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Cansado de tanta estultice

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

Paulo Cannabrava Filho*

Foto: Glória Fluguel Foto: Glória Fluguel

O velho Carlos Marx, velho por sábio posto que atravessou os tempos, dizia que não se pode falar em abstrato do que deve ser feito depois da tomada do poder. Se isso é certo, mais certo ainda é dizer que não se pode tomar o poder sem um projeto para ser executado. Projeto discutido e com ampla base de apoio.

Quando a Dilma tomou posse, advertimos que ela ganhou a eleição mas não conquistou o poder, e que ela não tinha condições de governabilidade (ver em http://www.dialogosdelsur.org/quien-ha-ganado-esa-eleccion/29102014/ ). Congresso – o pior Congresso de nossa história – contra, as bases partidárias perplexas, o Judiciário contra e o próprio Estado contra. Já entenderão porque digo isso.
Quando na calada da noite esse Congresso aprovou o acordo de cooperação na área militar e de inteligência com os Estados Unidos, que Dilma levou para assinar com Obama em Washington, advertimos sobre a gravidade dessa violação de nossa soberania, já que institucionalizava a ingerência estrangeira em áreas vitais de nossa segurança (ver em http://www.dialogosdosul.org.br/pra-que-servem-os-acordos-dilma-obama/03072015/ ). E já se sabia que os organismos de inteligência estadunidense estavam escutando a própria presidenta e a Petrobras, para mencionar só os mais graves atentados à soberania.
Lula acertou quando ao sair do interrogatório a que foi submetido sob vara no Aeroporto de Congonhas, em coletiva na TV dos Trabalhadores, disse que era candidato e que ia pras ruas ao encontro do povo. A militância vibrou. Com razão pois este é o caminho. Ajudar com seu carisma a reconstruir o partido com propostas concretas de governo. Uma boa oportunidade para juntar forças em torno de um projeto nacional, o que sempre faltou ao PT.
Lula errou ao voltar ao Palácio do Planalto. Entrou numa ratoeira. Antes era Dilma a encurralada, agora é o PT inteiro, pois Lula é o PT. Se fez isso para escapar de Moro, errou duplamente.
Lula solto tinha um papel a desempenhar em cumprimento ao anuncio feito diante da TVT. Lula preso também. Ele mesmo disse, se me prenderem viro herói. Imagine o trabalho que a prisão de Lula daria, repercussão no mundo todo, a revolta dos petistas, a indignação dos constitucionalistas.
Bom. O mal esta feito. E agora?
Vai conseguir acalmar a Câmara Federal?
Vai parar a sanha persecutória de Moro?
Vai colocar a Polícia Federal a serviço do Estado?
Vai esvaziar as ruas ocupadas por gente insana que agride até crianças?
Vai convencer a Fiesp a voltar atrás na determinação de derrubar o governo e financiar a mídia golpista?
Vai enquadrar os concessionários de meios de comunicação?
Como voltar a ter segurança jurídica sem a qual é impossível construir democracia?
Constata-se que a mídia pauta a mídia com claros objetivos de desestabilizar o governo. Como reverter o circulo vicioso criado pelos meios de comunicação e fazê-los pensar na solução da crise?
Situação muito difícil. Parcela da população está ensandecida, inconscientemente obcecada. Como conscientizá-la? (Leia mais: http://www.dialogosdosul.org.br/desvariando-sobre-um-surto-psicotico/09112015/ )
O que gostaríamos de ver é o governo aproveitar o Lula para apresentar um plano com metas a serem cumpridas ano a ano. Reunir em torno de uma proposta concreta o que há de melhor nos partidos políticos, nas organizações sociais, nas universidades. Chamar as lideranças de comprovada trajetória de compromisso com o Brasil como Requião, Erundina, Ciro Gomes, entre tantos para compor uma frente de salvação nacional.
Um plano com objetivos de curto e médio prazo, evitando sacrificar os mais humildes mas explicando cada passo ao povo para ter o apoio do povo. Participação não pode ser referida como uma enteléquia e sim colocado na prática através dos organismos de participação já criados.
Retomada do desenvolvimento implica em desenvolvimento industrial. Sob os olhos do governo se desmantelou nosso parque industrial. O Estado já não tem controle algum sobre os centros de decisão do setor produtivo. Toda produção está dirigida às necessidades das empresas e estas obedecem a suas matrizes no exterior. As transnacionais são as responsáveis pelo rombo em nossa balança de pagamentos com as remeças de lucro e dividendos, o pagamento de royalties.
Desenvolvimento mesmo, requer que a produção esteja voltada as necessidades da população. Isso só é possível alcançar com planejamento, o tal projeto nacional que insistimos. Lula tem carisma suficiente para encarar um projeto deste porte. Tem carisma sim, mas, terá vontade de fazê-lo? Creio que isso não faz parte do DNA dele.
A hora exige discursos em torno da prática concreta, em torno daquilo que é possível fazer.
Entendemos que a hora é de emergência e que requer ações em três campos vitais como condição para romper o marasmo:

– Recuperação da soberania;
– Um programa de salvação nacional de emergência
– Intensa mobilização popular
Soberania

O governo não foi capaz de criar um Setor de Inteligência próprio. Deixou em mãos estrangeiras questões de alta sensibilidade em segurança nacional.
Obama não escutou Dilma e a Petrobras sem que tivesse a participação de agentes infiltrados no coração do poder. O governo não conseguiu desmontar esse aparato de escuta e as conversas continuam sendo gravadas, como provam os jornais de hoje publicando conversas entre Dilma e Lula e outros quadros do governo. Quem deu esse poder a um juiz de província?
Não, não é um juizinho qualquer. Carta Capital de 16 de março resume informação que saiu no Washington Post e repercutido pelo Conversa Afiada do jornalista Paulo Henrique Amorim: Em 1998, Moro cursou por um mês um programa especial na Faculdade de Direito da Universidade Harvard. Em 2007, participou de um curso de três semanas no Departamento de Estado estadunidense para líderes em potencial. Tudo começou em Washington? De novo? Pergunta o redator da revista.
Percebe-se que os mesmos que grampeavam as conversas da presidenta são os mesmos que orientam os envolvidos nas investigações da Lava Jato. Vale lembrar que a Polícia Federal foi equipada e treinada por agentes estadunidenses e recebe recursos do programa de ajuda militar e de segurança.

