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Foto: José Cruz/Agência Brasil

Cannabrava | Direito à propriedade versus direito à moradia

Câmara aprovou texto base de projeto que pune quem ocupar terra ou imóvel para uso próprio ou produzir alimentos; inconstitucional sob todos os pontos de vista
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Direito à propriedade ou direito à moradia. O advogado aprende na escola que deve sempre prevalecer o direito à propriedade, e trata de dar ganho de causa aos proprietários mesmo quando a ocupação abriga milhares de famílias. Isso, apesar de a Constituição dizer que devem prevalecer os direitos humanos. Direito à moradia decente é um direito humano essencial.  

Na Câmara, os deputados aprovaram o texto base de projeto que pune o indivíduo que ocupar terra ou imóvel para uso próprio ou para produzir alimentos. Aquele que ocupar perde o direito de receber benefícios da União, como, por exemplo, o Bolsa Família. A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou projeto de lei semelhante, o que é inconstitucional sob todos os pontos de vista.

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A iniciativa do projeto foi em resposta ao fato de estar a aumentar a quantidade de gente vítima de despejo, consequência de não conseguir pagar o aluguel com o que ganha mensalmente, seja por perda do emprego, seja pela desvalorização do salário, que mal dá pra comprar a comida, e sem ter aonde ir, acaba indo para a rua.

Estudo da Fundação João Pinheiro mostra que 26 milhões de pessoas vivem em situação precária — cortiços ou favelas. Este é o tamanho do déficit habitacional, ao qual se deve agregar os 50% das moradias sem coleta de esgoto e 20% sem água tratada.

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Entre março de 2020 e agosto de 2021, mais de 19 mil famílias foram removidas (despejadas) de suas casas e mais de 93 mil estavam ameaçadas de despejos por ação judicial, mostra reportagem de René Ruschel na revista Carta Capital de 21/08/24. O número de pessoas despejadas ou removidas à força subiu de 9.899 em outubro de 2022 para 1,5 milhão em julho de 2024.

O Brasil tem hoje 261 mil moradores em situação de rua, 11 vez mais que há dez anos, ou seja, um de cada mil pessoas sem moradia vive na rua; 62% no Sudeste. Só nos dois primeiros meses deste ano, mais de 10 mil pessoas foram para as ruas. Em São Paulo passou de 3.842 em 2012 para 64.818 em 2023. Na capital são 31.884.

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70% dos moradores de rua são negros ou pardos e 87% tem entre 18 e 59 anos. Segundo o coordenador do Observatório de Políticas Públicas da UFMG, André Luiz Freitas, “o racismo é uma das marcas desse fenômeno e só a implantação de políticas estruturantes de moradia e geração de emprego pode resolver o problema”.

Eleições municipais

A direita e os bolsonaristas — com perdão da redundância —, lideram nas 103 cidades com mais de 200 mil eleitores. PL, em 21 cidades; União Brasil 20, PSD 12, MSB 11, Republicanos 8, PP 7, PSDB 7. O União Brasil, vale lembrar, nasceu da fusão do DEM com o PSL. O Republicanos pertence à Igreja Universal, a do bispo Edir Macedo, que figura na lista da Forbes entre os mais ricos do mundo.

O que a gente pode considerar como esquerda, o PT lidera em 15 cidades, o Psol em 2, PDT 2, PV 1, os quais somam 23, pouco mais que a metade dos 41, soma do PL com o UB.

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O levantamento foi feito para o jornal O Estado de SP, com base nas pesquisas pré-eleitorais. É um alerta que deve servir para mobilizar os democratas a ensejar um grande esforço para tentar alterar ainda que minimamente essa correlação de força esmagadoramente desfavorável.

Direita retrograda

É ruim para o país essa supremacia da direita, posto que é uma direita que ainda se move pelo Consenso de Washington, coisa dos anos 1980 que está sendo abandonada porque só fez alimentar crises insolúveis. Veja o que é a Europa hoje, em comparação com o que foi, em apenas duas décadas de retrocesso.

O mundo não suporta mais a ditadura do pensamento único imposto pelo capital financeiro. A desindustrialização gerou crise no mundo inteiro, entendido, claro, o mundo ocidental sob a hegemonia do imperialismo dos Estados Unidos. Deixou a maioria sem rumo, pois não há propostas alternativas. 

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A Europa ocupada militar e economicamente se comporta como colônia dos Estados Unidos. O que é pior, está a colocar a humanidade em risco ante a possibilidade real de uma conflagração nuclear.

Ao obedecer a Washington e aderir ao bloqueio à Federação Russa, ficou sem energia barata, a desindustrialização não gera emprego, o que é agravado com as levas contínuas de imigrantes que fogem da fome e do desespero das ex-colônias, as quais hoje continuam vítimas do neocolonialismo.

Os Estados Unidos tratam de manter a hegemonia pela força das armas. São mais de 800 bases em 80 países. Só na Europa mantém 200 bases e 100 mil soldados. É ou não é uma ocupação?

Economia aquecida

Apesar das controvérsias, a economia está reagindo, com a produção industrial aquecida e o desemprego com a mais baixa taxa da década. O crescimento do Pib estimado em 2,5%, avaliado para o segundo semestre, com taxa de desemprego em 6,9%. São 101 milhões de pessoas ocupadas, com rendimento médio de R$ 3.214, 5,8% maior que no ano anterior.

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A safra de grãos ficou em 299,6 milhões de toneladas, 5% menor que a anterior, mas ainda grande o suficiente para atender a demanda. A inflação acumulada em 12 meses ficou em 4,5%, longe da meta de 3%, o que pode levar os fanáticos do Banco Central a aumentar a taxa de juros – hoje em 10,5%, entre as três mais altas do mundo —, que está a travar a economia.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
 Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
 No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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