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Cartilha para o desmonte, privatização e desnacionalização das estatais

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Ana Corbisier*

DESMONTEJá vimos esse filme antes. Guardadas as devidas proporções, o que estão fazendo com a Petrobrás hoje já foi feito quando da privatização CESP (Companhia energética de São Paulo) na década de 1990, mais precisamente a partir de 1995, início dos governos do PSDB, sob a batuta de Geraldo Alckmin (sempre ele!), vice-governador de Mario Covas (governou de 1995 a 1999) encarregado das privatizações no Estado de São Paulo, e atual governador[i].

A CESP era originária da fusão de onze pequenas empresas geradoras de energia elétrica que já não davam conta de atender a demanda crescente do parque industrial de São Paulo. Fundada em 1966 sob estímulo da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Tratava-se, então, de passar ao Estado, ou seja, a toda a sociedade, os investimentos necessários para aumentar significativamente o fornecimento de energia.

De fato, esses investimentos são altos e de longa maturação: demoram cerca de 30 para serem amortizados e passarem a ser rentáveis, do ponto de vista do investidor. Ou seja, passados os 30 anos de sua fundação e estando a CESP gerando um terço de toda a energia produzida no Brasil, passou a ser um negócio interessante para as empresas estrangeiras interessadas naquele mercado grande e cativo, na tecnologia desenvolvida ao longo daquelas três décadas, enfim no lucro certo que a empresa garante.

No governo de Paulo Maluf (1979-1982) a empresa foi endividada pesadamente a fim de obter recursos para o que chamou de Paulipetro (homenagem a São Paulo ou a ele mesmo?), com a qual pretendia encontrar petróleo em São Paulo – o que não aconteceu. O mecanismo utilizado foi captar recursos para as hidrelétricas, a começar com cinco da CESP e utilizar o resto do dinheiro para montar a Paulipetro – que, diga-se de passagem, foi sucateada nos governos seguintes, de José Maria Marin (1982-1983) e de Franco Montoro (1983-1987).

Portanto, para vender a CESP de forma a interessar o comprador, era necessário resolver o problema de sua dívida. Isso foi feito esquartejando a empresa em quatro blocos, ficando toda a dívida em apenas um deles – que Alckmin nunca conseguiu vender.

Mas também era necessário reduzir o corpo de funcionários, à época cerca de 20.000, distribuídos por todo o Estado, visto que a Empresa gerava, transmitia e distribuía energia. Foi levado a cabo, então, primeiro, um processo de desmoralização deles, seguido de sucessivos programas de demissão incentivada, em que eram oferecidas vantagens a quem se desligasse voluntariamente da empresa.

Como parte do processo de desmoralização, houve reuniões em que participava um grande número de funcionários – nas quais a direção da empresa perguntava: quem aqui já tentou algo fora da CESP? E como quase ninguém levantasse a mão, diziam: vêem? Vocês não são viáveis no mercado, estão acomodados… e por aí ia. Assim chegou-se a apenas 3.500 empregados.

Dos quatro blocos em que a CESP fora dividida, três foram vendidos a empresas estrangeiras, com dinheiro emprestado pelo BNDES e que, pelo menos no caso de uma delas, nunca foi pago. Ou seja, depois de ter bancado a montagem, agora a sociedade bancava a desmontagem da empresa, sempre em benefício de empresas estrangeiras.

Ora, vejamos o que vem acontecendo com a Petrobras que o governo Fernando Henrique – o das privatizações, do Estado mínimo, do neoliberalismo à outrance – quis tanto vender, mas não conseguiu, porque, para o povo brasileiro, ela tem um significado muito forte, de conquista de soberania, de segurança energética, de capacidade técnica.

É importante lembrar que a Petrobras, fundada em 1954, atua hoje em diferentes países, tem tecnologia para exploração de petróleo em águas profundas – coisa que poucos países do mundo têm – e, agora, tem o pré sal que, o mundo sabe, é um tesouro. O que significa que interesses muito grandes estão em jogo.

Então, o preço do petróleo cai, divulga-se que este produto já não é mais tão necessário, visto que existem opções combustíveis – como se o petróleo fosse matéria prima apenas para isso! Desmoraliza-se a empresa, seus dirigentes e seus negócios – vide Pasadena – “todos corruptos”. O valor de suas ações cai brutalmente. O caminho está aberto para que seja dividida e vendida. O passo seguinte, caso a oposição neoliberal e alinhada aos interesses dos Estados Unidos, e que já teve a coragem de vender a Vale, ou seja, o subsolo do país e suas imensas riquezas minerais, será retalhar a empresa e vendê-la no “mercado das almas”.

Na sequência, visto tratar-se de empresa de tal dimensão e histórico, as ações voltarão a subir, o pré sal será explorado, não mais em benefício do país e de sua educação, como quer o governo e como manda a lei, e sim para o envio de lucros milionários ao exterior, ou mais especificamente para as matrizes das multinacionais do petróleo – as chamadas Sete Irmãs.

Ainda há alguns elementos que fazem pensar: com que retaguarda um juiz de primeira instância prende o presidente da Odebrecht? Com que força oculta, como diria um ex presidente, o mesmo juiz mantém preso por oito meses, sem nenhuma prova, apoiado apenas em delação – e já se viu que essas delações não merecem confiança, visto que os delatores podem voltar atrás, como já o fizeram – um cidadão da envergadura de José Dirceu?

Sem medo de ser explícito: ao que o cenário indica, há inteligências movendo os fios das marionetes…

[i] Com a morte de Covas Alckmin completou seu mandato de 2001 a 2002, foi reeleito e governou de 2003 a 2006; elegeu-se novamente em 2011 e foi reeleito em 2014.

 

*Do núcleo de colaboradores de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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