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Cannabrava | Enquanto no mundo dos ricos nada acontece, acende o estopim da revolta popular no Brasil

Para o tal do “mercado” a situação está mais que tranquila, surpreendido com o anúncio da "evolução" do PIB no primeiro trimestre
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo

Tradução:

No mundo dos ricos não acontece nada.

Os ricos, não estão nem aí com as manifestações de ruas de um povo indignado com a evolução do morticínio. Meio milhão de mortos! Milhões de famílias enlutadas. Centenas de milhares de pessoas, na maioria jovens, ocuparam as ruas nas principais cidades, somando milhões. Milhões preocupados com vida, trabalho e pão.

Para o tal do “mercado” a situação está mais que tranquila, surpreendido com o anúncio da evolução do PIB no primeiro trimestre: 1,2%, o que projeta para um possível 5% no final do ano. É uma merreca diante dos 6% negativos do ano passado e de pibinhos ridículos por décadas. Ridículo! Mas é manchete nos jornais e extensos textos por três dias seguidos. Projeta um otimismo em um país de ficção.

O país vai tão bem que até mereceu um pronunciamento do ocupante do Palácio do Planalto enaltecendo o crescimento do PIB e vacinas contra a Covid pra todo mundo. Como se não existisse a CPI do genocídio que a cada dia comprova novos fatos que incriminam o governo de ocupação. Governo militar, governo das forças armadas e do fracasso total.

Em 2018, o resultado do PIB brasileiro foi negativo de -0,3; em 2019, medido por trimestres, tivemos, sucessivamente: 0,8, 0,4, 0,0, 0,4; em 2020, negativos dos dois primeiros trimestres: -2,2, -9,2, e positivo, mas sem conseguir sair do atoleiro: 7,8 e 3,2; no primeiro trimestre de 2021, o tão vangloriado 1,2%.

Que PIB é esse? O que há para festejar? Só se for o PIB dos ricos, porque na economia como um todo, o que temos é o quadro dramático da produção industrial paralisada.

Nesse mesmo primeiro trimestre festejado de 2021, a produção industrial continuou caindo, despencou -4,4%. Essa queda na indústria jogou no desespero 14 milhões de desempregados. É isso aí, elevou para 14% a taxa de desemprego só no primeiro trimestre. 14 milhões que se somam aos 6 milhões de desalentados. 14% é também a inflação acumulada nos últimos doze meses.

Outro sintoma do descontrole da economia é a quantidade de microempreendedores que estão se registrando como quem abre uma nova empresa. Mais de 80% das aberturas de novas empresas são MEI, gente desesperada por perder o emprego em busca de estratégias de sobrevivência.

Exportação de produtos primários não sustenta a economia. Apenas aumenta o fosso entre o 1% mais rico e os 99% de sobreviventes. Mas os ricos comemoram: euforia na Bolsa e até o dólar caiu para meros R$ 5,08, continuou caindo e estava em R$ 5,04 na segunda-feira.

Porém, crescimento robusto, para correr atrás de décadas de depressão, tem que ser acima de 10%, como foi na China. Com média menor levaremos muitas décadas para alcançar o desempenho da economia que tínhamos nos anos 1970.

Contudo, as Bolsas estão bombando, o lucro dos bancos e das financeiras também, um novo boom de commodities (grãos e minérios) ingressando dólares que enriquecem os latifundiários e as transnacionais e não gera emprego. Dólares transformados em muitos reais desvalorizados que vão impulsionar mais ainda a ciranda financeira. Felizes todos. Vai sobrar um dinheirinho para ajudar a eleger os amigos, garantir a continuidade da festança.

Não tem dinheiro para pagar as contas, não faz mal, a gente tem bons produtos pra vender e fazer caixa. Na fila da privataria a Caixa, o Correio e a Eletrobrás. Vendem coisas que não lhes pertencem e o dinheiro some na voragem dos juros da dívida: 46% do orçamento, para o custo da dívida.

Não tem dinheiro para auxílio emergencial de R$ 600 para todos os que necessitam. São pelo menos 100 milhões de pessoas que necessitam para não passar fome. Mas tem dinheiro pra dobrar o salário dos militares e garantir orçamento secreto para os amigos.

Tudo o que fazem é na contramão dos direitos e para favorecer seus áulicos.

Com o Auxílio Emergencial, de abril a agosto de 2020, de R$ 600, foram gastos R$ 231,4 bilhões, média mensal de R$ 46,28 bilhões, alcançando, em média, 73 milhões de pessoas por mês.  De setembro a dezembro, o auxilio foi reduzido para R$ 300, foram gastos R$ 63,5 bilhões, média mensal de R$ 15,88, atingindo média mensal de 51 milhões de pessoas.

