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Caso de García Luna não repercute, mas tem forte impacto na relação entre México e EUA

A maioria dos principais meios estadunidenses não designaram jornalistas e só registraram a notícia no primeiro e no último dia do julgamento
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Escutou-se quando uma corrente tilintou ao tirarem as algemas do ex-policial supremo do México e colaborador estrela dos Estados Unidos, nisso que chamam uma guerra contra as drogas no quarto ao lado da corte, aonde ingressa já vestido com um terno azul escuro, como havia feito durante quase um mês de seu julgamento. Porém, na terça-feira (21) essa rotina chegava ao seu fim. 

O ex-funcionário mexicano de maior cargo jamais julgado nos Estados Unidos, sentado na mesma corte em que ainda está presente o fantasma de El Chapo, deu a volta para ver pela última vezes as caras de 12 novaiorquinos anônimos que tinham em suas mãos o resto de sua vida quando entregaram a folha do veredito ao juiz. 

García Luna é condenado: um novo impulso para a guerra às drogas operada pelos EUA

O silêncio foi absoluto, como se todos tivessem inalado o ar e esperavam para exalar enquanto o juiz revisava o documento com as cinco acusações criminais escritas e um lugar para anotar se o jurado qualificava como “culpado” ou “não culpado” o acusado.

A tensão se elevava, o acusado se mostrava tenso, seu rosto com marcas vermelhas, sua esposa e filhos de mãos dadas em um dos bancos para o público na parte de trás da corte, junto a jornalistas, agentes da DEA e da promotoria, e alguns não identificados que, por seus sapatos, cortes de cabelo e posturas físicas, não podiam ocultar que eram oficiais.

Mas de repente o juiz parou tudo e declarou um breve recesso – o júri não havia marcado uma das acusações. Minutos depois retornaram os jurados e entregaram de novo o papel ao juiz, que leu em voz alta a decisão unânime sobre cada uma das cinco acusações: a palavra “culpado” retumbou cinco vezes.  

Não foi “o julgamento do século” nos Estados Unidos. Em comparação com o julgamento de Joaquín Guzmán Loera, El Chapo, o julgamento de García Luna não teve grande notoriedade nos EUA, quase todos os principais meios nacionais não designaram jornalistas e só registraram a notícia no primeiro e no último dia.

García Luna decide não testemunhar em seu julgamento

García Luna não tem um perfil como o do El Chapo – não tem um papel em uma série da Netflix, nem canções sobre ele, nem uma celebridade o havia entrevistado, nem chegaram turistas para vê-lo no tribunal – embora alguns argumentem que esse julgamento foi muito mais importante por seu impacto político e suas potenciais consequências para a relação bilateral.

A maioria dos principais meios estadunidenses não designaram jornalistas e só registraram a notícia no primeiro e no último dia do julgamento

El Tiempo
Pena de García Luna ficará entre 20 anos de prisão à perpétua




Desfile de criminosos

Houve um pouco de teatro, sim, e até música, algo que podemos supor que às vezes assombrou e aterrorizou os jurados. Passou o desfile de apodos dos narcotraficantes que eram testemunhas cooperantes: El Grande (alguns dos jurados se tiraram para trás na primeira vez que entrou na sala) El Rey, El Conejo, El Lobo, que mencionavam a El Chapo, a Mayo, a Elegante, a Barbie.

Alguns destes, enquanto tratavam de recordar quantas pessoas haviam assassinado, torturado ou sequestrado, falaram com enorme orgulho e carinho de alguns de seus pertences. 

El Conejo quase chorou ao recordar sua casa na Cidade do México, seus hipopótamos e tigres brancos, mas sobretudo de seu mascote favorito, um gato persa com olhos azuis “tão brancos como a cocaína”, chamado Perico.

Quando o tradutor do corte lhe perguntou o que era “Perico”, respondeu com um par dedos levados ao seu nariz para indicar a inalação de cocaína. 

