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Cannabrava | Extermínio indígena e destruição da Amazônia têm digital dos militares no Brasil

Se generais e inteligência das FFAA eram quem verdadeiramente mandavam no país nos últimos 4 anos, são duplamente responsáveis por tragédia humanitária
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Não dá para deixar de comentar os fatos ocorridos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), sob a administração do governo militar. Consta que foram compradas 19 toneladas de bisteca congelada. Além de os produtos nunca terem sido entregues, os indígenas da região para onde seriam destinados não possuem geladeira.

São demasiadamente escabrosos. A presidenta da Funai, Joenia Wapichana, disse que o caso será investigado. É indignante que ninguém tenha sido preso ainda. Como foi noticiado em todos os jornais, dispensa detalhes.

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Tem um indiciado, o diretor da Funai responsável, por negligência no assassinato do indigenista caboclo Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, realizado por bandidos que praticam pesca ilegal nos rios da tríplice fronteira.

A carne foi comprada por R$ 927,5 mil. Desse total, R$ 5.200 mil foram pagos por 20 quilos de pescoço de galinha, comprado a R$ 260 o quilo — em mercados e supermercados, o valor varia entre R$ 5 e R$ 10,70 o quilo — e que tampouco chegou.

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Compraram para os Yanomamis R$ 4,4 milhões de sardinha em lata e linguiça calabresa, produtos que nada têm a ver com a dieta indígena. Se ingeridos, pode até fazer mal. Esses tampouco foram entregues.

Em quatro anos, gastaram R$ 7,8 milhões em alimentos para a região do Vale do Javari, mas as crianças estão morrendo de fome. Enquanto isso, o Tribunal de Contas da União (TCU) apurou e denunciou que o Ministério da Defesa e as forças armadas desviaram R$ 703,4 mil do dinheiro reservado para o combate à pandemia de Covid-19, para comprar picanha, filé mignon, salgados para coquetel, sorvete e refrigerante. Isso em plena pandemia. Mais do que falta de escrúpulo, é malvadeza.

Se generais e inteligência das FFAA eram quem verdadeiramente mandavam no país nos últimos 4 anos, são duplamente responsáveis por tragédia humanitária

CIMI
O Ministério da Defesa e as forças armadas desviaram R$ 703,4 mil do dinheiro reservado para o combate à pandemia de Covid-19




Garimpo, drogas e as digitais de militares

Agora, os militares também terão que explicar por que não atuaram contra o garimpo ilegal. E mais, por que contrataram o empresário Rodrigo Martin Mello para perfurar poços artesianos nas reservas indígenas, sendo ele comprometido com o garimpo ilegal.

Se a democracia fosse para valer, assim como a Justiça, os militares teriam que explicar muito mais coisas como, por exemplo, como o Brasil se transformou no maior corredor do tráfico de drogas do planeta. Cerca de 90% da cocaína consumida no mundo é produzida na Colômbia e em torno de 80% do tráfico passa pelo Brasil.

Cannabrava | Assassinato de Dom, Bruno e 2 Guarani Kaiowá é parte do genocídio brasileiro

Política genocida do governo de Bolsonaro que era governo das Forças Armadas. Quem mandava no país do capitão Jair Bolsonaro eram os generais e as equipes de inteligência. As Forças Armadas, portanto, são duplamente responsáveis, seja por estarem no governo, seja por serem guardiãs das áreas de fronteira e constitucionalmente protetoras dos povos nativos.

Ademais, o Conselho do Amazonas, responsável pelas políticas para a região, era presidido pelo general Eduardo Pazuello. Pecou por omissão com relação ao desmatamento, garimpo ilegais e invasão de terras indígenas, quilombolas e propriedades da União.

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O general, enquanto ministro da Saúde, levou 28 oficiais militares para os diversos cargos de direção. Fez uma administração desastrosa, que causou um verdadeiro colapso sanitário. Não entregou oxigênio a Manaus, comprou cloroquina inútil para o vírus e não planejou o combate à pandemia, deixando de vacinar milhões de pessoas, causando mais de 700 mil mortes.

O marechal Rondon deve estar se revirando na tumba. Quando criou o Serviço de Proteção aos Índios, o fez com a máxima “morrer se preciso for, matar, nunca”.


Genocídio dura 500 anos

Nos primeiros séculos da invasão de europeus — espanhóis, portugueses, holandeses, ingleses e franceses — às ilhas e ao continente americano, o genocídio ceifou 70 milhões de povos originários, como revelado em matéria da Diálogos do Sul.

Os militares quando estavam no poder, de 1964 a 1985, com o pretexto de ocupar os “vazios” amazônicos para construir estradas, dizimaram tribos inteiras. Os jagunços entravam com metralhadora nas aldeias, outros jogavam roupas e objetos infectados com doenças de branco, como sarampo, tuberculose, varíola para matar pessoas sem imunidade a essas doenças.

Agora, segundo os indígenas, atiram, de avião, cestas básicas que chegam ao solo já estragadas, impróprias para o consumo.

Essa prática, iniciada com o desembarque de europeus em 1500, apenas foi se aperfeiçoando com o passar dos séculos, seja pelos bandeirantes, pela expansão da fronteira agrícola pelo latifúndio, pelo desmatamento ilegal, pelo garimpo e mineração ilegais e hoje pelo agronegócio e as transnacionais da mineração.

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Segundo a Comissão Nacional da Verdade, durante os 21 anos de ditadura dos militares, foram assassinados 8,3 mil indígenas. A partir de 2018, ficou liberado para “passar a boiada” e não foram demarcadas novas terras. 

Relatórios do CIMI e Pastoral registram aumento da violência

Em 2019, segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), foram 277 casos de violência registrados contra os indígenas, sendo 113 assassinatos. Entre 2018 e 2020, houve um aumento de 137% nos casos de invasões de terra e exploração ilegal de recursos, de 11 para 263 casos.

Em 2020, foram registrados 183 assassinatos de indígenas, 61% a mais do que no ano anterior; oito foram mortos pela PM no Rio Abacaxis, no Amazonas, e outros quatro no Mato Grosso. Nesse mesmo ano, 43 mil foram contaminados pelo vírus da Covid-19 e 900 morreram.

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Em 2021, relatório do Cimi aponta que os 355 casos de violência —assassinatos, abuso de poder e racismo — constituíram o maior número em nove anos, quando os assassinatos somaram 176. Amazonas, Roraima e Maranhão têm o maior número de casos. Aumentou também o número de suicídios. A cifra é recorde: 148. Outros 1007 morreram por desnutrição.

O relatório da Comissão para 2022 ainda não está disponível. Mas em apenas dez dias de setembro foram sete mortes; seis indígenas dos povos Pataxó, Guarani Kaiowá e Guajajara foram assassinados e um se suicidou nos estados da Bahia, Mato Grosso do Sul e Maranhão. 

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Relatório da Comissão Pastoral da Terra constata que no ano passado, foram 47 assassinatos por conflitos de terra; 18 eram indígenas, entre 113 casos de tentativa de assassinatos.

Agora já temos quem cuida oficialmente da vida dos nativos e faz o registro dos fatos. Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças yanomami morreram em consequência do avanço do garimpo ilegal.

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Por outro lado, dados obtidos pelo jornal Correio Braziliense por meio da Lei de Acesso à Informação, nos últimos quatro anos, 345 indígenas morreram de desnutrição, quase 100 a mais que no quadriênio anterior.

Ministros de estado e o próprio presidente estiveram nas áreas conflagradas e providências estão sendo tomadas, e foram retomados os processos de demarcação de terras.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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