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Chile: Boric nomeia direitista como Procurador Nacional e abraça nova tormenta política

José Morales Opazo era o candidato predileto da direita e possui trajetória pelo menos polêmica no interior do Poder Judicial
Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago

Tradução:

A eleição no Chile do próximo Procurador Nacional está se convertendo na mais recente tormenta política das várias que castigam o governo do presidente Gabriel Boric, e também em outra demonstração das debilidades de sua administração, depois que o mandatário pediu ao Senado que ratifique o nome do advogado José Morales Opazo, o candidato predileto da direita e possuidor de uma trajetória pelo menos polêmica no interior do Poder Judicial.

Morales é atualmente chefe adjunto da Procuradoria Santiago Norte e sua candidatura para dirigir o Ministério Público provém de uma quina que a Corte Suprema selecionou entre 17 aspirantes e que enviou a Boric para que escolhesse entre eles um para propor ao Senado.

Para que seja ratificado, se requer a aprovação de 33 (2/3) dos 50 senadores, uma cifra que requer a soma de adesões entre a minoria oficialista e a oposição direitista majoritária: mas há setores pró-governistas que estão insatisfeitos ao pelo menos questionar a proposta presidencial. 

Isso se deve a que Morales – conhecido pelo apelido de “o coveiro” no âmbito judicial – é responsável por “enterrar” investigações penais nas quais estavam imputados personagens poderosos da política e do grande empresariado, ao promover e facilitar condenações menores para aqueles que traíram severamente a confiança da cidadania. 

Por exemplo, acedeu apenas ao pagamento de uma compensação aos consumidores quando esteve a cargo de indagar a colusão entre três cadeias de farmácias que acordavam preços de medicamentos de alto custo e enviou os executivos responsáveis a receber lições de ética; ou evitou aprofundar uma investigação contra a linha aérea Latam – nos tempos quando o ex-presidente Sebastián Piñera estava entre os acionistas controladores – por um caso de suborno a um funcionário na Argentina e pelo qual a companhia pagou uma multa de US$ 20 milhões nos Estados Unidos.

Morales foi também negligente em uma indagação que, finalmente a cargo de outro Procurador, destapou um tremendo caso de corrupção na polícia de Carabineiros, em que há dezenas de oficiais envolvidos e onde foram defraudados pelo menos US$30 milhões.

Mauricio Daza, advogado penalista que litigou no “caso Cascadas” – uma investigação acerca de compra e venda fraudulenta de ações de uma empresa mineira e que esteve a cargo de Morales até que foi substituído porque a investigação estava paralisada, disse a Radio Análisis que a candidatura dele para liderar o Ministério Público está explicada pela “grande debilidade política do governo e que se traduz em que não conta com as maiorias suficientes no Congressos para impulsar nenhuma das iniciativas que está propondo e que envolvem mudanças estruturais; e expor-se a uma derrota no Senado pode ser complexo”. 

“Há um cálculo político, mas o problema é que evitar uma derrota, está hipotecando o futuro da perseguição penal durante os próximos oito anos. É muito lamentável a forma que se está dando isto, representa ao mundo político no sentido de que a máxima prioridade para designar um Procurador nacional está em que este não seja molesto no caso de existir alguma causa que envolva o poder político. O interesse público fica novamente relegado e temos um candidato que só vai estender e talvez aprofundar a crise do ministério público”, disse Daza.

José Morales Opazo era o candidato predileto da direita e possui trajetória pelo menos polêmica no interior do Poder Judicial

Prensa Presidencia – Chile
Direita está empenhada em que qualquer novo processo esteja em mãos de especialistas designados e de parlamentares em exercício

Fidel Espinoza, um senador do Partido Socialista – aliado do governo – que se caracterizou por atacar, inclusive com sanha, a personagens do governo, acusou anteontem que as ministras do Interior, Carolina Tohá -chefa política do gabinete – e da Secretaria Geral da Presidência, Ana Lya Uriarte, realizavam um “lobby feroz” e “seduzindo para votar por um”, no Senado. 

Isso desatou um escândalo que além dos reproches das ministras aludidas, lhe valeu o da própria presidenta de seu partido, Paulina Vodánovic, que além de desculpar-se formalmente com aquelas, disse que “chagou o momento que o Tribunal Suprema conheça as condutas constantes de ataque pessoal a distintas pessoas da política por parte do senador Espinoza”. Este, longe de retirar, ratificou o que tinha dito.


Outras frentes complexas

Porém isso não é tudo, mas o governo também faz água por outros costados: enfrenta, por exemplo, uma ofensiva direitista na Câmara de Deputados, onde a maioria opositora está empenhada em tomar o controle de todos as comissões (12) para assim controlar/bloquear a tramitação da agenda legislativa governamental; também está uma vez mais submetido à pressão dos grêmios de proprietários de caminhões, um dos quais lançou uma paralização indefinida no norte do país que se foi estendendo ao longo de milhares de quilômetros de estradas, com bloqueios parciais, e que está afetando a livre circulação e o abastecimento de importantes cidades.

“A direita à ofensiva para aprofundar a crise. Paralisando o Congresso, paralisando estradas, paralisando as transformações pendentes desde outubro de 2019. O governo não pode seguir cedendo. É o momento de passar à ofensiva e isso se faz convocando a sociedade”, publicou em suas redes o prefeito esquerdista de Valparaiso, Jorge Sharp, um aliado circunstancial de Boric.

A todo isto se agrega o estancamento que mostra a possibilidade de reviver o processo constituinte, porque a ponto de cumprir três meses desde que a proposta da Convenção Constituinte foi recusada no plebiscito de 4 de setembro, não há sinais de que os partidos estejam nem sequer perto de chegar a um acordo para relança-lo. 

Pelo contrário, a direita está empenhada em que qualquer novo processo esteja em mãos de especialistas designados e de parlamentares em exercício, com muito pouca ou nula participação cidadã na eleição de um poder constituinte soberano.

Aldo Anfossi | Correspondente do La Jornada em Santiago do Chile.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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