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Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Cannabrava | Depoimento dos golpistas confirma envolvimento das forças armadas

Há que ver se vão punir os altos oficiais das forças armadas; de não fazê-lo, estarão conspirando e atuando para desestabilizar o governo
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

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Investigações conduzidas pela Polícia Federal confirmam o que vimos denunciando desde a campanha eleitoral de 2018 e durante os quatro anos de governo dos militares, governo espúrio porque derivado da fraude: as forças armadas como instituição se envolveram no golpe frustrado de 8 de janeiro. 

A campanha eleitoral foi uma operação de inteligência planejada no curso de um decênio para captura do poder pelas forças armadas e o poder foi por elas exercido como instituição, não por alguns oficiais, se bem que no exercício do poder eles se organizaram ao estilo das máfias.

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Tivemos um governo dos militares encabeçado pelo capitão Jair Bolsonaro a exercer o papel de diversionismo, ou seja, a função de distrair a atenção do público, manter a tensão social num nível conveniente.

Os militares tinham planejado permanecer no poder por no mínimo dez anos. A campanha de 2022 foi outra operação de inteligência. Diálogos do Sul publicou o Manual de Guerra Psicológica, que eles utilizaram a risca tanto na campanha de 2018 como na de 2022. Eles tinham certeza da vitória e tinham um plano B, a captura do poder através de um golpe de estado.

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Todas as evidências levam a Bolsonaro como sendo quem tramou o golpe. Pode ser uma armação. Toda culpa num bode expiatório salvando os demais oficiais. A dúvida que fica é: o que levou o comandante do Exército a não aceitar o golpe, ao que parece, na última hora?

Um surto de razoabilidade ou veio ordem lá de cima? É sabido que à Casa Branca não interessa uma republiqueta de banana ao sul do Rio Bravo. A equação é simples: que não fique um só participante sem punir.

Por que não deu certo o golpe? Boa pergunta que tem que ter resposta. Há que investigar por que não deu certo o plano B. Foi frustrado pela defecção do então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e o comandante da Força Aérea, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, na última hora. 

Freire Gomes diz ter deixado claro que o Exército não participaria do golpe. Então, diante dessa evidência, por que o capitão insistiu? Contava com que se armaria o caos, com isso poderia invocar estado de sítio e constitucionalmente, pelo GLO, intervir no Palácio do Planalto.

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No celular do tenente-coronel Mauro Cid e em seu depoimento ficou claro que Bolsonaro revisou a minuta com o plano do golpe, com o decreto para convocar novas eleições e prender algumas proeminentes figuras como os supremos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Também na lista o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). O presidente da Câmara, Arthur Lira, não consta na relação.

Se consumado o golpe, prenderiam também Lula e tantos quanto se opusessem a seus desígnios.

A operação da PF sobre a tentativa de golpe investiga Bolsonaro e seus aliados com 33 mandados de busca e apreensão, com mandado de prisão e 48 medidas cautelares.

Os indiciados incluem, entre outros, os generais Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional; Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil e candidato a vice de Bolsonaro na eleição de 2022; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes; general Theophilo, chefe do comando de operações terrestres; almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; além do coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens da Presidência, e Felipe Martins, ex-assessor internacional, ambos presos.

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O general Theophilo usou da alta patente para influenciar e incitar colaboração dos soldados e oficiais para participarem do golpe. As forças especiais conhecidas como “kids pretos” seriam utilizadas para prender o ministro Alexandre Moraes do STF e demais autoridades.

O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, ofereceu suas tropas para apoiar o golpe. 

Freire Gomes foi taxativo em rechaçar participação na intentona e diz que ameaçou com prender o presidente. Por que não prendeu? Por que não denunciou publicamente? Segundo depoimento, Braga Netto, que era vice na chapa de Bolsonaro, chegou a chamar Freire Gomes de “cagão”. 

O general Heleno, ficou claro nos depoimentos à PF, defendia realizar o golpe antes das eleições, queria “virar a mesa”. Também mobilizou o diretor da Abin, Victor Carneiro, para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais dos adversários. 

Para a Polícia Federal, havia uma organização criminosa chefiada aparentemente por Bolsonaro, mas que na realidade era integrada por generais da ativa e da reserva. Há que ver se vão punir os altos oficiais das forças armadas. De não fazê-lo, eles estarão conspirando e atuando para desestabilizar o governo. 

