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Lições da história: unidade para vencer
Paulo Cannabrava Filho*
Dez centrais sindicais, quatro gerações de sindicalistas, lotaram o Teatro Cacilda Becker, no Centro Cívico de São Bernardo do Campo, para homenagear as pessoas que de uma forma ou outra lutaram contra a ditadura e pela construção de um Brasil melhor, pleno de justiça social.
São milhares os que lutaram, espalhados por todo esse imenso país. Na impossibilidade de agraciar a todos escolheram cerca de 600, alguns já mortos, vítimas da ditadura, a maioria vivos que sofreram algum tipo de castigo, todos perseguidos políticos por perseguirem a democracia e os direitos humanos.
Participando da homenagem, na tarde de sábado 1o de fevereiro, quatro gerações de sindicalistas. O novo ouvindo e testemunhando a história construída pelos velhos. Lições da história: novos e velhos empunhando a mesma bandeira da unidade: unidade na reivindicação e na organização sindical, unidade de classe como única saída possível na luta permanente contra a ditadura do pensamento único, a opressão do capital financeiro, a submissão aos interesses do capital transnacional.
Na mesa, o deputado Adriano Diogo, da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo e Rosa Maria Cardoso, da Comissão da Verdade nacional, deixaram claro suas certezas com relação à luta de classes que se trava no país, em que as elites conservadoras levam vantagem pela falta de um projeto nacional que unifique as forças progressistas. E essa é a grande lição da história. Não basta a unidade sindical, tem que haver uma proposta política capaz de unir a classe trabalhadora, e que democratize as comunicações.
Líderes do movimento sindical na década de 1960, com responsabilidade política apoiavam as Reformas de Base que, atendendo à reivindicação das massas estavam propostas pelo governo constitucional do presidente João Goulart. Propostas que levaram ao desespero as elites conservadoras e os agentes dos Estados Unidos.
Por ordem dos Estados Unidos, uniram-se os serviços de inteligência e o grande capital, com o latifúndio e os traidores da pátria para derrubar o governo que não só fora eleito como havia sido referendado por plebiscito. Nada mais justo portanto que um dos homenageados fosse Jango, que se iniciou e cresceu na política aliado ao movimento sindical. E também Leonel Brizola, que ainda na década de 1950 iniciara a reforma agrária e a reforma na educação do Rio Grande do Sul. Justas homenagens.
João Vicente Goulart, filho de Jango, recebeu o diploma e lembrou que as bandeiras pelas quais seu pai foi sacrificado ainda estão na ordem do dia. Jango queria a Reforma Agrária, a Reforma Urbana, a Reforma Tributária e a Bancária, já havia assinado o controle da remessa de lucro, e assegurava a soberania nacional sobre os recursos naturais. Por isso foi deposto.
Dia 1o de abril de 1964, quando cheguei para trabalhar no jornal Última Hora de São Paulo, o jornal estava cercado por tropas. Foram também cercados, fechados e postos sob intervenção os sindicatos de praticamente todas as categorias pelo Brasil afora.
Na lista da velha guarda entre os homenageados, protagonistas do Pacto de Unidade Sindical (PUA), todos com mais de 80 anos Rafael Martinelli, líder dos ferroviários; Osvaldo Lourenço, dos portuários de Santos;Vitelbino Ferreira, petroleiro; Antônio Chamorro, dos têxteis; Armando Mazzo, dos marceneiros, esses três últimos em memória. Cito esses nomes porque, primeiras vítimas da ditadura, sobreviveram e no início da década de 1980 empunhavam as bandeiras da democratização, anistia, eleições diretas e constituinte. Os que estão vivos se mantêm vivos porque lutam.
Essa geração recriou o Fórum Sindical de Debates com a intenção de estabelecer o diálogo entre o novo sindicalismo que emergia com as velhas lideranças. Empreendeu todos os esforços por manter a unidade no movimento sindical. Um dos melhores frutos do Fórum foi realizar série de atos sobre a constituinte que culminou com a apresentação de um projeto de Constituição, elaborado pela classe operária, como subsídio aos constituintes. Faltou na relação de homenageados o inesquecível João Adolfo da Costa Pinto, artífice inconteste da atuação do Fórum Sindical. A ele dedico meu Diploma.
