A direita chilena, que com apenas 37 de 154 representantes na concluída Convenção Constitucional (CC), viu como seus pares independentes e de centro esquerda concordaram com um texto que desmantela o Estado subsidiário e o substitui por um de direitos sociais garantidos, aglutina-se agora na consigna “recusar para reformar”, contra tudo o que foi seu comportamento histórico durante 40 anos: impedir qualquer mudança que alterasse a essência do neoliberalismo.
De início, em 1988 apoiaram que a ditadura de Augusto Pinochet continuasse por oito anos a mais e fizeram campanha por isso no plebiscito do “sim” ou “não”. Basta uma breve revisão para constatar que os conservadores nunca cumpriram o que prometeram impulsionar e que, inclusive, impediram ou dilataram até o máximo que se legislasse para terminar com os resquícios do século 19 vigente no Chile como, por exemplo, a discriminação dos filhos.
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Em 1989, nos estertores da ditadura, um setor da direita se comprometeu a terminar com os senadores designados, uma figura que a constituição pinochetista instaurou para bloquear reformas; mas os designados continuaram por 16 anos até 2006 e a direita manteve assim uma maioria artificial na Câmara Alta. Mais recentemente, em 2018, congelaram no legislativo a proposta de Carta Magna enviada pela ex-presidenta Michelle Bachelet, iniciativa que talvez, se tivesse avançado, houvesse evitado a explosão social de 2019.
E segue: em 1993, boicotaram durante cinco anos o estabelecimento da igualdade legal dos filhos nascidos dentro e fora do matrimônio, considerando os segundos “ilegítimos”, algo que mudou apenas em 1998. Outros exemplos: em 2004, votaram contra a lei que estabeleceu o divórcio; em 2014, se opuseram à criação do Ministério da Mulher e Equidade de Gênero; em 2018, estiveram contra a lei de aborto por três causas e, em 2020, contra declarar a água como bem de uso público. Há muito mais…
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"Não acreditamos neles porque a história demonstra qual tem sido a atitude e o comportamento da direita declarou", declarou uma liderança
Agora os partidos direitistas – que em outubro de 2020 apelaram a votar “recuso” e que novamente estão pelo “recuso” no plebiscito de 4 de setembro – dizem que o texto herança do ditador não vai valer mais e que impulsionarão um diferente, baseado no que saiu da CC, mas o qual demonizam como refundador, divisionista e pró-indigenista, entre muitos epítetos.
“Nosso país exige um compromisso solene e decidido de avançar para uma nova Constituição que permita reencontrar-nos, que favoreça as mudanças que deseja a cidadania e busque os maiores acordos para projetarmos as próximas décadas com unidade e estabilidade. O Chile necessita de um novo pacto constitucional, politicamente transversal, com vocação majoritária e de alcance nacional”, disseram em uma declaração, jurando “seu compromisso com a continuidade do processo constituinte”.
Nada dizem de como seria isso, não dão detalhes a respeito e endossam ao presidente Gabriel Boric propor uma fórmula que prolongue o cenário constitucional, mas ao mesmo tempo em que lhe exigem não intervir na campanha a favor do “aprovo”. Assim reagiram ao anúncio presidencial de ontem de entregar um bônus invernal equivalente a 120 dólares a 7,5 milhões de pessoas, a ser pago em agosto, chamando-o de “bônus aprovo”, apesar de que as temperaturas abaixo de zero entumecem os lares modestos em boa parte do país.
Felipe Delpín, presidente da Democracia Cristã (DC) – um partido do centro político que chama a votar “aprovo” – disse que “nós como DC não acreditamos neles; a direita sempre se comprometeu com mudanças (…) e nunca cumpriu. Não acreditamos neles porque a história demonstra qual tem sido a atitude e o comportamento da direita, se move por interesses, não por ideais”.
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A tudo isso, a inaudita indefinição do ex-presidente da concertação, Ricardo Lagos (2000/06), que na semana passada evitou pronunciar-se acerca de se apoiará ou não o “aprovo”, e que inclusive insinuou que poderia votar em “branco”, está sendo capitalizada pela direita.
Jorge Arrate, um histórico dirigente socialista, publicou uma carta recriminando-o asperamente.
“Quanto mais fala do que te levou a adotar sua postura, mais se afunda em um marasmo de argumentos aberrantes. Alguns dizem que suas expressões prejudicam a opção transformadora e favorecem à direita. Mas vou além: se ganhar o “aprovo”, seu papel será ainda menor do que já é. Só o “recuso” te daria a oportunidade de negociar com a direita, uma vez mais, novos retoques à Constituição pinochetista. Como a rubrica de uma trajetória política é indecorosa. Que pena, Ricardo!”, comentou.
Um estratagema lançado pela direita e apoiado por setores da ex-concertação que votam “recuso” – entre os quais há parlamentares da DC, ex-ministros e/ou próximos ao ex-presidente Lagos que declararam sua direitização –, consiste em impulsionar agora um quórum de 4/7 para reformar a atual constituição, para assim ficar em posição de retocá-la se, em setembro, ganhar o “recuso”, mas sem alterar a fundo o modelo.
Aldo Anfossi, especial para La Jornada, em Santiago do Chile.
Tradução Beatriz Cannabrava.
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