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ToggleInvestigações conduzidas pela Polícia Federal confirmam o que vimos denunciando desde a campanha eleitoral de 2018 e durante os quatro anos de governo dos militares, governo espúrio porque derivado da fraude: as forças armadas como instituição se envolveram no golpe frustrado de 8 de janeiro.
A campanha eleitoral foi uma operação de inteligência planejada no curso de um decênio para captura do poder pelas forças armadas e o poder foi por elas exercido como instituição, não por alguns oficiais, se bem que no exercício do poder eles se organizaram ao estilo das máfias.
Tivemos um governo dos militares encabeçado pelo capitão Jair Bolsonaro a exercer o papel de diversionismo, ou seja, a função de distrair a atenção do público, manter a tensão social num nível conveniente.
Os militares tinham planejado permanecer no poder por no mínimo dez anos. A campanha de 2022 foi outra operação de inteligência. Diálogos do Sul publicou o Manual de Guerra Psicológica, que eles utilizaram a risca tanto na campanha de 2018 como na de 2022. Eles tinham certeza da vitória e tinham um plano B, a captura do poder através de um golpe de estado.
Todas as evidências levam a Bolsonaro como sendo quem tramou o golpe. Pode ser uma armação. Toda culpa num bode expiatório salvando os demais oficiais. A dúvida que fica é: o que levou o comandante do Exército a não aceitar o golpe, ao que parece, na última hora?
Um surto de razoabilidade ou veio ordem lá de cima? É sabido que à Casa Branca não interessa uma republiqueta de banana ao sul do Rio Bravo. A equação é simples: que não fique um só participante sem punir.
Por que não deu certo o golpe? Boa pergunta que tem que ter resposta. Há que investigar por que não deu certo o plano B. Foi frustrado pela defecção do então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e o comandante da Força Aérea, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, na última hora.
Freire Gomes diz ter deixado claro que o Exército não participaria do golpe. Então, diante dessa evidência, por que o capitão insistiu? Contava com que se armaria o caos, com isso poderia invocar estado de sítio e constitucionalmente, pelo GLO, intervir no Palácio do Planalto.
No celular do tenente-coronel Mauro Cid e em seu depoimento ficou claro que Bolsonaro revisou a minuta com o plano do golpe, com o decreto para convocar novas eleições e prender algumas proeminentes figuras como os supremos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Também na lista o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). O presidente da Câmara, Arthur Lira, não consta na relação.
Se consumado o golpe, prenderiam também Lula e tantos quanto se opusessem a seus desígnios.
A operação da PF sobre a tentativa de golpe investiga Bolsonaro e seus aliados com 33 mandados de busca e apreensão, com mandado de prisão e 48 medidas cautelares.
Os indiciados incluem, entre outros, os generais Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional; Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil e candidato a vice de Bolsonaro na eleição de 2022; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes; general Theophilo, chefe do comando de operações terrestres; almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; além do coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens da Presidência, e Felipe Martins, ex-assessor internacional, ambos presos.
O general Theophilo usou da alta patente para influenciar e incitar colaboração dos soldados e oficiais para participarem do golpe. As forças especiais conhecidas como “kids pretos” seriam utilizadas para prender o ministro Alexandre Moraes do STF e demais autoridades.
O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, ofereceu suas tropas para apoiar o golpe.
Freire Gomes foi taxativo em rechaçar participação na intentona e diz que ameaçou com prender o presidente. Por que não prendeu? Por que não denunciou publicamente? Segundo depoimento, Braga Netto, que era vice na chapa de Bolsonaro, chegou a chamar Freire Gomes de “cagão”.
O general Heleno, ficou claro nos depoimentos à PF, defendia realizar o golpe antes das eleições, queria “virar a mesa”. Também mobilizou o diretor da Abin, Victor Carneiro, para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais dos adversários.
Para a Polícia Federal, havia uma organização criminosa chefiada aparentemente por Bolsonaro, mas que na realidade era integrada por generais da ativa e da reserva. Há que ver se vão punir os altos oficiais das forças armadas. De não fazê-lo, eles estarão conspirando e atuando para desestabilizar o governo.