Nas décadas de 1970-80 emergem novas lideranças sindicais. É a geração de José Ibrahim, Santo Dias, Virgílio Gomes da Silva, das greves de Osasco e Guarulhos, todos mortos. A geração do novo sindicalismo com Djalma Bom, Manoel Dias do Nascimento, Luiz Gushiken, Luís Inácio Lula da Silva, cujos nomes talvez componham a maioria dos homenageados.
Grande também o número de jornalistas homenageados: Vladimir Herzog assassinado no cárcere in memória. Audálio Dantas, que lhe tocou conduzir o sindicato nos momentos cruciais que seguiram ao assassinato de Herzog. Estopim que uniu as igrejas e a sociedade organizada para dizer basta ao arbítrio e obrigar a abertura democrática. António Carlos Felix Nunes, o maior fazedor de jornalismo sindical, criador de João Ferrador, personagem síntese da dramática vida do operário brasileiro. António Carlos Fon, Rose Nogueira e Paulo Cannabrava, jornalistas e combatentes da ALN, Sérgio Gomes e Vilma Amaro, com longa trajetória no jornalismo sindical.
Homenageados também Dom Claudio Hummes, bispo na região do ABC na época do ressurgimento das grandes manifestações e greves violentamente reprimidas. E como não poderia faltar, Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo, figura emblemática das lutas pela democratização e em defesa dos perseguidos políticos. Homenageado também Herbert José de Sousa, Betinho, criador do Movimento Fome Zero.
Poucas mulheres na relação. Não por terem sido poucas as mulheres que lutaram e se sacrificaram pelas liberdades democráticas. Bem lembradas Maria Cristina Tita Dias, Maria da Conceição Silva, Maria Nakano, Nair Jesus Goulart, para citar poucas entre poucas.
A mesa foi conformada por dirigentes de dez centrais sindicais: CGTB, CSB, CSP-Conlutas, CTB, CUT, Força Sindical, Intersindical, Nova Central e LIGT, que com apoio do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá e a Força Sindical organizaram o ato unitário “Unidos, Jamais Vencidos”.Na mesa o prefeito de São Bernardo, Luís Marinho, também um sindicalista da geração intermediária.
Na convocatória os sindicalistas argumentam que passados 50 anos do golpe militar de 1964, aquilo que foi reprimido retorna à vida política nacional buscando obter do Estado brasileiro, Verdade, Memória, Justiça e Reparação. A criação do Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical da Comissão Nacional da Verdade, vêm trabalhando para que esta missão seja cumprida. (…) São estes passos dados neste longo caminho por Justiça Social, que os trabalhadores e suas organizações trilham em nome daqueles que se sacrificaram nos tempos difíceis. Para que esta longa noite dos 21 anos do regime que assassinou lutadores e lutadoras e, acima de tudo, sacrificou a liberdade e a democracia, nunca mais aconteça.
Coroando o ato foi aprovada e lida a
Carta das Centrais Sindicais aos trabalhadores e ao povo brasileiro
Há 50 anos, antes do golpe militar de 31 de março de 1964, uma grande efervescência social, cultural e política impulsionava os movimentos sociais no Brasil e nas cidades e no campo cresciam as lutas e organizações populares, acompanhadas de um intenso e rico debate ideológico e cultural.
Este contexto fortaleceu organizações independentes como o CGT, Comando Geral dos Trabalhadores, as Ligas Camponesas e outras organizações nacionais e regionais como o PUA unindo ferroviários, marítimos e aeroviários e o Fórum Sindical de Debates na Baixada Santista, organizações envolvidas na luta pela reforma agrária, contra o imperialismo e por mais democracia política.
Naquele momento, a luta por um novo Brasil estampava-se na face de operários e camponeses, soldados e marinheiros, estudantes e intelectuais: era a expressão de um novo Brasil que queria nascer.
