Héctor Béjar se propôs celebrar a Revolução de 1958 e o general Juan Velasco com um ato público aos cinquenta anos de seu começo, e o fez.
Em 3 de outubro à noite se congregaram na sede do Sindicato de Telefônicos umas cento e cinquenta pessoas que embargadas de emoção e saudade escutaram os oradores convidados. Quase todos os presentes eram pessoas da terceira idade e algumas da quarta que, verossivelmente, haviam vivido as realizações desse grande momento de nossa história. Não houve outro ato com esse caráter, e apenas os diários Perfil e Uno publicaram alguns artigos recordatórios destacando a grandes traços a importância desta revolução.
Servir ao Povo de Todo Coração – Reprodução
Por que as pessoas de menos de setenta anos ignoram essa passagem tão importante da história nacional, lhe são indiferentes, ou a estigmatizam sem saber a causa, ou a conhecem apenas de ouvir dizer?
A única resposta é porque a oligarquia branca reciclada e seus meios ideológicos e publicitários tiveram sucesso em enterrá-la em seu aterro sanitário, depois da contrarrevolução de Morales Bermúdez e Fujimori. Temem, sem dúvida, que esse processo possa brotar, fertilizado pela exploração, pelo abuso e pela corrupção, acumulados aos montes na vida pública e privada.
É a mesma técnica utilizada com outros governos inovadores mais ou menos: Billingursth, um empresário que se atreveu a cerrar o Congresso da República à oligarquia e coquetear com os trabalhadores; Leguía, outro empresário audaz que quis colocar o país na rota do capitalismo e brecou a oligarquia proprietária de terras. E quase todos se impactam com a mesma unção religiosa, na direita, no centro e na pretendida esquerda que funciona com o combustível ideológico que lhe verte a oligarquia.
Aos trabalhadores o governo de Velasco lhes deu a terra, a água e certos direitos sociais de grande importância: estabilidade no trabalho, participação nos lucros, procedimentos rápidos de negociação coletiva e solução dos conflitos jurídicos, inspeção do trabalho, proteção eficaz contra os riscos sociais e outros. A oligarquia e seus governos de aluguel que veneram depois não puderam tirá-los, mas os erodiram, apoiando-se na passividade de muitos de seus beneficiários e na cumplicidade de certos dirigentes e grupos políticos que se erigiram em seus guias espirituais. Hoje é comum o espetáculo de massas de trabalhadores percorrendo com raiva e desesperança os corredores do Ministério do Trabalho, os tribunais e juizados trabalhistas, o Seguro Social e a ONP para que os atendam e lhes concedam os direitos que ainda lhe restam e, no entanto, lhes negam.
Em um artigo sobre esta efeméride (de Luis Pássara, 1/10/2018) leio que o grande ideólogo da Revolução de Velasco foi Carlos Delgado Olivera, um ex-aprista. Repete o que se dizia para elogiá-lo. Delgado se limitou a deslizar a qualificação dessa revolução como “não capitalista nem comunista” que reproduzia o slogan do Partido Aprista “nem com Washington nem com Moscou” e que por sua vez se originava no slogan do Partido Nazista de Hitler com os mesmos termos.
Velasco e outros chefes militares gostaram dessa frase e a adotaram para rechaçar a acusação da oligarquia de marchar para o comunismo. Não houve outra motivação. Delgado Olivera foi recluído ao Sistema Nacional de Apoio à Mobilização Social (SINAMOS) e não teve acesso à preparação das decisões de transformação econômica e social, elaboradas ou geradas nas assessorias técnicas dos ministros e impulsionadas pelos ministros da tendência reformista e pelo próprio Velasco.
Um dos artífices dessas reformas foi o general José Graham Hurtado, chefe do Comité de Assessoramento da Presidência da República (COAP), integrado por doze coronéis das três armas e a quem correspondia apresentá-las ao Conselho de Ministros.
Em síntese: Velasco e os militares e civis que o acompanharam fizeram o que se devia e se podia fazer, abrindo passo entre as tendências adversas nas forças armadas e na sociedade. Liquidaram o feudalismo e estabeleceram um capitalismo reformado por uma decisiva intervenção do Estado, e novos direitos sociais.
Era o resultado da análise concreta da questão concreta do Peru na década de sessenta do século passado. Como dissera Carlos Marx no Prólogo à Crítica da Economia Política, que recordei nesse ato de 3 de outubro:
“É preciso explicar este conflito pelas contradições da vida material, pelo combate das forças produtivas da sociedade e das relações de produção. Um estado social jamais morre antes de que nele tenham se desenvolvido todas as forças produtivas que podia encerrar.”
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru