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Foto: Reprodução Twitter x Emmanuel Macron

Cannabrava | Maturidade e unidade: o exemplo que nos dá a eleição na França

Unidade e maturidade levaram à derrota da direita fascista na eleição da França, mas a força eleitoral de Marine Le Pen consolida seu grupo como a terceira maior força no Parlamento, desafiando o governo de Emmanuel Macron
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Maturidade e Unidade, é o exemplo que nos dá a França e de certa maneira, também o Reino Unido. Não é surpresa a derrota da direita fascista. Surpresa maior é a força eleitoral da direita, cujo grupo de Marine Le Pen será a terceira força no Parlamento.

A população levou um susto quando no primeiro turno e na eleição, antes, para o Parlamento Europeu, a turma de Le Pen ameaçou com ser a maioria. Foi preciso maturidade para alcançar a unidade entre as forças de esquerda e de centro, ou seja, do governo de Emmanuel Macron.

Candidatos renunciaram para possibilitar a vitória do mais bem votado em cada distrito, com mais chance de acumular votos. Contudo, Reagrupamento Nacional (RN) de Le Pen se consolida como a terceira força, em ascensão, e vai atrapalhar bastante o governo.

A esquerda, de Jean Luc Melenchon, obteve 182 assentos. O grupo em torno do presidente Macron 168 e a direita 143. Teve muito voto. Como nenhuma das forças obteve a maioria absoluta, de 289 cadeiras, ficará difícil nomear um primeiro-ministro. Foi a esquerda que impediu tivesse a maioria, compondo a Frente Republicana e o centro de Macron.
Foi uma vitória que precisa ser comemorada. Pelo mesmo motivo que se tem que comemorar a vitória do Partido Trabalhista no Reino Unido, quebrando hegemonia de 14 anos dos conservadores.

A polarização é entre esquerda e direita, entre fascismo e democracia, tal como no Brasil onde vai haver eleições para vereadores e prefeitos em mais de cinco mil municípios, em outubro próximo.

Na França a aliança que possibilitou a vitória uniu quatro partidos: comunistas socialistas, verdes. Melenchon da França Insubmissa, Ikuver Feure e o ex presidente François de Holande, do Partido Socialista, Marine Tondelier dos Ecologistas.

O grande derrotado foi o presidente Macron. Ele queria os votos para o seu partido e formar uma maioria. Mas os votos não foram para ele, foram para a esquerda. Terá que governar com uma oposição, pela primeira vez. A formação de um novo governo terá realmente que ser algo novo, criativo.

Assustado com a quantidade de votos para os fascistas nas eleições para o Parlamento Europeu em inícios de junho, Macron unilateralmente decidiu dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições antecipadas. Foi um tiro no pé, criticado por conservadores e progressista.

Outra lição que nos dá a França é que para governar não da para negociar acordos com todas as forças. Tem que ter clareza na definição do adversário e ter a humildade de reconhecer não ser viável e renunciar para garantir a vitória para o mais votado, aquele com maior chance de vitória.

Por que tanto votos para a direita na eleição?

Em outubro teremos que eleger prefeitos e vereadores pensando na governabilidade, eleger o prefeito e os vereadores do mesmo partido é tão fundamental cormo escolher candidatos com chance de derrotar o fascismo. Pois é disso que se trata.

Por que a direita tem votos, e não é pouco? É a pergunta que deve provocar uma reflexão ao todos os democratas. Que a direita tem votos, basta ver a pouca diferença na vitória de Lula e a grande diferença na vitória de Milei na Argentina, e os votos obtidos nas eleições para o Parlamento Europeu, e mesmo para a eleição na França.

Como na física, espaço vazio é logo preenchido. E são muitos os espaços vazios deixados pela esquerda. Gosto de me referir às Comunidades Eclesiais de Base, CEBs, que mobilizavam e organizavam a população tanto nas classes medias como o povão da periferia. Ali se discutia a realidade e como alterá-la em benefício da comunidade. A teologia da libertação unia padres, freires e freiras, na tarefa de conscientizar e organizar o povo.
As CEBs foram os primeiros núcleos populares organizados na fundação do Partido dos Trabalhadores.

Tanto a Igreja de Roma como o PT abandonaram o trabalho de base e a luta de classe. O vazio deixado tem sido ocupado pelas múltiplas denominações das igrejas evangélicas, pentecostais e neopentecostais, e pelos partidos da direita, com forte apelo para o fascismo.

O Estado, constitucionalmente laico, mas certas igrejas ignoram e tem como projeto a conquista do poder, transformar o Brasil numa teocracia de direita, parecida com aquela de Israel que lhes serve de exemplo. A teologia da prosperidade ensina que o objetivo é ganhar dinheiro, formando base eleitoral para o neoliberalismo e o fascismo.

O Estado é laico, mas as Polícias Militares, as PMs nos Estados, e os oficiais das Forças Armadas, estão sendo organizadas e cooptadas pelas igrejas evangélicas numa perspectiva de tomada do poder. Pior, nas ordens unidas, marcham cantando loas a personagens que para eles são heróis, como torturadores e os qie promoveram omassacre do Carandiru, quando 111 presos foram chacinados por PMs. Bolsonaro deu indulto aos PM autores do massacre que estavam presos. O Supremo Tribunal ordenou que a Justiça de São Paulo retome o julgamento e a partir daí mais nada aconteceu.

Joias da Arabia

Escarnio de Bolsonaro com relação à Justiça. “Tenho trezentos e pouco processos e não vou recuar”. Ou seja, continuará em campanha, não lhe importando ser inelegível. Teria que estar preso para sossegar.

A bazófia foi proferida na abertura de reunião de uma organização fascista internacional, denominada Conferência de Ação Política Conservadora, realizada no balneário Camboriú, em Santa Catarina. O discurso de encerramento foi de Javier Milei, presidente da Argentina, que desembarcou no Brasil fora de qualquer protocolo.
Presente na reunião, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um militar bolsonarista do Republicanos, partido da Igreja Universal, neopentecostal do bisco Edir Macedo, com vários processos por estelionato e prevaricação, na lista dos homens mais ricos do mundo, com explícito projeto de captura do poder.

O capitão Tarcísio, antes de embarcar, se reuniu em São Paulo com uma nutrida plateia de candidatos a vereador e prefeito. Vamos construir o que vai ser 2026, declarou numa clara referência às eleições gerais, em que ele pretende disputar no lugar de Bolsonaro com as bençãos do próprio, claro.

A Polícia Federal indiciou Jair Bolsonaro mais onze comparsas pelo roubo das joias, presentes da Arabia Saudita, pelo valor de vários milhões de dólares. A pergunta que fica no ar: por que um presente tão valioso? O que ganhou em troca? Povo árabe é negociante, por natureza, dá nada de graça.

Ficar com um bem do Estado é peculato, e peculato é crime previsto no código penal. Está caracterizado também o crime de corrupção passiva. É corrupção também exigir dinheiro para votar os projetos do governo. Governabilidade conseguida através das emendas parlamentares é inconstitucional.

O certo é formar uma base de apoio através de projetos. Para isso é preciso ter um projeto nacional. Tudo tem que ser pensado. O Estado como está configurado não dá mais. Funcionar na base do favor é o mesmo que governar pela corrupção. É preciso um novo pacto, mas a esquerda deve estar unida em torno de um projeto nacional, uma estratégia de desenvolvimento com seus planos setoriais de curto, médio e longo prazo.

Sistema moribundo

O velho sistema está moribundo e o novo está surgindo, mas falta no Brasil o projeto nacional.

O Fórum de Cooperação Ásia Pacífico, vai se reunir em Lima, Peru, em novembro. Antes o Peru foi alçado a corredor no programa de Nova Rota da Seda que vem sendo conduzido pela China. É um fato de grande importância e transcendência e torna urgente para o Brasil desenvolver o projeto da estrada de ferro unindo os portos de Santos e de Callao, um projeto a ser executado em parceria com a China.

O projeto de Nova Rota, que já conta com mais de uma centena de países, tem como premissa a cooperação, o comércio e a construção de infraestrutura. Na Eurásia está bastante avançado e é possível montar num trem em Shangai e desembarcar em Madri, passando por São Petersburgo.

Xi Jinping estará no Fórum de Lima e logo em seguida virá ao Brasil para reunião do G-20, em 18 e 19 de novembro. Dia 20 o presidente chinês, que é cumulativamente secretário-geral do Partido Comunista, fará visita protocolar de Estado a Brasília. Sendo a China o maior parceiro comercial do Brasil e também dos países da América do Sul, a visita de Jinping é de grande importância, oportunidade de novos e produtivos acordos de cooperação.

 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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