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Cannabrava | STF coloca uma Espada de Dâmocles sobre os jornalistas

Decisão presume que o entrevistador tem que saber por indícios concretos que os fatos mencionados pela fonte não são verdadeiros. E se for ao vivo?
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Na quarta-feira (29/11/23), o Supremo Tribunal Federal decidiu que jornais, revistas e portais informativos na internet sejam responsabilizados por declarações de entrevistados contra terceiros, havendo indícios concretos de que a informação é falsa. Nesse caso os veículos podem ser punidos por danos morais e materiais.

É uma Espada de Dâmocles sobre os jornalistas e as empresas. Como se trata de uma decisão do Supremo, não se pode recorrer. A não ser que o Congresso faça uma lei regulamentando o assunto, é obediência sem discutir. Estamos, de qualquer forma, diante de mais uma insegurança jurídica.

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O conteúdo da informação pretensamente injuriosa pode ser removido. Isso, numa entrevista escrita. E se a entrevista for ao vivo?

Marco Aurélio Mello, já aposentado, quando ministro foi relator da matéria e foi contra a tese avaliando que vai contra a liberdade dos jornalistas. “Eu não queria estar na pele da imprensa”, vaticinou.

A decisão presume que o jornalista tem que saber por indícios concretos que os fatos não eram verdadeiros. Quer dizer que se eu entrevistar Pedro e ele falar mal do João, posso ser punido se João me processar.


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O julgamento se arrasta desde 1995 quando o Diário de Pernambuco publicou entrevista em que o delegado Wandenkolk Wanderley afirmou que Ricardo Zarattini Filho participou de um atentado a bomba no aeroporto de Guararapes no Recife em 1966. O ex-deputado do PT/SP, falecido em 2017, processou o jornal argumentando que a informação era sabidamente falsa. 

Em 25 de julho de 1966, uma bomba explodiu no saguão do aeroporto matando duas pessoas e deixando outras 14 feridas. A bomba colocada por um militante da Ação Popular (AP) visava o então general Artur da Costa e Silva, comandante do Exército e candidato à sucessão de Castelo Branco na Presidência da República. Frustrou porque o voo foi desviado para João Pessoa na última hora.

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Derrotado em primeira instância, Zarattini recorreu e ganhou a causa do Superior Tribunal de Justiça, mas o jornal recorreu ao Supremo, alegando que foi condenado por ter publicado apenas uma entrevista, o que caracterizava cerceamento à liberdade de expressão.

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Numa entrevista para ser publicada por escrito, o jornalista tem como checar minuciosamente, como é de seu dever profissional, os “indícios concretos”, mas, como fica numa entrevista ao vivo? Não tem como checar coisa alguma. É o caso das televisões e dos portais informativos que são multimídia e mesmo na notícia impressa é muitas vezes instantânea.

É o que preocupa a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que, junto com várias entidades da sociedade civil, firmou comunicado conjunto indicando ser “imperativo que o jornalismo seja exercido com ética e respeito aos princípios fundamentais da profissão, como a verificação dos fatos e a abertura ao contraditório (…) mas isso não pode ser confundido com a permanente ameaça de processos resultantes de um dos formatos e instrumentos mais importantes para o jornalismo: as entrevistas”.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) considerou um avanço a decisão com a ressalva de que “ainda há dúvidas sobre como podem vir a ser interpretados juridicamente os citados ‘indícios concretos de falsidade’ e a extensão do chamado ‘dever de cuidado’”.

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Decisão presume que o entrevistador tem que saber por indícios concretos que os fatos mencionados pela fonte não são verdadeiros. E se for ao vivo?

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E a pátria segue sem a necessária Segurança Jurídica para que funcione a democracia e a economia




Capitão Tarcísio viola a soberania

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, capitão do Exército, bolsonarista do partido Republicanos, partido do bilionário bispo Edir Macedo, da Igreja Universal (Iurd), diz que as greves contra as privatizações é não aceitar o resultado das urnas, e não aceitar o diferente. 

Não, meu caro governador. Sua eleição resultou de abuso do poder econômico, com votos de cabresto de fiéis das denominações religiosas neopentecostais, não expressa a vontade popular. A questão central é que não se trata de uma posição diferente, mas sim de defesa da Soberania Nacional. A Constituição assegura atividade econômica de relevante interesse coletivo a ser gerido pelo Estado.

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Enquanto isso, Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, combina com supremos ministros segurar a votação da PEC aprovada no Senado que limita poderes do STF. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça, irritou Gilmar Mendes, o decano do STF que chamou os senadores de “pigmeus morais”. 

É provável que a Câmara, por iniciativa de Lira, siga protelando, ou mudará o projeto para algo mais ameno, que não fira as suscetibilidades dos supremos ministros. Paralelamente, deputados da oposição protocolaram pedido de CPI para investigar Abuso do Poder na condução do STF. É briga de foice no escuro entre gente grande. E a pátria segue sem a necessária Segurança Jurídica para que funcione a democracia e a economia.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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