.

A comunidade de Wuacua, em torno de 15 minutos da estrada de Nakarari, por sua vez, tem muita consciência disso. Um dia, em 2012, funcionários do distrito vieram pedir aos habitantes que assinassem documentos. Em troca, eles lhes prometeram uma soma de dinheiro e a realização de “projetos sociais”. Mas tratava-se de outra coisa: a renúncia explícita ao Duat. “Eles foram enganados. Disseram-lhes que iriam participar de um programa de desenvolvimento rural e os fizeram assinar documentos que eles não compreendiam. Receberam uma recompensa entre 4.500 e 6.000 meticais [de R$ 265 a 350] e foram forçados a se mudar”, diz Mepoteia, indignado. Pouco depois, a Agromoz, uma empresa de capital misto brasileiro e português, obteve uma concessão de 9 mil hectares, nos quais ela cultiva principalmente soja. “Eles se aproveitaram do fato de grande parte da população aqui ser analfabeta e não entender muito o português.” Hoje, Wuacua é um povoado fantasma, rodeado de plantações da Agromoz. Seguranças recrutados pela empresa não deixam ninguém se aproximar. A terra é nua, à espera de ser semeada. É impressionante o contraste com a paisagem de Nakarari, onde se estendem pequenas roças de feijão e mandioca, crescem mangueiras e por todos os lados bandos de crianças correm.

Sem ligação direta com o ProSavana, os negócios da Agromoz deixam claras, todavia, as intenções dos que o promovem. Em toda a região, a história de Wuacua e da expropriação das terras se espalha de boca em boca. Instruídos por essa experiência, os representantes dos camponeses desafiam o governo. “Funcionários nos convocaram para a sede do distrito para falar de desenvolvimento. Eles fizeram uma bela apresentação com projeções de imagens. Nós fizemos perguntas sobre a Agromoz, mas eles não nos responderam. Então, não abandonamos a área”, relata Mepoteia. O distrito de Mutuali tornou-se, desde então, o símbolo de uma contestação que, ao longo dos meses, ganha todo o país e ultrapassa rapidamente as fronteiras nacionais.

 

Campanha internacional

 

“Tudo começou com uma viagem ao Brasil”, conta Vunjane. Ao tomarem conhecimento do programa e de suas semelhanças com o que se passou em Mato Grosso trinta anos antes, as organizações moçambicanas decidiram se inteirar da questão por si mesmas. Em novembro de 2013, uma delegação de cinco pessoas partiu para o interior brasileiro. Os participantes voltaram em estado de choque. “Percorremos centenas de quilômetros e só vimos megaextensões de soja. Nem um único camponês, tampouco uma comunidade rural”, lembra Abel Saída, da Associação Rural de Ajuda Mútua (Oram). “Todo o território está desarborizado. Não há nenhuma forma de vida, pois a utilização intensa de pesticidas e fertilizantes criou um deserto. A perspectiva de ver nossa terra transformada em uma paisagem vazia também nos pareceu um pesadelo.” Um documentário elaborado com base na viagem e traduzido nas línguas locais circula em Moçambique.9

“Decidimos passar para a ação, pois continuavam a não nos dar informações”, explica o presidente da Unac de Nampula, Costa Estêvão. Usando com orgulho os símbolos de sua organização, uma camiseta amarela e um boné de beisebol, ele ataca violentamente o governo. “Não somos contra o desenvolvimento, mas acreditamos que os agricultores devem ser envolvidos e consultados”, declara. “Em vez disso, em primeiro lugar, eles arquitetaram o plano sem nos informar. Em seguida, tentaram impô-lo a nós, falando de desenvolvimento rural, mas tirando a terra daqueles que a cultivam havia anos.” Sem perder o fio do discurso, ele cava buracos na terra com uma enxada e semeia milho em sua pequena machamba, a meia hora da estrada de Nampula, dizendo: “Quando finalmente vimos o plano diretor, compreendemos que o que nos propunham era um verdadeiro conto do vigário”. Revelado por um vazamento, o documento elaborado pela GV Agro e por dois escritórios do Japão, Oriental Consulting e NTC International, confirma as inquietações das organizações camponesas. Nele se fala em “empurrar os agricultores das práticas tradicionais de cultivo e de gestão das terras para práticas agrícolas intensivas baseadas em sementes comerciais, insumos químicos e títulos fundiários privados”.10

Inicialmente um simples movimento local, a mobilização ganhou amplitude rapidamente. No Brasil, no Japão e em Moçambique, os movimentos camponeses e as associações compartilham as informações e coordenam suas ações. Vinte e três organizações moçambicanas escreveram uma carta aberta para os governos japonês, brasileiro e moçambicano na qual denunciam “a ausência total de um debate público amplo, transparente e democrático” sobre uma questão “de grande importância social, econômica e ambiental, que tem impacto direto em nossa vida”.11 Umas quarenta organizações internacionais coassinaram o documento e o fazem circular. O mesmo Estêvão se viu, então, catapultado da mata moçambicana para os corredores luxuosos da Câmara dos Deputados de Tóquio. “Fui convidado para me encontrar com parlamentares japoneses. Eu lhes disse que criticamos o ProSavana porque ele coloca em questão nosso modo de vida.”

