A imprensa brasileira vem falando bastante sobre a situação na Nicarágua, país acusado de manter presos políticos durante suas recentes eleições presidenciais. Porém, quase nada é dito do que acontece no Chile, outro país latino-americano que vive clima eleitoral, com um primeiro turno que acontecerá neste domingo (21/11), em meio a um panorama similar ao da denúncia feita contra o governo de Daniel Ortega.
O pleito chileno é o primeiro desde a revolta social que sacudiu o país em outubro e novembro de 2019. Naquele então, o governo de direita de Sebastián Piñera acionou um mecanismo chamado “Estado de Emergência”, para colocar as Forças Armadas nas ruas para ajudar as polícias em tarefas de segurança pública, o que resultou na prisão de milhares de pessoas, nas diferentes jornadas de protesto que ocorreram quase diariamente no país. Dois anos depois daquela onda de manifestações, ainda há ao menos 165 pessoas mantidas presas, das quais 45 estão em prisão preventiva em presídio, algumas delas há quase dois anos, enquanto outras 120 conseguiram pena de prisão domiciliar.
Roberto Parizotti
Manifestantes em frente ao consulado do Chile, em São Paulo
As decisões judiciais que produziram esse quadro se deram após o presidente Piñera acionar outro mecanismo, desta vez jurídico: a Lei de Segurança Interior do Estado, cujo efeito é transformar delitos de desordem pública — que costumam ter penas baixas, de entre dois meses até um ano de prisão, dependendo do caso — em crimes de maior consequência, considerando-os como “possíveis delitos terroristas”.
Por se tratarem dos presos da revolta social, ocorre mais uma situação arbitrária, que também é justificada pelo uso da Lei de Segurança Interior do Estado, que é o abuso da prisão preventiva: entre esses 45 casos que aguardam uma resolução da Justiça, muitos não avançam porque o Ministério Público tenta ganhar tempo para conseguir mais provas, já que quase todas as detenções estão sustentadas somente na prova testemunhal de um policial ou de um militar que efetuou a prisão.
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Afinal, esses 45 réus em prisão preventiva, e 120 em prisão domiciliar são as vítimas retardatárias de uma política repressiva que, a partir do Estado de Emergência e da aplicação da Lei de Segurança Interior do Estado, efetuou mais de 5000 detenções de manifestantes durante os atos da revolta social e de outras marchas que ocorreram nos dois anos seguintes – quando só o segundo instrumento se mantinha vigente, já que o Estado de Emergência durou apenas até novembro de 2019, e depois foi acionado em alguns meses de 2020, no contexto das quarentenas decretadas pela pandemia do coronavírus.
Por sua parte, o Palácio de La Moneda alega que os presos da revolta social não são presos políticos e sim “pessoas que foram detidas por atos de vandalismo e desordem pública”, segundo a definição do porta-voz do governo, Jaime Bellolio.
Esse argumento que choca com a opinião de juristas como Jaime Fuentes, que também é porta-voz da Assembleia Nacional de Presos e Presas da Revolta Social, que destacam o uso indevido da Lei de Segurança Interior do Estado como o fator que desmente a versão governamental.
“Se fosse esse o caso, essas pessoas já teriam sido julgadas, e caso fossem condenadas receberiam penas baixas, entre dois meses e um ano e meio de prisão no máximo, algumas dessas penas poderiam ser transformadas em multa e todos já estariam livres.
No entanto, devido à Lei de Segurança Interior do Estado, os réus continuam sendo mantidos reféns da Justiça, e essa decisão é sim uma decisão política, já que esse instrumento jurídico que condiciona todos os casos é uma atribuição exclusiva do presidente Sebastián Piñera”, explicou Fuentes, que também trabalha como advogado em alguns dos casos envolvendo presos políticos da revolta social.
Tal situação também tem sido denunciada internacionalmente em organismos de defesa dos direitos humanos, por entidades chilenas que também cumprem essa missão. O Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU — que é presidido por uma chilena, a ex-presidenta Michelle Bachelet — já trabalha sobre uma denúncia formal realizada por diferentes entidades chilenas.
O documento que apresentou a denúncia inclui não só o informe técnico jurídico sobre o uso indevido da Lei de Segurança Interior do Estado e a utilização de forma abusiva do instrumento das prisões preventivas, como também um informe realizado pelo Colégio Médico do Chile, que revela as condições cruéis às quais estão submetidas os 45 réus que enfrentam prisão preventiva, alguns dos quais apresentam quadros graves de desnutrição e problemas psicoemocionais.
Porém, dentro desse grupo de entidades que apresentou a denúncia não consta o INDH (Instituto Nacional de Direitos Humanos do Chile), acusado por muitos ativistas chilenos de ser cúmplice das violações cometidas pelo governo de Piñera durante a revolta social — não só as prisões arbitrárias como casos de violência sexual, torturas e lesões oculares, sendo este último caso o que mais chama a atenção devido às mais de 600 pessoas que tiveram perda total ou parcial da visão de um olho, além dos dois casos de pessoas que perderam a visão de ambos os olhos.
Por essa razão, também existe uma forte pressão, realizada por ativistas e entidades interessadas no tema, pela demissão do diretor do INDH, Sergio Micco — que também é militante do partido Democracia Cristã, de centro.
Além do apoio internacional, as entidades chilenas também tentam impulsionar uma iniciativa parlamentar, a Lei de Indulto aos Presos Políticos da Revolta Social, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados, mas se encontra congelada no Senado. O projeto conta com o apoio das candidaturas de centro e de esquerda, como as de Gabriel Boric (Frente Ampla/Partido Comunista) e Yasna Provoste (Democracia Cristã/Partido Socialista), mas é rejeitada pelas de direita, de José Antonio Kast (Partido Republicano) e de Sebastián Sichel (Renovação Nacional/União Democrata Independente).
“O governo politizou muito a Lei do Indulto, transformou em um tema de campanha, o que condicionou muito as posturas no Congresso. Sinceramente, é pouco provável que esse projeto seja votado antes do segundo turno, e talvez não seja possível nos três meses que restam a este governo”, comentou o advogado Jaime Fuentes.
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