Há 50 anos, em 13 de Março, no grande comício da Central do Brasil, o presidente João Goulart, com o apoio de organizações sindicais e populares, anunciava sua disposição em encaminhar ao Congresso Nacional projetos para as reformas agrária e urbana; reforma tributária e concessão de voto aos analfabetos e os quadros inferiores das Forças Armadas, impedidos de votar e serem votados. Faziam parte das chamadas Reformas de Base que previam, ainda, projetos de lei para as reformas da educação e administrativa e medidas para um maior controle sobre o capital estrangeiro.
Há 50 anos, a crescente organização e ofensiva política da direita, do alto clero católico, de políticos conservadores, de setores militares da alta patente e setores empresariais, tiveram no comício da Central a senha para que as Forças Armadas, assediadas por estes setores patrocinados pelo imperialismo estadunidense, desencadeassem um golpe de Estado contra a democracia e a classe trabalhadora. O golpe militar de 31 de Março de 1964 derrubou o governo constitucionalmente eleito de Jango e, logo de início, reprimiu a luta dos trabal hadores, interrompendo o nascimento de um novo Brasil.
Há 50 anos, a luta dos trabalhadores e do movimento sindical foi o principal alvo do golpe militar. Nos 21 anos de ditadura, centenas de sindicatos sofreram intervenções dos governos dos generais e milhares de sindicalistas e trabalhadores militantes, do campo e da cidade , foram ameaçados, perseguidos, presos, torturados e assassinados. A ditadura suprimiu, com base na violência institucionalizada, os direitos democráticos e civis e a prática do terror de Estado serviu à implantação de uma política econômica nociva aos trabalhadores e à nação brasileira, intensificando os lucros das empresas e o arrocho salarial, aprofundando a desigualdade social, a miséria e a violência.
Hoje, 50 anos depois do golpe, a sociedade brasileira se esforça para explicitar as atrocidades que a ditadura cometeu contra o povo brasileiro e, especialmente, contra os trabalhadores.
Hoje, 50 anos depois do golpe e há 30 anos do fim do regime de 64, amplos setores da sociedade brasileira buscam liquidar as sequelas e a macabra herança da ditadura militar, com seu arsenal repressivo, ainda presentes na sociedade brasileira.
Hoje, 50 anos depois do golpe as Centrais Sindicais brasileiras, através de sua participação na Comissão Nacional da Verdade, vêm a público exigir do Estado, Verdade, Memória, Justiça e Reparação. Nesta Carta aos Trabalhadores e ao Povo Brasileiro, as Centrais, representando honrosamente suas categorias, recomendam que sejam buscados:
• Identificação, julgamento e responsabilização de agentes públicos e civis envolvidos em perseguições e torturas.
• Identificação das formas de colaboração pública e privada na repressão aos trabalha dores e ao movimento sindical.
• Julgamento e reparação quando esta repressão for comprovada, mesmo quando prescritas na atual legislação brasileira.
• Adoção de interpretação da Lei 6683/79 (Lei de Anistia) que seja compatível com a proteção e defesa dos DDHH.
• Provimento de recursos de Estado para a execução de sentenças baseadas na Lei 10.559/02, (lei de Reparação) também provendo a Comissão de Anistia do MJ e outros órgãos relacionados, de recursos ao seu pleno funcionamento.
• Revogação da Lei de Segurança Nacional.
• Identificação e supressão da legislação antidemocrática remanescente, inclusive a relacionada à organização sindical.
• Promoção dos valores democráticos no ensino brasileiro e valorização de conteúdos curriculares que expressem o verdadeiro papel da classe trabalhadora na história do golpe de 64 e da ditadura militar.
• Desmilitarização das polícias federal, civil, militar e guardas municipais.
• Extinção da Justiça Militar.
• Valorização da Memória das graves violações dos DDHH com ênfase na memória e verdade dos trabalhadores.
• Abertura e concessão das indispensáveis condições que permitam o livre e eficiente acesso a todos os arquivos referentes ao período indicado no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 88.
São Bernardo do Campo, 1o de fevereiro de 2014