Quando eu era jovem, nas duas primeiras décadas da juventude, havia brilhantes artigos sobre economia brasileira. Em geral escritos por professores de universidades públicas ou por funcionários da burocracia estatal. Raramente tínhamos algum livro considerado “notável” saído dos cantinhos do Legislativo. Nessa categoria enquadro, entre outros, o livro do deputado federal pelo PTB, Sérgio Magalhães, intitulado Problemas do Desenvolvimento Econômico do Brasil.
Temos ali uma das melhores aulas, ou conjunto de aulas, sobre a economia da Era Vargas e o confronto, na arena produtiva, de dois gigantes da contemporaneidade capitalista: estado x multinacionais. Ali aprendi que, durante o governo revolucionário e popular de Getúlio Vargas, no Brasil havíamos criado, desenvolvido, estimulado, o uso de estratégias econômicas defensivas de alta qualidade e economicidade.
A mais importante linha de defesa da economia e do desenvolvimentismo foi a nacionalização das riquezas do subsolo, principalmente água e recursos minerais. Em seguida, alinho a estatização dos setores estratégicos da economia brasileira, setores que representam a oferta de meios gerais da produção de mercadorias – transportes e comunicações, minerais e petróleo/energia elétrica. Não por acaso, esta foi a “base teórica” para a definição do campo estratégico a ser financiado por impostos únicos, o IULC.G, o IUM, o IEE e, ao final o Imposto sobre comunicações.
Sem nos terem sido dadas as explicações devidas, durante a Constituinte de 1986-1988 os impostos únicos foram eliminados do texto constitucional. Abriu-se assim o caminho para a desastrosa desestatização introduzida pelo plano Collor de 1991.
Na ausência dos impostos únicos, que financiavam os setores estratégicos da economia brasileira, super endividado o Estado brasileiro graça à elevação da taxa internacional de juros ao final da década de 1970, situação agravada pela nacionalização estatizante das dívidas privadas em moeda internacional, o Estado brasileiro foi nocauteado pelo imperialismo (aqui representado por transnacionais e seus quadros administrativos, mais os aliados e membros da burguesia “brasileira”).
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Só um Estado forte e soberano pode garantir esse mínimo necessário à paz social.
Em apenas três décadas, dirigidas politicamente por dois partidos, o PSDB e o PT, foram reduzidas a poeira as grandes conquistas da Era Vargas, que eu situo entre 1930 e 1980. Meio século para fazer da economia brasileira, a décima maior economia do mundo, pouco depois de 1980, poderíamos ter alcançado a sétima posição, de onde despencamos após o golpe de Estado de 2013/2016, golpe de origem parlamentar-imperialista.
Há resultados evidentes e obscuros. A primeira evidência, quase óbvia, é a desnacionalização da economia brasileira. Inicialmente a galope, o ritmo atual é de urgência, como se a festa estivesse chegando a seu final trágico.
A desnacionalização é razão central para a sangria que ocorre no balanço de pagamentos internacionais. Em 2019, por exemplo, anteriormente ao surto pandêmico, pagamos em torno de US$ 67 bilhões como saída de juros e lucros líquidos para o exterior.
A uma taxa de 5 R$ / dólar, foram R$ 335 bilhões enviados para o exterior, no primeiro ano do atual governo. Esse montante foi maior que “o auxílio distribuído no ano passado [2020] as famílias de baixa renda”, segundo dados fornecidos pela colunista de Valor Econômico, no artigo A Pobreza Escancarada (11-05-2021, A-15).
Em países colonizados, subdesenvolvidos, recolonizados, a desnacionalização é em geral acompanhada do aumento da pobreza. No Brasil também é assim. No mesmo artigo, Maria Clara R.M. do Prado informa que:
Em apenas três décadas, 30% dos brasileiros retornam a condições de vida muito precárias. Uma pequena melhoria que desejássemos propiciar significaria mobilizar, em favor desse grupo, os R$ 300 bilhões que lhe foram destinados no ano de 2019, graças ao voto do Poder legislativo garantindo renda mínima de R$ 600, em média.
Assinalemos, enfim, que o montante utilizado para “suavizar” a miséria galopante que ameaça os brasileiros, R$ 300 bilhões, esse montante foi inferior à remessa de juros e lucros líquidos remetidos para o exterior (R$ 335 bilhões) naquele mesmo ano de 2019!
Ainda é possível pensar em saída eleitoral para os sucessivos golpes que temos sofrido… tantos foram os golpes, desde a década fatídica, os anos 1980 – de implantação do modelo de acumulação financeirizada ao nível mundial, nos países submissos à tríade (América do Norte-Europa e parte da Ásia) sob o comando binário USA/Israel!
A saída desse modelo não será fácil. Vai exigir um governo forte capaz de obter um consenso mínimo em torno de uma solução para as multidões de miseráveis que nos espiam das calçadas por onde se arrastam, fantasia infantil seria pensar que vamos eliminar esse problema com um programa de renda mínima. Quem vai pagar? Não serão os 5 bilhões de euros do imposto mundial em debate.
Precisaremos, com urgência, de 60 ou 70 bilhões de dólares a cada ano durante longo tempo. Além de ampliar a escola pública, a saúde pública e de criar um programa efetivo de moradia para todos os brasileiros. Só um Estado forte e soberano pode garantir esse mínimo necessário à paz social.
* Ceci Juruá é economista, pesquisadora, mestre em desenvolvimento e planejamento econômico, doutora em políticas públicas, colaboradora de Diálogos do Sul – (artigo em construção, para debate, criticas e contribuições serão bem-vindas)
** Dados retirados do artigo A POBREZA ESCANCARADA.
Por Maria Clara R. M. do Prado. Valor de 11-05-2021, A-15
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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