Bolsonaro, na manifestação multitudinária que realizou em São Paulo para mostrar sua força, pediu anistia para os que participaram dos atos vandálicos de 8 de janeiro. É o país da impunidade, mas desta vez a justiça não afrouxou e está buscando os protagonistas e indiciando.
Na lista da Operação Tempus Veritatis (hora da verdade) – determinada pelo ministro Alexandre de Moraes em fevereiro, no encalço dos oficiais de alta patente – estão 16 militares, entre os quais quatro generais e um almirante.
Esse inquérito tem o tenente coronal Mauro Cid, contemplado com delação premiada. Foi solto para responder em liberdade, foi preso novamente porque não cumpriu com o acertado. Jogou água fria na alta oficialidade, abrindo o jogo. Mauro Cid está implicado no caso da falsificação do atestado de vacina e na posse ilegal das joias presenteadas pela Arábia Saudita ao presidente da República.
Entre os condenados está o deputado federal Delegado Cavalcante (PL-CE), condenado a inelegibilidade por oito anos. Incitou à violência quando em discurso de 7 de setembro disse que “se a agente não ganhar nas urnas, se eles roubarem as urnas, vamos ganhar na bala”. A turma estava mesmo disposta a tudo para manter-se no poder.
Valdemar Costa Neto, presidente do PL, preso em fevereiro por porte ilegal de arma, investigado pela PF no marco da Operação Tempus Veritatis, usou dinheiro da legenda para disseminar a narrativa de fraude eleitoral. Em depoimento disse ter sido pressionado a entrar com ação no Superior Tribunal Eleitoral para questionar o resultado do segundo turno alegando mau funcionamento do sistema.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reagindo à operação da PF, qualificou de “insensata” ação encabeçada por “uma minoria irresponsável de militares e civis”, que “previa impor um estado de exceção, prisão de autoridades democraticamente constituídas”. Conclui afirmando que cabe à Justiça aprofundar as investigações sobre os graves fatos narrados pelo ministro Alexandre de Moraes.
A PF realizou busca e apreensão nas residências da família de Bolsonaro, que já foi castigado ao ser tornado inelegível por oito anos, e lhe tiraram o passaporte. Falta pouco para ser preso, pesando para isso o relatório da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito sobre a Covid-19.
São muitos os crimes cometidos por Bolsonaro e sua equipe mais próxima. Além dos crimes eleitorais, está a reunião que realizou com o corpo diplomático acreditado em Brasília, quando, em julho de 2022, desacreditou o sistema eleitoral, pondo em dúvida a confiabilidade da urna eletrônica.
Cara-de-pau
É muita cara-de-pau e oportunismo. Senão, o que leva um chefe de Estado a falsificar um atestado de vacina? Houve muitos políticos que se fizeram fotografar ao tomar a o imunizante para dar exemplo. Este se vangloriava de que não tomava a vacina. Porém, como para ingressar nos Estados Unidos era obrigado a comprovar estar vacinado contra a Covid 19, optou por falsificar o atestado em vez de vacinar-se.
Este do atestado falso é o primeiro indiciamento formal da Polícia Federal contra o capitão presidente, e o tenente-coronel Mauro Cid, chefe dos ajudantes de ordens, que se entregou e obteve o benefício da delação premiada. Ambos incorrem em crime de associação criminosa.
O capitão Bolsonaro agiu com consciência e vontade, e inseriram dados falsos no sistema do Ministério da Saúde, diz a Polícia Federal em relatório. O caso segue agora para o Ministério Público Federal, que deverá oferecer denúncia (acusação formal) para abertura de ação penal. Com a palavra agora o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Capo di tuti capi
O general Heleno parece ter se comportado como capo di tuti capi tanto nos episódios da intentona golpista como no exercício do poder durante a gestão Bolsonaro. Não obstante, para o presidente Lula “o golpe não teria acontecido sem ele, o capitão Bolsonaro. Obviamente que tem muita gente envolvida. Muita gente para ser investigada, porque o dado concreto é que houve uma tentativa de golpe, houve uma política de desrespeito à democracia”.
O que leva um grupo de oficiais conspiradores a atuar acima da lei? Sem dúvida pesa o ódio que eles têm do PT, ou melhor, de Lula. Não se conformam com que o dirigente metalúrgico chegou ao poder.
Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
• Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
• No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora