Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, com 3,2 mil filiados a partidos políticos, constatou que 70% consideram o ódio e a aversão aos adversários como motivo relevante para aderir a uma sigla. O ambiente fomenta a polarização, o que sem dúvida é fatal para a democracia.
A pesquisa mostra 34% de rejeição ao PT, 27,3% ao Psol, 23,1% ao PSL, 24,8% ao PCdoB, 23,4% ao PSDB, 20,8% ao Dem, 20,7% ao MDB, 12,5% ao PP, 8,3% ao PDT e 7,7% ao PSB.
A pesquisa mostra que a polarização é um fato incontestável. Os partidos populares têm que aproveitar isso para politizar e educar as pessoas. Isso torna urgente a necessidade de confrontar o adversário com um projeto nacional.
Pesquisa qualitativa, de 2020, 2022 e 2023, abrangendo 32 partidos, 3.266 integrantes, 52 perguntas para dirigentes e militantes. A intenção era saber por que, apesar do descredito da política em geral, a filiação aos partidos estava aumentando. 36% dos entrevistados são engajados nos partidos movidos pelo ódio, “engajamento pelo ódio”.
Esse engajamento é de pessoas que dedicam mais de 30 horas mensais às atividades partidárias. A rejeição pura e simplesmente por razões emocionais, nada a ver com programa de partido, ideologia o que seja. O outro não deve existir. Também o medo exagerado de perder motiva as pessoas.
Os partidos, ao não se configurarem como partidos políticos estrito senso, são responsáveis pelo debilitamento da democracia. O único partido que se aproxima do conceito é o Partido dos Trabalhadores (PT), que, mesmo assim, desde há algum tempo vem se descaracterizando por ter abandonado a linha de massa, ou seja, o trabalho junto às massas populares. A maioria se configura como partidos ônibus, em que o filiado busca vantagens pessoais.
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Partidos têm que ter programa, projeto de país, configurar-se como meio de comunicação, realizar trabalho de educação política junto às massas populares. O PDT de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, por exemplo, tinha como objetivo estratégico o trabalhismo como via ao socialismo. Para alcançar esse objetivo, tinha um projeto de país com o desenvolvimentismo nacionalista herdado de Getúlio Vargas, com ênfase na construção da soberania nacional.
O PT não só abandonou a linha de massa, como perdeu o sentido da soberania nacional ao aderir ao projeto neoliberal das oligarquias a serviço dos imperialismos estadunidense e europeu.
Outra entidade que praticava o trabalho junto às massas populares era a Igreja de Roma enquanto adepta à Teologia da Libertação. Durante a ditadura era a única entidade institucional a organizar o povo nas Comunidades Eclesiais de Base, numa perspectiva de luta de classe.
Essa organização, com grande capilaridade nos movimentos sociais, nos anos 1980, serviu de base para a fundação do PT, em conjunto com o movimento sindical. A Igreja voltou a ser reacionária, abandonou as organizações de base, e o vazio deixado tanto pela Igreja como pelo PT foi ocupado pelas diversas denominações evangélicas, notadamente as neopentecostais e partidos de direita.
O que se viu como resultado, mudança na correlação de forças, vai propiciar o golpe institucional de 2014, que derruba uma presidente sem que haja a menor reação política e menos ainda dos movimentos sociais. Na sequência, a Operação de Inteligência das forças armadas para captura do poder na campanha eleitoral de 2017 culmina com a posse dos militares em 2018 e quatro anos de desgoverno.
As consequências foram gravíssimas do ponto de vista dos interesses da classe trabalhadora, com sucessiva perda de direitos adquiridos com muita luta. A desmontagem dos direitos trabalhistas foi realizada sem que houvesse reação dos trabalhadores, cuja organização é atomizada em 14 centrais sindicais.
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Paralelamente, o processo de globalização avança, consolidando o neoliberalismo, tendo como consequência a desindustrialização, precarização do trabalho, desemprego e perda da soberania com entrega dos centros de decisão ao capital financeiro a impor o pensamento único.
A globalização chegou ao limite de saturação e está em crise. A crise é sistêmica. Isso de um lado. De outro lado, a crise se dá também no campo da política, tornando a governabilidade praticamente impossível, colocando em risco a própria democracia representativa. Trato disso no meu livro A Governabilidade Impossível, editora Alameda, 2018.
Como insiste Roberto Requião, duas vezes governador e duas vezes senador pelo Paraná, falta um projeto nacional de desenvolvimento a ser apoiado por uma frente ampla. O PT, como partido de esquerda, tem que adotar um projeto nacional a ser formulado em diálogo com toda militância.
Na falta de um projeto, o governo fica refém de um Congresso fisiológico. Assiste-se o aumento do poder do presidente da Câmara de Deputados no comando do Centrão. Uma verdadeira ditadura da maioria força o governo às pautas neoliberais ou de interesse privado e veta os projetos de interesse popular. Um parlamentarismo às avessas e hostil ao Executivo.
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Urge refazer o presidencialismo, nos termos da Constituição de 1988, e uma reforma política que ponha um limite ao número de partidos e exigindo que cada organização tenha um projeto de país e um programa de governo. Campanhas político-eleitorais que não sejam de frases e slogans, mas de comparação de projetos.
A direita tem projeto, que é o decálogo do Consenso de Washington, que vem sendo executado desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. O resultado estamos sofrendo no dia-a-dia: desindustrialização, desregulação, precarização do trabalho, desemprego e perda da soberania.
Qual a alternativa?
Estrategicamente é necessário um novo pacto, mas, temos que reconhecer que, na atual conjuntura, a convocação de uma Constituinte será dominada pela direita, espelho do atual Congresso, um dos piores da história. Portanto, o fundamental é mudar a correlação de forças, e isso demanda vontade política, tempo, projeto nacional e linha de massa, trabalho de organização e politização.
A crise é do modelo neoliberal e o projeto alternativo é o desenvolvimentismo, com ênfase na reindustrialização com soberania, anti-imperialista. Em resumo, o que realmente se necessita é de um projeto de libertação nacional.
Paulo Cannabrava Filho é autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
• Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
• No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora