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Cannabrava | Brasil precisa conquistar independência e soberania nacional

O mito de que havia um Brasil poderoso no Império se desfaz como castelo de areia; foram décadas perdidas em disputas políticas estéreis
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

* Atualizado em 7 de setembro de 2022 às 10h13.

Sete de setembro de 1822, a independência. Um arranjo de família: Pedro fica com o que era parte do reino de Brasil, Portugal e Algarves e estabelece o império. Não durou muito…. de crise em crise renuncia, volta pra Portugal e deixa uma criança como herdeira do trono. 

Tivemos Regência Trina, Regência Una, esta quase que republicana, despótica para alguns, enfim, a Regência foi um período tão tumultuado que decidiram antecipar a maioridade do pequeno Pedro. 

O que foi o Império? 

Tem várias versões: para os monarquistas, em muitos livros com pretensão de ser de História, o Brasil era uma grande potência com moeda forte e presença internacional. A História mostra um Brasil que não se livrou do colonialismo e ainda ganhou, de sobremesa, extrema dependência da Inglaterra, potência hegemônica construindo um império onde o sol não se punha. Portugal igualmente dependente.

As disputas políticas, na corte, no Parlamento, em torno da formação do governo, o gabinete ministerial, se dava polarizada entre o Partido Conservador e o Partido Liberal. Raramente surgiram uma que outra força dissidente, como o Progressista e até mesmo Republicano, que no final mesmo com grande presença na Câmara não se impunha sobre bipartidarismo.

A eleição de 1860, por exemplo, colocou no governo os liberais, depois de terem sido massacrados por quatro décadas, no lugar de um governo conservador fraco e fracassado. Na realidade foi o povo nas ruas que derrubou o ministério. O rei reina, mas não governa diziam os jornalistas republicanos.  

Havia, sem dúvida, um fermento revolucionário liberal e republicano. 

Mas a Revolução Liberal não se realizou, frustrada certamente por excesso de conservadorismo nas hostes liberais. A Revolução ganhou as ruas, a rebeldia se insurgia por toda parte, mas as transições foram abortadas, impôs-se sempre a preservação do status quo.

A Guerra contra o Paraguai, iniciada em 1864 e terminada em março de 1870, teve a virtude de provocar a unidade nacional em torno da coroa e apaziguar os ânimos revolucionários. Para a guerra Caxias juntou 20 mil soldados e recompôs a armada. Temiam o déspota do Paraguai e Pedro precisava de união nacional.

O que se configura durante a guerra é uma autocracia. E contra ela surgem movimentos libertários, contra a escravatura, pela República. Em 1869 se insurgem e proclamam: ou Reformas ou Revolução. Queriam reforma eleitoral e emancipação dos escravos. 

Instável desde o 7 de abril de 1831, renúncia de Pedro I e a conturbada Regência, 1870 pode ser tomado como o marco do início do declínio do Império. Os liberais estão revoltados e ganham reforço dos republicanos. Mas, são partidos de natureza dinástica, mal definidos programaticamente, em que se impõe a disputa pelo poder entre egos, fracionando as frentes que se formavam. 

O Manifesto Republicano é de dezembro 1870, firmado por liberais radicais (do Partido Liberal) publicado no jornal A República, do Rio de Janeiro, elaborado por Quintino Bocaiuva, Saldanha Marinho, Aristides Lobo, numa lista de 60 próceres, políticos e profissionais formadores de opinião. 

O mito de que havia um Brasil poderoso no Império se desfaz como castelo de areia; foram décadas perdidas em disputas políticas estéreis

Reprodução
Em sete de setembro de 1822, Pedro fica com o que era parte do reino de Brasil, Portugal e Algarves e estabelece o império.