Bolsonaro, na manifestação multitudinária que realizou em São Paulo para mostrar sua força, pediu anistia para os que participaram dos atos vandálicos de 8 de janeiro. É o país da impunidade, mas desta vez a justiça não afrouxou e está buscando os protagonistas e indiciando.

Na lista da Operação Tempus Veritatis (hora da verdade) – determinada pelo ministro Alexandre de Moraes em fevereiro, no encalço dos oficiais de alta patente – estão 16 militares, entre os quais quatro generais e um almirante.

Esse inquérito tem o tenente coronal Mauro Cid, contemplado com delação premiada. Foi solto para responder em liberdade, foi preso novamente porque não cumpriu com o acertado. Jogou água fria na alta oficialidade, abrindo o jogo. Mauro Cid está implicado no caso da falsificação do atestado de vacina e na posse ilegal das joias presenteadas pela Arábia Saudita ao presidente da República.

Entre os condenados está o deputado federal Delegado Cavalcante (PL-CE), condenado a inelegibilidade por oito anos. Incitou à violência quando em discurso de 7 de setembro disse que “se a agente não ganhar nas urnas, se eles roubarem as urnas, vamos ganhar na bala”. A turma estava mesmo disposta a tudo para manter-se no poder.

Valdemar Costa Neto, presidente do PL, preso em fevereiro por porte ilegal de arma, investigado pela PF no marco da Operação Tempus Veritatis, usou dinheiro da legenda para disseminar a narrativa de fraude eleitoral. Em depoimento disse ter sido pressionado a entrar com ação no Superior Tribunal Eleitoral para questionar o resultado do segundo turno alegando mau funcionamento do sistema.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reagindo à operação da PF, qualificou de “insensata” ação encabeçada por “uma minoria irresponsável de militares e civis”, que “previa impor um estado de exceção, prisão de autoridades democraticamente constituídas”. Conclui afirmando que cabe à Justiça aprofundar as investigações sobre os graves fatos narrados pelo ministro Alexandre de Moraes.

A PF realizou busca e apreensão nas residências da família de Bolsonaro, que já foi castigado ao ser tornado inelegível por oito anos, e lhe tiraram o passaporte. Falta pouco para ser preso, pesando para isso o relatório da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito sobre a Covid-19. 

São muitos os crimes cometidos por Bolsonaro e sua equipe mais próxima. Além dos crimes eleitorais, está a reunião que realizou com o corpo diplomático acreditado em Brasília, quando, em julho de 2022, desacreditou o sistema eleitoral, pondo em dúvida a confiabilidade da urna eletrônica. 

Cara-de-pau

É muita cara-de-pau e oportunismo. Senão, o que leva um chefe de Estado a falsificar um atestado de vacina? Houve muitos políticos que se fizeram fotografar ao tomar a o imunizante para dar exemplo. Este se vangloriava de que não tomava a vacina. Porém, como para ingressar nos Estados Unidos era obrigado a comprovar estar vacinado contra a Covid 19, optou por falsificar o atestado em vez de vacinar-se.

Este do atestado falso é o primeiro indiciamento formal da Polícia Federal contra o capitão presidente, e o tenente-coronel Mauro Cid, chefe dos ajudantes de ordens, que se entregou e obteve o benefício da delação premiada. Ambos incorrem em crime de associação criminosa. 

O capitão Bolsonaro agiu com consciência e vontade, e inseriram dados falsos no sistema do Ministério da Saúde, diz a Polícia Federal em relatório. O caso segue agora para o Ministério Público Federal, que deverá oferecer denúncia (acusação formal) para abertura de ação penal. Com a palavra agora o procurador-geral da República, Paulo Gonet.

Capo di tuti capi

O general Heleno parece ter se comportado como capo di tuti capi tanto nos episódios da intentona golpista como no exercício do poder durante a gestão Bolsonaro. Não obstante, para o presidente Lula “o golpe não teria acontecido sem ele, o capitão Bolsonaro. Obviamente que tem muita gente envolvida. Muita gente para ser investigada, porque o dado concreto é que houve uma tentativa de golpe, houve uma política de desrespeito à democracia”.

O que leva um grupo de oficiais conspiradores a atuar acima da lei? Sem dúvida pesa o ódio que eles têm do PT, ou melhor, de Lula. Não se conformam com que o dirigente metalúrgico chegou ao poder.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
 Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
 No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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