Inteligência

Inteligência é informação e tem como missão, entre múltiplas outras, a de não permitir que um chefe de governo seja surpreendido, seja por ataques internos ou externos. Na guerra a que estamos submetidos, esses ataques são econômicos, mediáticos, culturais, cibernéticos…
Inteligência implica em ter um sistema de comunicação a serviço do plano de governo derivado de um projeto nacional. Graças ao Franklin Martins esse sistema foi criado, porém, não é utilizado. Ficou o governo a mercê do cerco mediático montado pela Globo. É a Globo quem pauta a mídia nos dias de hoje.
Inteligência é ter um ou mais núcleo pensante para propor e acompanhar a execução do plano de governo. Na teoria, essa seria função do IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, bem como dos conselhos setoriais Parece que nada disso funciona, mas se teremos um projeto isso tem que funcionar.
Por falta de projeto o governo se vê agora encurralado.
Nenhuma corporação de porte sobrevive sem planejamento estratégico e inteligência. Perguntem ao Ermirio de Moraes?
Corrupção é a alma mater do capitalismo. Talvez o crescimento desmedido em tão curto prazo tenha deslumbrado os executivos de nossas grandes empreiteiras a tal ponto que fizeram da corrupção o objetivo de suas empresas aqui e no exterior. Descuidaram de setores vitais como planejamento estratégico e inteligência e caíram na arapuca armada pelos serviços de inteligência das potencias incomodadas com a concorrência.
É hora sim de ser solidário e lutar pela legalidade. Porém, o governo tem que sair da arapuca em que está prisioneiro e junto ao povo propor um Projeto de Salvação Nacional. Um projeto de emergência.

Projeto Emergencial de Salvação Nacional.

60 anos de jornalismo, aqui e no exterior, como repórter e editor, trabalhei como assessor do governo da Bolívia, do Peru e do Panamá. Denunciamos em Anatomia de um Golpe como foi a articulação da CIA, empresas transnacionais, governo militar brasileiro na derrubada do governo democrático de Salvador Allende em 1973. Ver o resumo dessa anatomia ajuda a entender o que está passando no Brasil (ver em http://www.dialogosdosul.org.br/chile-anatomia-de-um-golpe-i/09092014/ )
Aos que pregam o retorno dos militares na crença de que na ditadura vivemos num mundo em que todo mundo era puro, recomendo que leia nossas reflexões em: http://www.dialogosdosul.org.br/para-os-que-querem-volta-dos-militares/06072014/
Tendo assistido a pelo menos uma dezena de vezes o filme que nos impõe hoje, me autoriza propor algumas questões básicas para tirar o país da crise e iniciar uma nova rota de desenvolvimento.
Antes que tudo, recuperação da soberania, com expulsão dos agentes estrangeiros e denúncia dos acordos militares, de segurança e inteligência com Estados Unidos.

Fundamental:

Auditoria da dívida pública e renegociação.
Limitar e taxar a remessa de lucros e dividendos nos termos da lei em vigor até 1990
Recuperação do setor industrial nacional com ênfase na substituição de importações e o pleno emprego.
Investimento massivo na construção de casas populares e em saneamento básico. As casas, se construídas por cooperativas comunitárias e não pelas grandes construtoras, podem ter o dobro e até o triplo do tamanho pelo mesmo custo. Para o saneamento impor meta de alcançar 100% de esgoto recolhido nos centros urbanos em 5 anos.
Investimento massivo em infraestrutura de transporte ferroviário, rodoviário, e em portos e terminais.
Garantir a presença de empresas nacionais nas obras, intervindo nas empresas em dificuldade se for o caso.
Socorro à Petrobras aumentando a participação do Estado no capital da empresa. Garantir a preservação das políticas de partilha e o monopólio estatal nas riquezas do pré sal.
Estimulo a produção de energias alternativas como bioenergética, eólica, solar e das marés.

Na área política

Reforma ministerial reduzir o número com vistas a dar condições ao governo de executar o plano emergencial, o que requer alto nível técnico na condução das pastas.
Mobilização dos Conselhos Comunitários dando-lhes a tarefa de acompanhar a execução do projeto emergencial de salvação nacional.
Ativação dos conselhos setoriais mobilizando os empresários em torno do projeto.
Convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva para discutir e aprovar a Reforma Político-Partidária, reforma do judiciário e reforma tributária. Parte dos constituintes indicados pela sociedade organizada e outra com candidatos avulsos de reconhecida idoneidade e amor à pátria.

Na área social

Posta em marcha a economia com ênfase na produção será dada atenção prioritária a educação e saúde
A Pátria Educadora é uma boa ideia se materializada na prática. Investir massiva e exclusivamente na escola pública em todos os níveis e na formação e remuneração dos professores. Ter em conta que a escola privada está sendo apropriada por grandes corporações que só visam o lucro.
O SUS, resultado da Constituição de 1988, é elogiado no mundo inteiro como o melhor sistema, só que ainda não alcançou a dimensão das necessidades do país. Investir massivamente para universalizar a atenção à saúde.
*Jornalista editor de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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