Logo em seguida, em 1873, realiza-se em Itu, interior de São Paulo, a primeira Convenção Republicana, reunindo a nata da oligarquia cafeeira paulista. Dai surgiria o Partido Republicano Paulista, e réplicas pipocaram por todos os estados. Partidos oligarcas que vão configurar o que ficou na história como República Velha. Velha em todos os sentidos, não soube ou não quis preparar o país para a modernidade, consoante com a revolução industrial. 

Silveira Martins pregava a revolução com participação popular. A própria elite liberal conduziu ao fracasso sua revolução. De 1878 a 1780 a confusão no governo era tamanha que são os conservadores que dão sustentação aos liberais. O 13 de maio de 1888, por exemplo, foi obra de um gabinete conservador, enquanto os liberais se confundiam com os monarquistas.

Até o positivismo que animou intelectuais e uma geração de jovens militares foi logo suplantado pelo fervor religioso oligarca e o poder do clero, a Igreja de Roma.

Feijó, Paraná, Mauá, estadistas, como chefes de gabinete queriam impulsionar o progresso, industrializar, construir ferrovias, mas fracassaram no intento. Se impunham os interesses da velha Inglaterra. Londres mandava, mas não em tudo. De 1826 à 1850 demorou o governo para extinguir o tráfico e o comércio de escravos, decretado e exigido pela Inglaterra. Assim mesmo, o contrabando continuou e até hoje se tem trabalho escravo.

A República Velha, dos oligarcas do café-com-leite, durou até a Revolução de 1930, agora sim, finalmente uma revolução liberal e modernizadora. É a revolução dos tenentes que empolgou setores da classe média e da oligarquia liberal. A Constituição de 1946 marca a recomposição das oligarquias e a fundação de uma partidocracia que tornou o país ingovernável, e vai ser elemento de atraso ao desenvolvimento e a impedir a construção de um estado independente e soberano. Mostro isso no meu livro A Governabilidade Impossível – reflexões sobre a partidocracia brasileira.

A diferença entre um país dependente e outro independente

O mito de que havia um Brasil poderoso no Império se desfaz como castelo de areia. Não tinha dinheiro e o orçamento era consumido pela dívida interna e principalmente a dívida externa. Décadas perdidas em disputas políticas estéreis, entre uma minoria ilustrada, formada na Europa, que não reconhecia direitos ao povo que crescia rapidamente.

Ao instalar-se a República em 1889, havia em todo o território nacional pouco menos de 10 mil km (9.228) de ferrovias, um nada ligando alguns portos. Em 1954 chegamos a 38 mil Km e na década seguinte começam a privilegiar as rodovias em detrimento das ferrovias e hidrovias. Isso considerando que o país tinha tecnologia para produzir seus próprios trilhos e inclusive locomotivas.

Para se ter uma ideia comparativa do que isso significa de perda de tempo, atraso no desenvolvimento, os Estados Unidos, na passagem do século IX para o XX tinham seis redes ferroviárias, 382 mil Km de duplo trilhos, oito voltas à terra. Canadá também tinha linhas férreas que cortavam o continente do Atlântico ao Pacífico, toda Europa era conectada e na Rússia, a transiberiana, de Moscou a Vladisvostok atravessa nove fusos horários.

Notas:

¹ Padre Diogo Antonio Feijó (1784-1843), o Regente Feijó, eleito regente (1834-1837) único pela Assembleia, foi deputado, senador, ocupou vários ministérios, líder liberal.

² Marques do Paraná, Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856) o mais liberal entre os conservadores, foi presidente (governador) de Pernambuco e do Rio de Janeiro, ocupou vários ministérios e presidiu o Conselho de Ministro.

³ Visconde de Mauá, Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), industrial e banqueiro, foi deputado, liberal e abolicionista, criou o primeiro banco brasileiro e as primeiras linhas férreas.

Fonte: Euclydes da Cunha, Marjem da Historia – Porto 1909 – 1ª edição

Paulo Cannabrava Filho, jornalista latino-americano e editor da Diálogos do Sul.


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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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