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Também contaram sobre o emotivo reencontro em uma caminhonete de prisioneiros em Washington entre El Grande e El Conejo, onde o segundo perguntou ao primeiro porque o havia mandado matar. “Ai, Conejito, era a guerra, deixemos isso para trás”, lhe respondeu El Grande, lhe prometeno enviar gravações de canções que ele havia composto na prisão. 

Os jurados estavam fascinados, mas seguramente não sabiam o que fazer com essa informação.


Vale recordar

Os promotores e a defesa tinham que armar seus casos para convencer o auditório principal – o júri, e não o juiz. Portanto, vários dos interrogatórios e contra interrogatórios, fotos e outros materiais estavam pensados como parte do roteiro tanto de uma obra judicial como teatral, para persuadir aos 12 integrantes do júri e seus seis suplentes.

Diferentemente do julgamento de El Chapo, foi notável o grau de desinformação sobre o processo que ofereceram alguns que reportavam ou informavam o caso. Em parte, isto era o resultado do desconhecimento, mas outra parte era porque muitos dentro e fora da côrte haviam decidido o roteiro antes de ver a obra, e criticavam que um não se apegava à outra. Outros decidiram, sem nada para comprovar isso, que havia manipulações políticas no processo.

A desinformação também se deveu à acelerada dinâmica para nutrir as redes sociais. Como não é permitido entrar na côrte com telefone ou computador e menos ainda câmeras, cada informante tinha que descer a uma sala de imprensa ou sair do edifício.

Assim, com a pressa de nutrir a insaciável besta cibernética, se subia informação parcial uma e outra vez, e frequentemente se perdeu a distinção entre o imediato e o importante. 

Isso levou a vários incidentes desafortunados, talvez o mais perigoso foi o caso do advogado de defesa César de Castro, o qual em um contra interrogatório perguntou – citando uma entrevista entre promotores e El Rey Zambada – sobre uma suposta entrega de dinheiro do cartel ao então chefe de governo da Cidade do México, Andrés Manuel López Obrador. 

A testemunha respondeu duas vezes que nunca havia dito isso, mas o que se reportou de imediato foi que o advogado havia buscado acusar falsamente López Obrador.


Ameaças de morte

Isso não só detonou uma controvérsia, mas provocou ameaças de morte ao advogado e sua família, e que ativistas fora da corte lhe gritassem “mentiroso” e “advogângster”. Vale recordar que De Castro é um advogado de ofício, ou seja, é designado a causas como esta pelo tribunal quando os acusados afirmam não ter recursos para contratar seus próprios advogados, e quem lhe paga não é o acusado, mas a corte. De Castro não sabia quem era seu cliente até o dia em que foi designado para o caso. 

Com a solidariedade entre muitos dos jornalistas, forjada no apoio mútuo, o sofrimento coletivo em esperas e frios na frente do tribunal e contando contos de aventuras prévias, festejou-se a missão essencial do bom jornalismo. 

Tudo culminou com o veredito de 12 pessoas protegidas com o anonimato e outras medidas de segurança (talvez pela presença de tanta gente perigosa com muitos apodos). Quando o juiz Brian Cogan começou a anunciar o veredito, três agentes federais se aproximaram do agora convicto na côrte.

Este deu a volta para enviar o abraço à sua mulher e filhos e foi escoltado ao quarto a um lado da sala por onde ingressou. Aí, teria que desvestir-se, pôr seu uniforme de réu e deixar seu terno e gravata talvez pela última vez em sua vida. Não se espera que seja visto publicamente até fins de junho nesta mesma sala para escutar sua sentença, que será entre 20 anos de prisão à cadeia perpétua.

Mas o julgamento ficou inconcluso. Houve ausentes no banco dos acusados tanto do México como dos Estados Unidos. Portanto pode (e se deve) supor que este não foi o capítulo final deste conto em ambos os lados da fronteira.

David Brooks | Correspondente do La Jornada em Nova York.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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