A partir de abril de 2021, o Legislativo aprovou R$ 44 bilhões para beneficiar 39,1 milhões de pessoas com uma ajuda diferenciada R$ 150, R$ 250 e R$ 365, para os quais só foram liberados R$ 8.9 bilhões.

Não podem dizer que não tem dinheiro. Esse mesmo legislativo aprovou R$ 39 bilhões para emendas parlamentares mais um orçamento secreto para os amigos mais chegados de R$ 3 bilhões. O que é mais importante?

Por fim, um partido

A famiglia Bolsonaro parece que por fim encontraram um partido político para abriga-los. Quanto terá custado? Flávio, que era deputado estadual, hoje senador, deixou o partido da IURD, a Igreja Universal do Reino de Deus, do Edir Macedo, pra ir para o Patriota. O que é esse Patriota? É o típico partido picareta, feito pra ganhar dinheiro, não para fazer política em favor da população.

Adilson Barroso, presidente do partido, botou no bolso em 2020 R$ 225 mil reais e outros R$ 112 mil para sua mulher, ou seja, o casal recebeu durante o ano um salário mensal de R$ 28 mil. Êta empreguinho bom! Mas tem mais. Foram outros R$ 92 mil para o irmão, R$ 56 mil para o cunhado, R$ 50 mil pra ex-mulher, R$ 47 mil para o filho e R$ 48 mil para um sobrinho. Dinheiro público dos fundos partidário e eleitoral. R$ 644 mil foram gastos na compra de automóveis para família.

Num partido político o comum é remunerar o secretário geral, posto que tem que se dedicar integralmente ao cargo. Os dirigentes não recebem. É o que constatou a reportagem da Folha de SP.

Novidades também no Partido Novo, que anunciou a pré-candidatura do banqueiro Amoedo à presidente em 2022. Mais um a disputar a posição de tercius. Diz que trabalhará para formar um frente de centro.

Que centro? O partido foi fundado pelos banqueiros mais ricos do país, não pode ser centro. É direita pura, radicalmente neoliberal, na mesma linha do Paulo Guedes, o ministro da Economia, também banqueiro e responsável pelo caos na economia. O Novo em 2018 obteve 2,5% dos votos.

É candidato e terá muitos candidatos para o Legislativo. É preciso garantir a maioria neoliberal com que exercem a ditadura na Câmara e no Senado.

Qual o maior escândalo?

O governo de ocupação está se configurando como o que mais escândalos produziu na história dessa nossa mal ajambrada República. Difícil avaliar o maior: Privataria do FHC; Mensalão; Lava Jato; Deposição da Dilma, Temer na Presidência do país, Suspeição de Moro; Rachadinhas; Passar a Boiada; Incêndios florestais; Massacre indígena. Milicianos no poder ou, o poder dos milicianos…

O sargento punido e o general agraciado.

O sargento Luam de Freitas Rocha, participou de uma live com o deputado major Victor Hugo (PSL/GO) e aproveitou para reclamar dos baixos salários. Foi imediatamente enquadrado por seus superiores. Militar, seja de qualquer hierarquia, não pode se manifestar. Mas o coitado do Luam é apenas um sargento e de família pobre.

Diferente ao Pazuello, milionário e general, a mais alta hierarquia. Além dos crimes que cometeu como ministro da Saúde, executando a necropolítica do governo de ocupação, participou de comício em favor do presidente, candidato a reeleição. Devia estar na cadeia. 

Não só arquivaram o processo disciplinar aberto contra ele como foi agraciada com um cargo na Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República com salário de R$ 16,9 mil. Mas os R$ 30 mil que recebe como general….. continua ganhando acima do teto.

Isso quer dizer que agora vale tudo. Todos os generais estão liberados para participar da campanha para reeleição e garantir a boquinha.

O jornal Hora do Povo publica manifestações de generais contrariados com o ato de indisciplina de Pazuello. Carlos Alberto dos Santos Cruz se diz envergonhado, diante de um ataque frontal à disciplina, em função de um projeto pessoal de poder do presidente. No mesmo jornal, o general Paulo Chagas diz que abre um precedente e o Sérgio Etchegoyen, que foi chefe do GSI, diz que é indefensável. E daí?

O que diz o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército? O que diz o Estado Maior das Forças Armadas? O comandante do Exército deveria ter dado ordem de prisão ao Pazuello. Se tivesse um mínimo de dignidade teria renunciado. O general Hamilton Mourão, claro e direto: já dei minha opinião, é página vira, o baile continua. É isso. E não é o Baile da Ilha Fiscal.

Faz parte da tática diversionista das Forças Armadas que ocupam o governo se apropriar também do discurso da oposição. E tem gente torcendo pra que esses militares tomem o poder para acabar com a farra da famiglia Bolsonaro. Ignoram o fato de que o projeto de captura do poder é das forças armadas, não de Bolsonaro, apenas um peão diversionista nessa história.

Eles têm a segurança de um Legislativo apodrecido, de um Judiciário treinado para protege-los (proteger a propriedade como seja), e das forças armadas que lhes garante o sossego. Nas forças armadas os militares da boquinha. Uma vergonha.

O Brasil na vanguarda da estupidez mundial.

Palavras sábias da médica infectologista Luciana Araújo em depoimento na quarta-feira na CPI do genocídio. O general Pazuello, que se diz especialista em logística, trocou técnicos (médicos, sanitaristas, infectologistas, especialistas em logística) no Ministério da Saúde por militares de farda e de pijama (da ativa e da reserva), técnicos em coisa nenhuma, ganhando em dobro. São 28 militares que devem ser julgados por incúria e crime contra a humanidade.

UTI cheias por toda parte, uma terceira onda da doença se avizinha, não estamos preparados para isso, o sistema de saúde poderá colapsar. São fatos. 5 milhões de pessoas não tomaram a 2ª dose. 100 mil contaminados por dia. Quem mais morre são as faxineiras, os pedreiros, os motoristas de táxi e de aplicativos. Pessoas que estão servindo à população.

Situação real de uma pandemia fora de controle. Para o governo de ocupação, isso é o mesmo que nada.

Na semana concordou com a Conmebol realizar os jogos da Copa América no Brasil. Era pra ser realizada na Argentina, o governo rechaçou por causa da pandemia. A Colômbia também rechaçou, por causa do estado de violência que vive o país, ocupado também militarmente. Mas o governo de ocupação acha que está tudo bem e podemos receber mais de dez equipes estrangeiras com cerca de 50 pessoas ou mais em cada equipe.

Na quarta-feira o capitão que ocupa a presidência no governo de ocupação mudou seu discurso anunciando que vai vacinar todo mundo até o final do ano. Isso deveria ter sido feito no ano passado, é o que dizem todos os técnicos. O Brasil poderia ser o único país a entrar em 21 com todo mundo vacinado, pois, todos os anos vacina a população contra gripe. Não conseguiu enganar. Foi um panelaço ensurdecedor.

Quem bate panela em prédio residencial é classe média. Sempre foi desideologisada, desamparada. Proletarizada está caindo na real. Caminhamos para uma maré de descontentamento que favorece a CPI do Genocídio. Precisam de coragem para enfrentarem as forças armadas e essa coragem, o único quem pode dar é o povo nas ruas.

Não podemos correr o risco de ter as de 2022 presididas por esse governo militar. Se assim for temos que nos preparar para o que vem depois. Lula nem o PT parece estarem preocupados com isso. Não é um processo eleitoral como os anteriores a 2018. Agora se trata de verdadeira operação de guerra.

Vida, pão e educação

Sábado, 29 de maio de 2021, dia memorável que ficará na história. Alguém disse que as manifestações representam tão somente a ponta do Iceberg. Dá pra acreditar. Foi espontânea e majoritariamente realizada por jovens. Os partidos e até mesmo as centrais estavam de fora. As bandeiras e palavras de ordem são sintomáticos do momento atual e indicam que alguma coisa está mudando.

Vida, Pão e Educação… muitos cartazes referindo a educação; Vacina e Ajuda Emergencial de R$ 600; Fora Bolsonaro: Bolsonaro mata mais que o vírus. Foi essa certeza que animou as pessoas a botar uma máscara e enfrentar o desafio em pleno auge da pandemia.

É preciso tirar dos fascista o monopólio das ruas. Eis o dilema. Ir às ruas pela vida, ou manter o isolamento sanitário.

A presença juvenil é outra certeza: a certeza de que temos futuro. Na mão dos jovens a solução futura de um país que rejeita o nazi-fascismo.

A mídia mais uma vez nos fez passar vergonha.

Jornais do mundo inteiro viram com entusiasmo as manifestações, aqui tentaram primeiro esconder, depois minimizar. Jornalismo independente reclama liberdade, mas a única liberdade que o neoliberalismo acredita e aceita á a de ser proprietário. Quanto mais propriedade, posse, de terras, títulos, o que seja, a fome é insaciável e tem que produzir lucros.

A liberdade que nós cultuamos é a do livre pensar, do livre criar, do livre manifestar e exigir direitos. E isso eles não toleram. Contra isso o pensamento único imposto pelo capital financeiro. Por isso é importante o seu engajamento nesse nosso projeto de mídia independente. Seja um militante na luta contra o fascismo. Ajude a divulgar a revista e seja parte dela fazendo assinatura solidária.

Paulo Cannabrava Filho é jornalista e editor da revista Diálogos do Sul.


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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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