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Catalunha, onde bandeiras representam a rebeldia e o desejo de independência

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

O sentimento em favor da independência da Catalunha é amplo, a julgar pelas bandeiras que estão penduradas nos bairros da cidade. São inconfundíveis as listas amarelas e vermelhas da senyera catalã, mas também da bandeira estrelada com o triângulo azul e uma estrela branca.

Alfonso Gumucio*

A vantagem de uma cidade desenhada para caminhar é que o caminhante pode fazer isso olhando para o céu e não para o chão. Em La Paz, o “pateador” – como diria meu amigo Miguel Sánchez-Ostiz (que tanto gosta da nossa cidade) – costuma caminhar cuidando para que seus pés não tropecem nas pedras e buracos nas calçadas quebradas, ou pisem em alguma caca de cachorro de rua ou mascote de um dono mal educado. (Em cidades civilizadas multam aqueles que não recolhem as fezes de seus cães).

Por isso, dá gosto “patear” cidades como Barcelona onde a gente levanta o olhar para admirar a arquitetura dos edifícios e não se topa com um emaranhado de fios sujos mal atados em postes cravados torpemente: aqui em Barcelona a fiação está enterrada, distribuída sob a terra sem arruinar a paisagem urbana. 

E assim, mais uma vez na capital catalã, vejo sinais da onda independentista que continua agitando razões e corações. São poucas as moradias que não têm em alguma janela ou sacada uma senyera catalã pendurada em sinal de rebeldia. Algumas exibem também símbolos mais eloquentes sobre o sentimento republicano. E é claro que penso em Luis Espinal, assassinado há 38 anos em um dia como hoje. O que diria?

O sentimento em favor da independência é amplo, a julgar pelas bandeiras que estão penduradas nos bairros da cidade. São inconfundíveis as listas amarelas e vermelhas da senyera catalã, mas também da bandeira estrelada com o triângulo azul e uma estrela branca. A estrelada foi criada em 1908 pelo independentista Vicenç Albert Ballester, inspirado nas bandeiras de Porto Rico e de Cuba. A estrela “vermelha”, em que o triângulo é amarelo em lugar de azul e a estrela é vermelha e não branca, é a bandeira da esquerda radical que se reclama republicana, socialista e anti-capitalista. As variantes incluem a estelada com estrela verde, dos ambientalistas.

Sacadas e janelas exibem o “Sim” que foi contundente no referendo (“ilegal”) de 1º de outubro de 2017, e cartazes nos quais se pede a soltura dos presos políticos e o retorno dos dirigentes catalães que se exilaram para evitar as represálias do poder central espanhol. Nas calçadas se lêem palavras alusivas: “Llibertat”.

No entanto, se nota uma dispersão como a vivida quando emergiu em toda a península o movimento dos Indignados que ao cabo de algumas semanas de acampamento na Plaza Catalunya e outros espaços importantes das cidades espanholas, diluiu-se como uma gota de leite em uma xícara de café.

Tive a oportunidade, em fins de maio de 2011, quando estava de passagem por Barcelona, de conversar com os indignados. A praça estava totalmente ocupada e cada barraca ou posto de resistência era também um espaço de debate. Havia assembleias multitudinárias com jovens e fogosos oradores que nasciam para uma vida política de curta existência. A repressão interveio a pauladas e a gota de leite se diluiu no café cortado.

Agora, encontrei a mesma praça com menos barracas e menos entusiasmo, uma ocupação tediosa como a dos familiares das vítimas das ditaduras bolivianas que acampam há uma década em frente ao Ministério da Justiça em La Paz. Na Plaza Catalunya quase todas as barracas estão fechadas, só falta o letreiro: “volto logo”.

No futebol também se expressa a paixão independentista de muitos catalães. Há quatro décadas, pelo menos, eu não ia a um estádio, mas desta vez valia a pena ir para assistir no Camp Nou o jogo entre o Barcelona e o Athletic Club de Bilbao. Tarde memorável em um estádio repleto com 84 mil espectadores, “militantes” ativos do Barça, incluindo grupos radicais que agitavam grandes bandeiras republicanas e que no primeiro e no segundo tempo, quando o relógio marcava o minuto 17:14 cantavam em coro: “liberdade” e “independência”, recordando o ano de 1714 em que Barcelona caiu diante das tropas dos Bourbon, e Felipe V aboliu as instituições catalãs.

As manifestações no Camp Nou são veementes no clássico com o Real Madrid (ali nasceu a tradição em 2012), mas se converteu em uma prática comum a todos os jogos, inclusive agora que o Barça enfrentava um time de outras regiões autonômas: o País Basco, que luta há muito tempo contra o poder centralizado de Madrid.

E termino com reticências enquanto no Parlamento da Catalunha se estanca o debate sobre a posse de Jordi Turull (delegado por Puigdemont) como novo presidente da região, e se fraturam as alianças…

— Que falem embora não saibam de que, embora não tenham nada a se dizer. Porque nunca se fala o suficiente quando há vontade de solucionar coisas. — Joan Manuel Serrat

*Colaborador de Diálogos do Sul, de La Paz, Bolívia


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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