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ToggleDezenas de milhares de chilenos voltaram às ruas nesta segunda-feira (18) para relembrar os dois anos do levante social de uma jornada histórica, comemoração que coincidiu com o início da redação da nova Constituição, grande fruto das mobilizações, e exigir a destituição do presidente Sebastián Piñera, que teve parte de seus crimes flagrados pelos Pandora Papers.
Desde as seis da tarde, a Praça Dignidade, no centro de Santiago, voltou a ficar repleta de manifestantes para frisar que “o Chile despertou” e que “Piñera está com as suas mãos repletas de sangue de inocentes”. O mesmo sentimento contra o retrocesso, pelo desenvolvimento e pela libertação dos manifestantes que estão ilegalmente detidos há meses se espraiou por mais de 50 cidades de todas as regiões. Contrastando com o clima festivo da comemoração da multidão, um destacamento de cinco mil carabineiros (a polícia militar) provocava e prendia. “Pela primeira vez os povos do Chile nos sentamos numa mesa plural para discutir e pensar em um país onde a dignidade se fará costume”, assinalou a presidenta da Mesa da Convenção Constitucional e liderança do povo mapuche, Elisa Loncon, à frente do evento.
Entre outras lideranças, se fizeram presentes o prefeito de Recoleta, Daniel Jadue; a deputada do Partido Comunista, Carmen Hertz, além de vítimas da violência policial durante os protestos contra a política de fome e desemprego, como Gustavo Gatica, jovem que ficou cego após receber um tiro de bala de borracha, e Fabiola Campillai, que também ficou com cegueira total após receber o impacto de uma bomba de gás lacrimogêneo dos Carabineiros em pleno rosto. Estas são duas das 445 pessoas que ficaram com lesões oculares nos conflitos, segundo o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH).
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Foram gravadas batucadas e danças, entre outras expressões artísticas, com o objetivo de comemorar o aniversário de uma data carregada de simbolismo e enaltecer a resistência das vítimas de violações dos direitos humanos.
Já pela manhã um grupo de estudantes e trabalhadores da saúde haviam pulado as catracas do metrô da capital, relembrando o fato que marcou os protestos em 2019, que explodiu inicialmente devido ao aumento do preço das passagens, mas que rapidamente se agigantou e tomou a exigência de mudanças políticas e sociais mais profundas. Em uma passarela próxima ao Costanera Center, o mais alto edifício da América do Sul, estudantes fixaram um cartaz com a mensagem: “O único caminho é o exemplo de outubro”.
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“Há dois anos, milhares de pessoas no Chile saíram corajosamente às ruas para exigir mais igualdade e direitos humanos, como uma pensão decente, moradia de qualidade, educação e saúde pública. A resposta das autoridades foi uma repressão violenta e a criminalização dos protestos sociais, através do uso excessivo da força, e do uso discriminatório e desproporcional da prisão preventiva, entre outras graves violações dos direitos humanos – situação que, até agora, o governo tem persistido em negar ou minimizar”, informou Erika Guevara Rosas, diretora da Anistia Internacional para as Américas. Conforme a instituição, “milhares de vítimas poderiam hoje contar uma história diferente se não fosse a omissão deliberada dos comandantes dos Carabineiros que permitiram a prática de atos de tortura e maus-tratos contra os manifestantes para dispersá-los a todo custo ou detê-los sem as devidas garantias”.
Leonardo Wexell Severo
Dezenas de milhares de chilenos voltaram às ruas nesta segunda-feira (18) para relembrar os dois anos do levante social histórico.
Chile digno
A coalizão Chile Digno, conformada pelo Partido Comunista, a Federação Regionalista Verde Social, e outros movimentos políticos e sociais como Ação Humanista, Esquerda Libertária e Esquerda Cristã, aponta que a nova Constituição, formada por 155 membros, é a primeira paritária do mundo.
“Ela é fruto da desobediência civil e dos protestos iniciados pelos povos do Chile e aquela em que o povo está avançando nas suas reivindicações e soberania. Este histórico processo social teve consequências devastadoras em matéria de direitos humanos pela ação de um governo que criminalizou e criminaliza a legítima mobilização social e que se negou e segue se negando a atender as demandas populares”, assinalou, frisando que “muitos perderam suas vidas, sofreram mutilação de seus olhos, prisão política, entre outras violações de direitos humanos”.
De acordo com a coalizão Chile Digno, “é urgente poder contar com uma nova Constituição e que os abusos se detenham, especialmente aqueles que o presidente da República tornou conhecidos pela imprensa mundial”. “É motivo de indignação os atos de corrupção que hoje, novamente, se investigam na Justiça e que o submetem a uma nova acusação constitucional perante o Congresso. A destituição do presidente da República é um imperativo ético e moral”. Os constituintes também reivindicaram a exigência da libertação dos prisioneiros políticos e o fim do Estado de Exceção e militarização da macrozona Sul, que submete o povo mapuche a uma brutal repressão.
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Nova constituição
A nova Carta Magna deverá estar pronta no máximo em um ano e deve ser ratificada por um plebiscito. O objetivo da maioria dos constituintes é enterrar de vez a atual Constituição, neoliberal, herdada da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). Para o constituinte Hugo Gutiérrez, do PC, “aí está a chave para a construção do Chile independente e soberano, uma vez que vai colocar abaixo a política de desnacionalização e privatização de serviços básicos como a educação, a saúde e as aposentadorias”.
Para Amália Pereira Campos, conselheira nacional da Central Unitária de Trabalhadores (CUT-Chile), “o aniversário do levante está sendo comemorado em meio à Constituinte e à campanha para as eleições presidenciais e parlamentares de 21 de novembro, com a desaprovação de Piñera batendo todos os recordes, pela gravíssima situação em que o país se vê mergulhado”. “E para pôr um ponto final neste desgoverno, a oposição apresentou de forma unitária uma acusação constitucional para a sua imediata destituição”, acrescentou.
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Ao final do ato alguns delinquentes e milicianos infiltrados tentaram desviar a atenção do protesto, provocando distúrbios. A conduta foi prontamente rechaçada pelo oposicionista Gabriel Boric, do Aprovo a Dignidade, que lidera todas as pesquisas de intenção de voto à presidência. “A violência e a destruição do patrimônio comum não é nem nunca será o nosso caminho, e só serve aos que querem que tudo siga igual. É em unidade e nos respeitando que poderemos construir um Chile digno e justo para todos e todas”, reiterou Boric.
Os conflitos deixaram um saldo trágico de dois mortos, 56 feridos e 450 detidos.
* Leonardo Wexell Severo é jornalista e colaborador da Diálogos do Sul
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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