De acordo com os vaticínios e qual profecia auto cumprida, o fim das férias de verão no Chile e o início do ano letivo (exceto nas universidades) e, em geral, das atividades políticas, estão impulsionando novamente os protestos sociais com alterações na ordem pública, produzindo enfrentamentos que deixaram nesta semana mais de 300 detidos só em Santiago.
A próxima prova de fogo acontecerá no domingo, 8 de março, quando estão anunciadas marchas pelo “Dia internacional da mulher”, ante sala de uma greve feminista na segunda, dia 9, concebidas como grandes atos pró “aprovo”, de cara ao plebiscito de 26 de abril, quando será decidido se os chilenos e as chilenas vão avançar em um processo constitucional.
Nessa ante sala, o presidente Sebastián Piñera, fiel ao seu patenteado estilo de frases lançou na segunda-feira a mais recente e que pode ser a gota que transbordará o copo. “Às vezes não é só a vontade do homem de abusar, mas também a posição das mulheres a serem abusadas (…) Temos que corrigir o que abusa e também dizer à pessoa abusada que não pode permitir que isso aconteça”, disse ante o estupor de quem o rodeava.
Esse torpe comentário, feito durante a promulgação de uma lei que sanciona a violência machista durante o namoro, terminou por funcionar como a convocatória definitiva para as manifestações que se realizarão em dezenas de cidades do país.
Facebook La Jornada / reprodução
A próxima prova de fogo acontecerá no domingo, 8 de março, quando estão anunciadas marchas pelo “Dia internacional da mulher”
“Lei Gabriela”
De modo que a apresentação da “Lei Gabriela” – denominada assim porque foi impulsionada pelo assassinato em 2018 da jovem de 17 anos, Gabriela Alcaíno, e de sua mãe em mãos de um ex-namorado da menor – converteu-se em outro fiasco governamental apesar das tentativas de remediá-lo.
Mas nada disso serviu e o pai da jovem, Fabián Alcaíno, disse que as palavras de Piñera são “bastante desafortunadas, porque é não escutar, é não entender que aqui a culpa não é da mulher”, agregando que os abusadores “têm uma mistura super letal de inteligência e habilidade para envolver e diminuir a mulher, mas a culpa nunca vai ser da mulher nestes casos”.
A quente prévia do 8 de março precipitou que o Parlamento, tanto a Câmara de Deputados como o Senado, aprovasse nesta quarta-feira, depois de três meses incertos, uma lei que garante a paridade de gênero na convenção constitucional que redigiria a nova constituição a partir de outubro, quando sejam eleitos os e as representantes. Na Câmara o projeto recebeu 98 votos (requeria 93), incluídos 16 de deputados oficialistas; e no Senado 27 (eram necessários 26), dos quais quatro governamentais, enquanto seis direitistas votaram contra e quatro se abstiveram.
“A fala do presidente foi muito desafortunada na antessala do 8 de março. Mas esse fato político passa a ser pouco relevante diante da aprovação muito contundente ontem (5) da paridade de gênero que dividiu o oficialismo. Isso muda o cenário para o domingo que vai ser uma jornada para reivindicar as dívidas de gênero, mas também de celebração, porque parecia impossível conseguir uma constituinte paritária”, afirma a cientista política Gloria de la Fuente, presidenta da Fundação Chile 21.
Ao quente ambiente de março soma-se agora a utilização governamental do coronavírus, do qual até agora foram detectados três casos no país, quando o ministro de Saúde, Jaime Máñalich, declarou hoje sua “preocupação” de que a propagação possa afetar a realização e a legitimidade do plebiscito de abril. Imediatamente, a oposição o acusou de fazer “terrorismo sanitário”.
A esse respeito, Gloria de la Fuente diz que “a legitimidade está dada pelo caminho institucional que se percorreu” e considera “profundamente desafortunado” vincular essa doença ao plebiscito, dado que não há antecedentes para gerar esse temor e, porque “diante da psicose que há no mundo”, as autoridades deveriam esmerar-se em gerar tranquilidade.
Aldo Anfossi especial para La Jornada desde Santiago do Chile
La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Veja também