As manifestações, as missões no exterior, a carta aberta, um movimento de opinião pública que une as organizações camponesas moçambicanas às do Brasil, aos universitários e às organizações da sociedade civil japonesa e europeia: tudo isso fragilizou o projeto. “O protesto alcançou todas as províncias. Nós organizamos caravanas para informar as comunidades e estimulá-las a não aceitar propostas vazias de funcionários”, conta Vunjane. E continua: “Foi duro. Percorremos distâncias enormes, mas conseguimos um resultado extraordinário: pela primeira vez, o governo moçambicano teve de ouvir o povo, que lhe disse alto e bom som que não aceitaria um modelo de desenvolvimento imposto de cima”.

De fato, os que promovem o grandioso projeto de transformação do corredor de Nacala em um novo Mato Grosso começam a perder força. Preocupados em não parecerem agentes de um novo colonialismo agrário, os japoneses foram os primeiros a levantar dúvidas sobre sua pertinência. Os empresários brasileiros que visitaram o país a convite da GV Agro anunciaram que não estão mais interessados. Os técnicos da Agência Brasileira de Cooperação retornaram para o país. E o Fundo Nacala, que supunha levantar US$ 2 bilhões, discretamente fechou. O ProSavana foi suspenso.

 

“O programa é bom, não foi compreendido”

 

“Cometemos um erro de avaliação”, reconhece Hiroshi Yokoyama, responsável pelo ProSavana na Jica. Na sede da agência, em um prédio moderno no centro de Maputo, o funcionário admite francamente que nenhum estudo de viabilidade foi realizado. “No início pensamos que seria possível reproduzir a experiência de Mato Grosso. Em seguida, percebemos que os dois contextos eram bem diferentes e que não era adequado executar o modelo de desenvolvimento brasileiro aqui.” Yokoyama se refere, hoje, a um necessário “apoio aos pequenos produtores” e rejeita qualquer agricultura de grande escala, que, no entanto, era o cerne do projeto. “Estamos reescrevendo o plano diretor com um mecanismo de consulta às comunidades rurais relacionadas”. A GV Agro não faz mais parte do processo. Os responsáveis por ele afirmam ter aprendido a lição e propõem uma volta ao ponto de partida.

Cerca de dez anos depois de seu lançamento oficial no G8 de L’Aquila, o ProSavana faz referência a um casamento naufragado antes mesmo da cerimônia. Se os japoneses investiram uma grande quantidade de dinheiro e de prestígio para abandoná-lo, os brasileiros já caíram fora. E Maputo, que sonhava transformar o país em plataforma central do agronegócio africano, está gerando um simples plano de cooperação, ainda no papel, no qual parece não acreditar mais…

Basta ir ao Ministério da Agricultura para observar esse rebaixamento. A sede do que havia sido concebido como o maior projeto de desenvolvimento agrícola da África foi relegada ao fundo de uma ala secundária do prédio. Em uma sala vazia, sem computador nem telefone, atrás de uma mesa sobre a qual se distinguem minibandeiras de Moçambique e do Japão, encontra-se o coordenador nacional do ProSavana. Antonio Limbau se viu encarregado da penosa tarefa de negar a evidência: “Jamais tivemos a intenção de importar o modelo brasileiro do Cerrado. Sempre quisemos promover um desenvolvimento rural adaptado a nosso país, favorecendo as pequenas, médias e grandes empresas. A soberania alimentar de nosso povo é nossa prioridade”, afirma de modo peremptório. Segundo ele, o projeto vai avançar, “apesar dos atrasos e mal-entendidos”.

No corredor de Nacala, porém, o ProSavana parece um fantasma. Solitário como uma catedral deslocada no meio da savana, na periferia de Nampula encontra-se um laboratório de análise dos solos, uma das raras entidades do plano concretizadas. No prédio vazio e desolado, alguns estudantes e um agrônomo propõem sem entusiasmo a demonstração de seus aparelhos. Americo Uaciquete, responsável pelo ProSavana na província, recita a tese oficial: “O programa é bom, mas não foi compreendido. Tudo está congelado agora”.

A poucas horas da estrada, sob a mangueira de Nakarari, basta pronunciar a palavra “ProSavana” para ver as fisionomias se entristecerem de raiva. “Eles podem vir mil vezes, jamais nos convencerão”, martela Mocernea. Perto dele, Vunjane, que proclama sua satisfação por ter conseguido uma “vitória histórica”, no entanto, mostra-se prudente: “O governo mudou o discurso. Mas continuamos atentos, pois ele voltará ao ataque”.

 

*Stefano Liberti é jornalista e cineasta. Esta reportagem contou com uma bolsa do Pulitzer Center on Crisis Reporting. Ela está ligada a um documentário sobre a indústria global da carne e da monocultura de soja, realizado pelo autor e por Enrico Parenti, e cuja estreia está prevista para o segundo semestre de 2018 (www.soyalism.com).


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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